Ambiguidades sutis

Crítica da peça Ô Lili, da Cia Marginal, com direção de Isabel Penoni

28 de abril de 2012 Críticas
Foto: Naldinho Lourenzo.

A Cia Marginal está em cartaz com Ô Lili na sede da Cia dos Atores no bairro da Lapa. O espetáculo estreou em maio de 2011 no Teatro Maria Clara Machado. Ô Lili é o segundo trabalho da Cia (o primeiro foi Qual é a nossa cara?), que é integrada por jovens moradores do Complexo de Comunidades da Maré e que vem se desenvolvendo ao longo dos últimos seis anos em formas diferenciadas de oficinas e de apresentação de trabalhos. A pesquisa deste segundo espetáculo partiu de uma série de conversas realizadas com detentos do sistema prisional da cidade e que o grupo materializou por meio de uma criação coletiva, sob a direção de Isabel Penoni.

A forma inovadora do trabalho em Ô Lili aparece no modo ambíguo como as situações se dão. Não existe nenhum discurso em favor de alguma coisa pronta a respeito do contexto prisional. O teor crítico não fica impresso no primeiro plano, mas surge sutilmente no decorrer das situações escolhidas. São como séries de acontecimentos que não totalizam afirmações sobre distinções, mas que procuram por lugares de reflexão concreta. As viradas situacionais em favor de uma crítica do estado de coisas acontecem mansamente por meio de pequenos gestos como a entrega conciliadora de um chinelo gasto, de um silêncio que é tentativa de dizer alguma coisa, de uma violência concedida e presente em discussões que poderiam acontecer em qualquer âmbito e, sobretudo, pela troca de afetos.

Os atores em cena não se diferenciam visualmente do que temos como imagem daqueles que formam conjuntos de detentos, mas ao mesmo tempo, oferecem um estranhamento com seus semblantes jovens. Assim parecem se misturar de maneira complexa à vida destes e a vida daqueles que imaginamos como sendo a população carcerária. É como se tivéssemos uma equação que não se resolve por dissonâncias mais evidentes, mas por uma recepção que requer um tempo de contato. Aqui aparece um elemento da direção que não prioriza momentos de epifania, mas estabelece suas escolhas nas dobras que as relações dão a ver. A vida não é uma sucessão épica, procura por estratégias de saídas e transformações.

A atuação tem um registro concreto, as falas dos atores não performatizam olhares estéticos e têm um tom cotidiano que revela um trabalho nesta direção. A dramaturgia composta pela diretora em parceria com Rosyane Trotta é um material que porta ambiguidades e concretudes, transita de lugares fixos para apontamentos, descortina pontos de fuga sem criar alardes. Se o espaço da encenação é um semicírculo, a dramaturgia realiza a mesma composição de abertura na medida em que não procurou por ajuizamentos.

A banda ao vivo com ação predominante no momento da entrada dos espectadores e na cena inicial configura um lugar de mostragem, de show que não tem continuidade. Mas de algum modo acontece uma reverberação deste teor-exposição que contribui para a reflexão. Nada continua como na acepção mais corrente da palavra show, mas como mostra do que poderia ser a condição mental das pessoas. Esse aspecto instigou a crítica a executar um exercício de concisão.

Mais informações sobre a Cia Marginal no site: http://ciamarginalmare.blogspot.com.br/

Dinah Cesare é Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (EBA- UFRJ) dentro da Área de Teoria e Experimentações em Arte na linha de pesquisa Poéticas Interdisciplinares, é mestra em Artes Cênicas pela UNIRIO.

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