Jogo de repetição sem impacto teatral

Crítica da peça Hell, dirigida por Hector Babenco, com Bárbara Paz

27 de maio de 2011 Críticas
Bárbara Paz. Foto: Divulgação.

Hell é um texto estruturado sobre repetições. A protagonista do best-seller de Lolita Pille, transportada para o teatro por Hector Babenco e Marco Antonio Braz, surge como uma figura mergulhada num cotidiano de excessos. Hell, como gosta de ser chamada, quase nunca consegue romper com um círculo viciado marcado por álcool, drogas e relacionamentos ora fugazes, ora intensos e destrutivos.

Lolita Pille traz à tona uma juventude fútil, destituída de qualquer sentido de utopia e pautada unicamente pela busca do prazer instantâneo. A oportunidade de traçar o retrato de uma parcela de geração foi, possivelmente, o que levou Hector Babenco a se aproximar desse material, menos promissor que suas outras escolhas no terreno do teatro – Louco de amor, de Sam Shepard, e Mais perto, de Patrick Marber. As limitações de Hell não são difíceis de identificar: ao invés de fazer da repetição o “tema” de seu texto, a autora dá vazão a um texto repetitivo, que reitera constantemente aquilo que, por si só, já foi explicitado diante do leitor/espectador.

Na transposição para a cena, Babenco e Braz não conseguiram resolver esse problema, apesar da encenação contar com imagens sugestivas transmitindo saturação, como aquela em que Hell tira, de maneira apressada e mecânica, várias blusas, uma sobreposta à outra, logo no início da apresentação. Em determinado momento, o processo de degradação de Hell (e daqueles que estão à sua volta) é brevemente relacionado à questão do corpo como obra de arte. A conexão com a body art – e outras eventuais manifestações da performance – é quase imediata, mesmo que Lolita Pille (e Babenco e Braz na adaptação) não tenha aproveitado esse gancho para tornar seu texto mais consistente.

Na tentativa de extrair impacto da repetição, Barbara Paz acaba investindo num tom algo monocórdio. A atriz procura emprestar contundência à jornada de Hell, mas é prejudicada por problemas de emissão vocal, suprimindo, em vários instantes, os finais das palavras. Paulo Azevedo não consegue imprimir colorido à presença de Andréa, parceiro da protagonista no mergulho nos prazeres de ocasião.

É na concepção visual da cena que a montagem de Hell encontra seus maiores atrativos. A cenografia de Felipe Tassara isola o mundo de Hell no confinamento de um closet em expressivo contraste com a grande área desabitada do palco. Os figurinos e as imagens que invadem a cena (o retângulo projetado na parede como chamariz esfuziante de vitrines), ambos a cargo de Giovanni Bianco, “dialogam” com a cenografia por meio de impactante uso de cores fortes em espaço tomado pela neutralidade do preto. A iluminação de Beto Bruel lança focos precisos sobre partes do corpo da atriz/personagem. A trilha sonora (não creditada) se limita a sublinhar, na maior parte do tempo, o descartável universo de Hell.

Daniel Schenker é doutorando em Artes Cênicas pela UniRio e crítico de teatro do Jornal do Commercio e da revista Isto É/Gente.

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