Imagens do horror

Crítica da performance Horror ou breve estudo sobre a paralisia, do Colectivo 84 de Portugal

9 de abril de 2013 Críticas

As marcas da crise política impressas em quatro jovens que se encontram em um lugar indeterminado, vestindo tshirts com capuzes e orelhinhas de bicho. Seus corpos mostram uma movimentação nervosa e exaustiva, que é o resultado do horror que aparece quando o que nos forma (o pensamento intelectual, a política, a economia, as relações sociais) se revela como motor de nossa própria decomposição. A este homem moldado pelas injunções sócio-político-econômicas restam também alguns momentos de petrificação, como último recurso de resistência ou, talvez, como um breve estágio que antecede sua morte. É com este imaginário que o Colectivo 84/Penetrarte de Portugal, companhia dirigida por Mickael de Oliveira e John Romão, coloca em cena as repercussões e os possíveis enfrentamentos diante do atual estado das coisas. Suas insinuações à escatologia e ao sexo mecanizado, seu humor debochado de si e dos outros e o retorno a um estado quase animalesco parecem ter a intenção de figurar uma maneira de lidar com o mal-estar gerado pela violência, pela condição de expropriação e de alienação do homem. A sociedade de consumo tem nádegas na cabeça que eliminam coca-cola: insumo e produto do pensamento intelectual.

A dramaturgia de Mickael de Oliveira é uma junção de ditos que intencionam criar um problema para a noção de pensamento intelectual, porém, um certo modo proverbial de sua composição acaba por minimizar seus possíveis efeitos críticos. A encenação dirigida por John Romão mostra entendimento e inventividade sobre combinatórias entre corpos, espaço, objetos e projeções de tensões verbo-visuais que criam uma cena com força imagética. Porém, a insistência em recortes (fragmentos) que se repetem sem propriamente conseguir apontar tomadas de posição compõe quadros mais ou menos esvaziados de sentido. Uma das potências da imagem é o fato delas terem se originado como mediação em relação ao mundo e, atualmente, mesmo tendo virado o próprio mundo, ou seja, tendo perdido seu caráter de puro médium, esta sua origem existe como um traço, como um vestígio que não se apaga. E parece ser aí deste lugar de vestígio, de impressão, de coisa que toca duas superfícies distintas que vem sua força criadora. Como em Horror, tudo está ali quase que literalmente, os processos e as capacidades de que as imagens provoquem remissões ficam mais escassas.

A meu ver, a performance estabelece conexões com o espectador em alguns breves momentos, mas que poderiam ser indicativos de uma possível direção do trabalho como, por exemplo, na primeira cena com o ator vestido com a cabeça de nádegas e com o texto da atriz sobre o horror de voar, as petrificações e a cena de dança com os sinos da felicidade. O desenho de luz de José Álvaro Correia causa um ambiente entre claro/escuro que é potente na criação de imagens que mostram o quanto a intelecção ocidental parece confusa. As sonoridades também provocam uma insistência de desagregação de sentidos positivos muito bem realizadas e que parecem mesmo fazer brotar o grito.

O elenco de atuantes formado por Bernardo Rocha, João Folgado, Mariana Tengner Barros e Miguel da Cunha realizam uma cena que expõe uma adesão ao trabalho que o espectador pode sentir como afeto. A sensação é a de uma necessidade.

Conheça o site do Coletivo 84: http://colectivo84.blogspot.pt/

Dinah Cesare é Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (EBA- UFRJ) dentro da Área de Teoria e Experimentações em Arte na Linha de Pesquisa Poéticas Interdisciplinares, é mestra em Artes Cênicas pela UNIRIO.

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