Ao telefone

Tradução de Raphael Cassou da peça de André de Lorde, dramaturgo da Escola do Grand Guignol

31 de março de 2011 Traduções

Introdução

O público se prepara para mais uma sessão no instigante Teatro do Grand Guignol. A tensão e a expectativa tomam conta do lugar. O local? Rua Chaptal, Paris. A época? Final do século XIX. O Grand Guignol é o nome de um teatro parisiense inaugurado em 1897 e que funcionou até o ano de 1963. Sua especialidade eram os espetáculos que se caracterizavam pelo tom macabro e pela violência. O sucesso alcançado foi tanto que se espalhou por vários países da Europa e foi uma das grandes inspirações do cinema de horror britânico, americano e do cinema expressionista alemão. O nome “Guignol” é oriundo de um boneco criado na França no final do século XIII e que se popularizou por fazer sátiras políticas.

O teatro da Rua Chaptal era o local das experimentações do seu primeiro diretor, Oscar Métenier. Métenier defendia a abolição dos limites impostos pelas convenções cênicas da época, em que a frontalidade para com o público estava em voga. Ele buscava uma maior autenticidade na ficção. Seu principal objetivo era a concepção de um espaço teatral baseado na reorganização da realidade das cenas. Os atores poderiam então se desvincular da imposição de se postar ”teatralmente” e agir como se estivessem em suas próprias casas (entrar e sair de cena queria dizer entrar e sair de um quarto ou sala, e não mais de uma cenografia que ”representava” o lugar). Paralelamente às inovações estruturais da direção recém-surgida, mudavam também os próprios conteúdos das representações, influenciados pela poética do teatro e da literatura realistas, de autores como Edgar Alan Poe e André de Lorde.

Estas audazes experiências começaram a ser metabolizadas – ainda que não compreendidas – por um público burguês e em pouco tempo atingiu um enorme sucesso de público. Métenier aproveitou para ousar ainda mais; buscou explorar ao máximo as emoções suscitadas nos espectadores por situações escabrosas de dramas realistas, exageradas ao extremo.

Surge a partir disto a dramaturgia do Grand Guignol: involuntariamente, Métenier havia inventado um novo gênero. Essa dramaturgia nasce, portanto, das premissas da poética realista. Era muito carregada, com situações levadas às extremas conseqüências e pontuada como representação exasperada de uma suposta degeneração moral e material de classes sociais pobres.

O texto aqui apresentado é representante da primeira fase do Grand Guignol, a fase realista. Ao telefone (Au Téléphone), é a peça mais famosa de André de Lorde. Foi escrita em 1922. De Lorde nasceu na França em 1871 e foi o mais notável dramaturgo da Escola do Grand Guignol. Ele se devotou, em mais de uma centena de peças, quase que exclusivamente à exploração de temas ligados ao terror.

Capa de uma publicação do início do século XX

Ao telefone

de André de Lorde

(escrita com a colaboração de Charles Foley)

Personagens:

ANDRÉ MAREX – 45 anos

MARTHA MAREX – sua esposa, 30 anos

BLAISE – um velho empregado, 60 anos

NANETTE – uma velha empregada, 60 anos

O PEQUENO PIERRE MAREX – 6 anos

UM MENDIGO – por volta de 20 anos

RIVOIRE – um amigo de Marex, 50 anos

JUSTIN – um empregado, 30 anos

LUCIENNE RIVOIRE – esposa de Rivoire, 30 anos

CENÁRIO: no Château de la Chesnaye e na casa de Rivoire

TEMPO: Década de 90 (1890)

CENA 1

Uma casa de campo. Uma grande sala de estar no térreo. Uma janela francesa ao fundo, com vista para um parque. Janelas menores, uma de cada lado da janela francesa; portas à direita e à esquerda. À esquerda, uma lareira acesa. Entre a lareira e o proscênio, um aparelho de telefone sobre uma bancada. À direita, mesa, cadeiras, poltronas e uma escrivaninha no canto.

Quando a cortina sobe, a velha criada NANETTE está sentada perto da lareira com o pequeno PIERRE em seu colo. Ele está folheando as páginas de um livro ilustrado. MAREX, em trajes de viagem, está arrumando alguns papéis na escrivaninha. MARTHA, sua esposa, está embrulhando alguns pequenos objetos e colocando-os em uma bolsa que está sobre a mesa.

MAREX – (parando e ouvindo). É uma carruagem?

MARTHA – (indo até a janela). Eh! Não, não é.

MAREX – Ele não está atrasado?

MARTHA – Ele é muito pontual. Essa é uma de suas regras.

MAREX – De onde você pediu a carruagem?

MARTHA – Da casa Perrin como de costume. (Retornando à mesa). Foi Nanette quem pediu?

NANETTE – Eu fui pessoalmente. Eu vi a ordem sendo escrita.

MARTHA – (olha o relógio). Você tem muito tempo.

MAREX – (olha seu relógio de pulso). Eu já poderia ter saído.

MARTHA – Até a estação são apenas vinte minutos.

MAREX – É melhor eu começar a pé. (Indo até a janela.)

NANETTE – Oh, não, Patrão, ainda há bastante tempo. É um cavalo rápido.

MAREX – Se ele não estiver aqui em um ou dois minutos, é melhor eu desistir de todos os meus planos de partir.

MARTHA – É certo que virão.

MAREX – Se eu perder o trem, estarei em maus lençóis. Se eu não estiver amanhã em Paris para encontrar Müller, o negócio pode cair… e seria uma perda terrível … dez mil francos.

MARTHA – Então esse negócio vale muito?

MAREX – Sim, e quem sabe um pouco mais, eu espero.

MARTHA – De fato é importante. Ah! (Olhando pela janela). Eu pensei que era a carruagem. (Ansiosamente). Se ao menos eles tivessem um telefone no estábulo, nós poderíamos descobrir se eles já saíram.

MAREX – Caso não tenham saído ainda, será tarde demais, e além do mais, eles não têm telefone; ninguém tem telefone em Servon… Meu Deus! Isto aqui é um fim de mundo! Um telefone! Eles nem sabem o que é tal coisa.

MARTHA – (olhando para o relógio da lareira). Seis horas.

MAREX – Ah! Se pelo menos esse cocheiro estivesse aqui! Escutem. Eu vou começar a pé. Blaise pode carregar minha mala… Estarei lá antes da carruagem chegar aqui. (A chuva e o vento aumentam.)

NANETTE – Mas, meu senhor, escute! Está chovendo muito.

MARTHA – Está um tempo horrível.

MAREX – Sim, está caindo o céu… que belo tempo esse de setembro! Nós viemos para o campo para respirar ar puro, sair para longas caminhadas e há três semanas não conseguimos botar nossos narizes para fora de casa. Que lugar detestável. Eu vim pra cá para passar raiva.

MARTHA – (fecha a mala). Não voltaremos aqui em nossas próximas férias.

MAREX – De fato prefiro não vir. E é tão inconveniente, também! Úmido, sem graça. A cidade está suja e não possui meios de comunicação.

NANETTE – E aqui é tão afastado de tudo! Se quisermos comprar alguma coisa ou se alguém ficar doente à noite, pode-se até morrer antes de aparecer alguma viva alma que possa nos ajudar.

MARTHA – Você poderia sair e chamar os vizinhos.

NANETTE – Vizinhos! Estão todos muito distantes.

MAREX – É verdade. Aqui é muito isolado.

MARTHA – Não seria tão ruim se possuíssemos um cavalo e uma carruagem própria.

MAREX – E, além do mais, é tudo tão grande; são necessários cinco ou seis empregados para manter esse lugar em ordem. E todos esses bosques? Sete hectares… uma pequena floresta; o que há de bom nisso? Eu não me arriscaria a atravessá-lo… quem faria isso?

NANETTE – Não, obrigada… cheio de mendigos horríveis. Eu encontrei um outro dia. Cruzes!

MARTHA – (rindo). Nanette, sua velha tola.

MAREX – Devia ser algum pedinte.

NANETTE – Ele tinha uma cara tão feia, ele era tão….

MAREX – Uma cara feia! É só isso? Bem, o fato é que no ano que vem iremos a outro lugar para tirar férias.

NANETTE – Uma boa idéia. Eu não conseguiria viver aqui se tivesse que ficar o tempo todo sozinha, mas felizmente há o senhor e Blaise.

MAREX – Meu Deus, eu estava esquecendo! (ele vai ao telefone e disca).

MARTHA – O que você está fazendo?

MAREX – Eu estou telefonando para Rivoire. (ele fala ao telefone). Alô!! Ligue-me com Vitré, 27632… o mais rápido possível, por favor. Obrigado. (para Martha) Vou dizer a eles que eu chegarei hoje por volta das oito da noite.

MARTHA – E em que trem você retornará?

MAREX – No expresso de dez e quarenta. Eu estarei em Paris amanhã cedo às cinco e quinze. Caso você queira falar comigo antes disso, você pode telefonar para a casa dos Rivoire esta noite até as nove horas.

MARTHA – E em Paris?

MAREX – Hotel Terminus… quarto 16. (O telefone toca. Falando no telefone). Alô! É você meu velho amigo? Sim, sim, mas eu tive que colocar um telefone. De fato é caro e como não há centrais telefônicas em Servon, eu utilizo a de Luxeuil – a linha mais cara de todas; mas era uma necessidade para os meus negócios. Sim. Eu estou ligando para avisar que estou indo para tomar café contigo esta noite. Eu vou de Paris Express. Negócios urgentes. Não, somente café. Já terei jantado. Estarei com vocês por volta das oito horas. Espero não incomodá-los.

MARTHA – (sussurrando para MAREX). Diga que mando lembranças e mande meu carinho a Lucienne.

MAREX – (falando novamente ao telefone). Sim… ela está aqui. Mandando todos os tipos de boas mensagens a você e a Lucienne.

MARTHA – (para seu marido). O quê! Será que ele consegue me ouvir?

MAREX – (ainda ao telefone). Obrigado. Vejo vocês esta noite. (Desliga).

MARTHA – Ele ouviu a minha voz?

MAREX – Você estava próxima de mim. Nunca confie em um telefone, se você estiver falando um segredo.

MARTHA – Isso não é maravilhoso?

NANETTE – (ouvindo). Eu ouço barulho de rodas.

MARTHA – Sim, desta vez é a carruagem. (ouve-se um chamado.)

NANETTE – Está vindo pelo bosque.

MAREX ¬– Graças a Deus. Já não era sem tempo.

PIERRE – (correndo em direção a seu pai). Papai!

MAREX – Sim, meu garoto.

PIERRE – Papai! Eu quero que você me traga um presente quando voltar.

MAREX – Está certo, meu caro. (Para Martha). Alcance a minha mala. Onde está o Blaise?

MARTHA – Na sala de jantar. Eu vou chamá-lo – Blaise! Blaise!

NANETTE – (olhando pela janela). Aqui está a carruagem finalmente.

(Entra BLAISE).

BLAISE – Sim, Madame?

MAREX – Oh! Blaise, aqui está o meu mundo, meu querido mundinho; eu vou deixá-los a seus cuidados. Eu sei que posso confiar em você enquanto estiver fora.

BLAISE – O senhor pode confiar em mim.

MAREX – Coloque minha mala na carruagem. (BLAISE executa a ordem e sai).

MAREX – (beija o filho). Adeus meu querido; comporte-se ou eu me esquecerei daquele presente.

PIERRE – Sim, Papai, eu serei um bom garoto.

MAREX – O que você gostaria que lhe trouxesse?

PIERRE – Oh, Papai! Traga-me uma irmãzinha.

MAREX – Meu Deus, mas isso é muito caro.

PIERRE – Mas, Papai, eu quero uma mesmo assim.

MAREX – Bem, veremos.

PIERRE – Se uma nova for muito caro, me compre uma de segunda mão.

MAREX – (ri e beija a criança). Uma de segunda mão! Muito bem meu querido. (beija a esposa). Adeus Nanette, não pense mais sobre aquelas coisas tolas… você não deve se assustar. (BLAISE entra). Blaise está aqui. Ah, antes que eu me esqueça. Veja, Blaise… (Vai até a mesa e abre a gaveta). Nunca se sabe… é melhor estar preparado… para amedrontar os rostos feios, é como Nanette os chama. Aqui, veja. Nessa gaveta, você verá um revólver carregado. (Tenta fechar a gaveta.) Não poderei estar aqui hoje a noite. Você deve manter esta gaveta fechada e ser muito cuidadoso, não deixe a criança chegar a ela. Adeus. Adeus, meu caro. Faço isso para protegê-los. (Martha, Nanette e Pierre saem com ele.)

MARTHA – Adeus.

MAREX – (parando MARTHA). Não saia, você poderá se resfriar. (Ele sai e então ouvimos) Então, cocheiro, vá o mais rápido que puder, ou nós vamos perder o trem. Não esqueça, Blaise, lembre-se daquilo que lhe disse – eu deixo tudo sob seu comando. (Bate a porta).

PIERRE – (indo repentinamente até a porta) Adeus Papai… não se esqueça da minha irmãzinha. (Em seguida ele entra com NANETTE).

NANETTE – Sim, Papai não vai esquecer. Venha, vamos olhar as figuras do seu livro. (Ela coloca a criança em seu colo e ele gradualmente adormece).

MARTHA – (na janela). Lá vai ele, no final da avenida. Espero que consiga chegar a tempo. Que tempo…um nevoeiro e tanto… mal se pode ver as luzes, a carruagem está passando pelo bosque… já não consigo mais vê-lo, e esta chuva está pior do que nunca. Como está escuro. Esta parte do país é muito sem graça. Nanette!

NANETTE – Xiii. Ele está dormindo.

MARTHA – Ah! Coloque gentilmente no sofá, traga a lamparina e deixe-a acesa. Já está muito escuro. (BLAISE entra novamente). Silêncio! A criança está dormindo. (Ela sai)

NANETTE ¬–¬¬ (coloca a criança no sofá e sai para buscar a lamparina).

BLAISE – (em voz baixa). O senhor está em boas mãos agora; ele tem excelentes cavalos.

MARTHA ¬– Blaise, você pode fechar as persianas da sala de jantar. E trancar o portão externo.

BLAISE – Muito bem, e não seria melhor deixar os cães soltos, também?

MARTHA – Sim, ah, Blaise!

BLAISE – Madame?

MARTHA – Isto aqui me parece muito solitário agora que meu marido se foi. Eu te pergunto… Você se importaria de dormir aqui neste andar esta noite? Você poderia fazer uma cama aqui.

BLAISE – Certamente, Madame. Se isso fizer com que a senhora se sinta mais segura…

MARTHA ¬– Obrigado, Blaise, eu ficarei mais confiante…

(NANETTE volta com um lamparina em suas mãos e trazendo um livro. BLAISE sai. MARTHA diz para NANETTE)

MARTHA – Eu pedi a Blaise para que ele fizesse sua cama aqui na sala, você se sentirá mais confortável.

NANETTE – (em voz baixa) Muito mais. Nós não devíamos estar tão nervosas. (Coloca a lamparina na mesa).

MARTHA – “Nós?” Porque você está falando por mim, minha boa Nanette?

NANETTE – Bem, eu vou me sentir mais segura. Eu não tenho a intenção de ser corajosa.

MARTHA – Eu finjo, mas eu também não sou corajosa.

NANETTE – Ah, bem, eu sou uma mulher idosa. Não importa! Três dias passam rápido, o patrão voltará na quarta-feira o mais tardar, não? Se ele se preocupasse certamente não sairia, eu sei.

MARTHA – Quando formos para o andar de cima colocar a criança na cama, Blaise poderá fazer sua cama.

NANETTE – Sim. Olhe ele. Ele não está lindo? Ele dorme como um anjinho. A senhora vai ter tempo para ver a contabilidade, madame, antes de nós colocarmos Pierre na cama?

MARTHA – Ele parece dormir profundamente. Sim, isso não vai levar mais do que dez minutos, não é?

NANETTE – Ah, nem cinco.

MARTHA – (sentando a esquerda da mesa e abrindo um livro contábil, olha o livro).

NANETTE – Eu lhe dei vinte francos ontem…

NANETTE – Sim, senhora.

MARTHA – Bom. (fazendo os cálculos) Você pagou o padeiro?

NANETTE – Sim, senhora… seis francos e dez centavos.

MARTHA – Seis francos e dez centavos… E você pagou o açougueiro, também?

NANETTE – Sim, está aqui no seu livro. (O vento sopra e a chuva aumenta).

MARTHA – Como o vento está ruidoso. (Levanta-se). Feche as persianas. O som do vento parece tão triste à noite. (Vai para a esquerda).

NANETTE – (abre a janela para fechar as persianas). Sim. (volta-se rapidamente). Ah!

MARTHA – Qual é o problema?

NANETTE –Tem alguém em frente a janela.

MARTHA – (virando-se) O quê? Ah, não diga bobagens! É apenas o reflexo da lamparina.

NANETTE – (assustada e aterrorizada). Não!

MARTHA – (vai até ela) Nanette, seus nervos…

NANETTE – (volta-se para a outra) Oh, Madame, meu coração disparou! Blaise deve fechá-las. Eu não posso. Eu estou muito assustada.

MARTHA – Mas que covarde! Isto está indo um pouco longe demais. Quem você acha que pode estar lá? Agora venha, deixe-me olhar. (Abre a porta dos fundos e em seguida, recua de repente, soltando um grito abafado. Ela vê um mendigo com o boné na mão. O MENDIGO entra, deixando a porta entreaberta.)

MENDIGO – Perdão, madame…

MARTHA – Quem é você? O que você quer?

MENDIGO – (olha ao redor rapidamente). Eu tenho uma carta. (Apalpa o seu bolso).

MARTHA – Uma carta! De onde você vem?

MENDIGO – (apalpa o outro bolso). Eu estou vindo da vila.

MARTHA – (agitada). Como você conseguiu entrar? Porque você não tocou a campainha na porta da frente?

MENDIGO – (olha em volta). Eu não sei onde é a porta da frente. Eu peguei um atalho, vim através do bosque. (tira uma carta esfarrapada do bolso e entrega a MARTHA)

MARTHA – Para quem é a carta? Quem deu isso a você?

MENDIGO – É para Blaise, seu empregado; a mãe dele está morrendo.

MARTHA – (com grande emoção). A mãe dele está morrendo! Nanette, vá chamar Blaise de uma vez.

NANETTE – Sim, Madame. (Ela sai) Coitado! Oh, coitado!

MARTHA – Vá depressa! Se apresse! (para o MENDIGO). Quem lhe deu essa carta?

MENDIGO – Alguém que eu não conheço… ele me disse onde eu deveria entregar… disse e desapareceu rapidamente, isso é tudo.

MARTHA – Aguarde um pouco, deve haver uma resposta.

(O pequeno Pierre, em seu sono, derruba um livro ilustrado que estava próximo a um braço de cadeira. MARTHA olha para o garoto).

MARTHA – Você está dormindo, querido? (Vai até o sofá em que a criança está deitada e tenta ajeitá-lo para deixá-lo mais confortável e diz sem se virar). Sente-se. Blaise está vindo e você poderá explicar a ele.

(O Mendigo está sentado a alguma distância da mesa. Seus olhos recaem sobre a gaveta aberta. Ele vê o revólver, olha em volta para ver se ele é observado, então se aproxima da gaveta, pega o revólver, vai na ponta dos pés em direção à porta entreaberta e rapidamente desaparece.)

PIERRE – (sonhando) Nanette!

MARTHA – (vai até a criança e debruça-se sobre o sofá, de costas para a mesa). Nanette está vindo em breve. Não importa, querido, vamos colocá-lo na cama – lá, você vai dormir, vai dormir. Mamãe está com você. Ele está muito longe da lareira. (Ela puxa a cadeira para perto da lareira). Além do mais, a porta está aberta. Você fechou a porta? Você poderia… (vira-se) Onde está ele? (Levanta-se). Se foi! Eu disse para ele ficar, acho que ele não entendeu. Talvez ele esteja esperando lá fora! (olha para fora pela janela). Não, não há ninguém lá. (fecha a janela e vai à direita.) Ele se foi, ele não deve ter compreendido. (Entra NANETTE) E então?

NANETTE – Eu dei a carta a Blaise. Ele leu e o coitado chorou. E, onde está aquele garoto? (olha ao redor)

MARTHA – Ele se foi. Ele não deve ter entendido que era para esperar por uma resposta. Blaise! Oh, Blaise, eu sinto muito.

(BLAISE entra, enxugando os olhos).

BLAISE ¬– Senhora, minha mãe está doente… morrendo, eles dizem. Ela quer me ver, ela fica perguntando por mim.

MARTHA – Oh, meu pobre Blaise, ela escreveu para você?

BLAISE – Não, ela não poderia escrever essa carta. Um dos vizinhos escreveu para ela. (lamentando-se)

NANETTE – Pobre Blaise! O que você vai fazer?

BLAISE – (indeciso). Eu não sei. O que eu posso fazer?

MARTHA – Nanette, Blaise deve ir de uma vez. A mãe dele está morrendo… ele tem que ir vê-la.

BLAISE – A senhora pode me dispensar por algumas horas, senhora? Eu não me demoro.

MARTHA – Vai de uma vez. (BLAISE avança até a porta).

NANETTE – Nós ficaremos sozinhas.

BLAISE – (vira-se e pára). Madame, eu não posso deixá-la as sós. O patrão deixou-a sob meus cuidados.

NANETTE – Ele ficará muito zangado.

BLAISE – Eu acho melhor sair amanhã pela manhã… ao amanhecer. A senhora não terá medo ao raiar do dia, madame?

MARTHA – (aproxima-se de Blaise e afasta-se um pouco). Eu não tenho medo… o que há para se temer? Vamos trancar tudo cuidadosamente. Isso é mais uma das besteiras de Nanette. Você vai, Blaise, deixe-nos. Vou explicar ao senhor meu marido, vou dizer a ele que insisti. Vá. Você pode chegar a Servon em meia hora.

BLAISE – Oh, em menos do que isso.

MARTHA – Você pode pegar um táxi para trazê-lo de volta. Você não estará muito distante daqui.

BLAISE – A senhora tem a minha palavra a este respeito, eu não vou perder tempo, Madame.

MARTHA – Feche bem as janelas antes que você vá. (Para NANETTE.) Não devemos ser egoístas. Nós nunca iríamos nos perdoar se não permitíssemos que ele visse sua mãe pela última vez. (Alto para BLAISE.) Está tudo bem. Agora, vá.

BLAISE – Você tem um coração amável, madame. A casa está toda fechada. Vou caminhar o mais rápido possível. E estarei de volta. Quero ver minha mãe uma última vez… (fala baixo). Não ficarei fora por mais de duas horas, eu prometo à senhora, madame. Estarei de volta antes das nove.

NANETTE – (nervosamente). Oh, sim, antes das nove.

MARTHA – Está certo… Proteja-se, está chovendo. Eu trancarei a porta assim que você sair, Nanette não tem coragem para fazer isso.

BLAISE – Obrigado, madame, obrigado. (ele sai, seguido por MARTHA).

NANETTE – Oh não, eu não tenho coragem! Essa casa grande e vazia me aterroriza; podemos ser estranguladas antes que alguma ajuda possa vir. Eu li no jornal de ontem que…

(A porta bate à direita. MARTHA reaparece).

MARTHA – Eu fechei a porta assim que ele saiu. Ficaremos bem. Bastante seguras… Esperaremos aqui até que Blaise retorne; a criança ainda está dormindo.

NANETTE – (indo para o sofá). Sim, ele adormeceu rapidamente, Deus o abençoe. Vamos colocá-lo na cama?

MARTHA – Não, pode deixar. Nós o colocaremos na cama quando Blaise voltar. (senta-se à mesa novamente). Vamos voltar as nossas contas. Onde eu parei? (para NANETTE). Você tinha dito que pagou o açougueiro, certo?

NANETTE – Sim, madame.

MARTHA – Onde está o livro de contabilidade?

NANETTE – (procurando por ele desordenadamente) Aqui está.

MARTHA – Bom. Você deve pedir seis garrafas de Vichy amanhã. Não esqueça.

NANETTE – O de costume?

MARTHA – Sim, claro… Para o Patrão.

NANETTE – (rindo). E Blaise.

MARTHA – Como assim, Blaise?

NANETTE – Oh, ele pega uma taça de tempos em tempos.

MARTHA – (rindo) Ah, muito bem.

NANETTE – Mas não diga que eu lhe contei. (Para repentinamente) Madame, o que é isso?

MARTHA – O quê? De novo?

NANETTE – Alguém assoviando.

MARTHA – (seca) Não é nada. É apenas o barulho do vento. (NANETTE segura seu casaco). Você pagou a lavanderia?

NANETTE – (levanta-se, coloca seu casaco sobre a poltrona e cruza a porta). Está lá de novo! Isso não é o vento. Você não escuta?

MARTHA – (indo até ela – ouvindo). Os cães… eles estão rosnando. E daí?

NANETTE – (a si mesma) Tem alguém nos jardins.

MARTHA – (impacientemente) Talvez Blaise tenha esquecido alguma coisa e voltou para pegar.

NANETTE – Os cães conhecem ele… Eles estão latindo… Estão ao longe, próximos à porta dos fundos.

MARTHA – (impacientemente) Deve ser alguém passando…

NANETTE – Ou um ladrão!

MARTHA – Eles geralmente latem assim. Você é muito medrosa!

NANETTE – Não deste jeito. Eles estão correndo atrás.

MARTHA – (ouvindo – começando a ficar nervosa) Sim.

NANETTE – Ah, Madame, estão chegando mais perto – eles estão perseguindo alguém – eles estão muito próximos, agora mais longe. Ah, as pegadas estão chegando mais perto! Eu posso ouvi-las sobre o cascalho.

MARTHA – Nanette! Nanette!

NANETTE – Está muito próximo – do outro lado da porta, talvez.

MARTHA – Nanette.

NANETTE – (para si mesma) Sim, está do outro lado; talvez eles estejam tentando entrar – forçando as janelas.

MARTHA – (assustada) Fique quieta, Nanette. (estende a mão para Nanette).

NANETTE – (pega a mão de Martha) Ah, madame, você está amedrontada também; sua mão está tremendo.

MARTHA – É você. Essas suas fantasias são tolices. Você vai acabar me assustando.

NANETTE – Eu estou aterrorizada, madame. (cai sobre a cadeira).

MARTHA – (nervosamente com uma voz fraca). Venha, sua tola, se houvesse ladrões aqui – na porta – os cachorros estariam latindo. E não estamos ouvindo nada.

NANETTE – Isso é verdade – a não ser que… (elas se entreolham)

MARTHA – A não ser que…?

NANETTE – Eles não possam mais latir!

MARTHA – Quanta besteira! (uma pausa longa). Eu não ouço nada, apenas a tempestade. Está vendo?

NANETTE – Sim.

MARTHA – (zombando dela) Vê, não era nada.

NANETTE – (recobrando a coragem). Esperamos que sim.

MARTHA – Vamos, acalme-se, Nanette.

NANETTE – Eu estou toda me trêmula. Você está pálida também, Madame.

MARTHA – Bom, está tudo acabado agora. Realmente, você me aborreceu bastante por um momento. Aumente o fogo da lareira um pouco, ele está quase apagando. (para ela, impaciente) São apenas oito horas! (tentando pensar em outra coisa.) André já deve ter chegado na casa do Sr. Rivoire a esta altura. Eles são gente boa, os Rivoire. Você se lembra deles, Nanette?

NANETTE – (tranquilizando-se) Ah, sim, o patrão já deve estar lá a essa hora, e bem confortável.

MARTHA – Seria uma boa ideia telefonar e dizer-lhe que a mãe de Blaise está muito doente.

NANETTE – (feliz). Sim, sim, faça isso, madame. Vai ser uma distração para nós, – (apontando para o telefone) ouvir a voz dele na outra extremidade desse fio, vai parecer como se ele estivesse aqui conosco. Você me deixa escutar, Madame?

MARTHA – Sim, sim. (pega o aparelho e disca). Alô! Alô!

NANETTE – Oh, que invenção maravilhosa esta! O patrão está a muitos quilômetros de distância – e podemos nos falar como se ele estivesse aqui bem perto da gente nesta sala.

MARTHA – (ao telefone). Alô! Alô!

NANETTE – Tenho certeza de que vou me sentir melhor quando eu ouvir a voz dele. Não vou mais ter medo. Vai ser como se o patrão estivesse aqui.

MARTHA – (ao telefone, enquanto a cortina cai) Ah! Pode me ligar com Vitré 27632? Rápido, rápido. Certo! Obrigada, eu vou aguardar na linha.

A CORTINA CAI

CENA 2

Um escritório. Cadeiras e poltronas. O telefone na mesa de centro. Quando as cortinas sobem, o telefone toca, ao mesmo tempo a porta dos fundos se abre e um MORDOMO entra e vai até o telefone.

SERVANT – (fala ao telefone) Pronto! Pronto! Madame… ah…Sr. Marex… Quem gostaria? Oh, muito bem, Madame… Sim, ele está aqui com o Sr. E a Sra. Rivoire na sala de jantar… Acabou de chegar. Eu vou chamá-lo… Sim, madame… muito bem… se a senhora esperar na linha um instante, madame. (ele repousa o fone e cruza a porta dos fundos. Neste instante a mesma porta se abre e SR e SRA RIVOIRE e MAREX entram).

MADAME RIVOIRE – (para o MORDOMO). Justin, você pode servir o café aqui.

SERVANT – Muito bem, Madame. (para MAREX). Alguém para o senhor no telefone, Sr. Marex.

MAREX – Ah! (procura ao redor pelo telefone)

RIVOIRE – (apontando o telefone) Ali em cima da mesa.

(MORDOMO entra com uma bandeja)

RIVOIRE – (para o MORDOMO). Você pode trazer o conhaque antigo… você sabe, aquele com o selo vermelho.

SERVANT– Muito bem, Sr. (ele sai)

MAREX – (ao telefone). Alô! Alô! Pronto! Pronto! (uma pausa)

RIVOIRE – Não consegue ouvir resposta?

MAREX – Não. (ao telefone novamente) É você? Alô! Alô!

MADAME RIVOIRE – Eles já desligaram. Eles sempre fazem esse tipo de coisa!

RIVOIRE – (para MAREX) Sim, sempre – se não respondemos imediatamente.

MAREX – É a mesma coisa em todo o lugar. Bem, minha esposa deve ligar novamente. (desliga o telefone)

MADAME RIVOIRE – (servindo café a MAREX). Açúcar?

MAREX – Não, obrigado.

RIVOIRE – (uma xícara na mão). Meu caro amigo, o telefone é uma invenção muito boa – muito útil, mas está mal organizada – pelo menos na França.

MAREX – Realmente, mas é melhor que nada. Talvez seja minha culpa – esse aparelho é uma das coisas mais impressionantes que já vi, mas se eu tivesse que telefonar vinte vezes por dia, ainda assim, creio que nunca pegaria o jeito desta bendita coisa, é demais pra mim – parece -me estranho e misterioso.

(o MORDOMO entra novamente com uma garrafa).

SERVANT – O conhaque senhor. (coloca-a na mesa e sai).

RIVOIRE – (para MAREX) Agora, olhe aqui, eu vou deixa você provar o meu melhor e mais antigo – 1857.

MAREX – 1857?

RIVOIRE – Uma maravilha.

MADAME RIVOIRE – A importadora nos oferece a 50 francos a garrafa.

RIVOIRE – Não vamos falar sobre isso.

MAREX – (sorvendo lentamente) Oh, delicioso. Você estava certo, é maravilhoso.

RIVOIRE – (oferecendo cigarros) Bem, você está confortável lá naquele seu castelo, a umas cem milhas de distância de qualquer lugar?

MAREX – Confortável? Muito desconfortável, meu caro. Você não nos encontrará lá no próximo verão.

MADAME RIVOIRE – Para onde vocês irão?

MAREX – Para Touraine… Não é muito distante de Paris e é mais alegre.

RIVOIRE – Mas você não pagará muito caro por um aluguel em La Chesnaye?

MAREX – Muito. E não foi só isso, é toda a situação em si. Estamos longe de tudo, é muito inconveniente – temos de trocar de trem pelo menos três vezes para chegar a Paris. É quase impossível para mim com o meu negócio para tocar. Eu tive que gastar com um telefone e isso me custou um bom dinheiro!

MADAME RIVOIRE – Eu não estou surpresa. Entre Luseuil e Servon há um trecho de estrada… (neste momento a campainha do telefone começa a soar)

MAREX – Sim… (vai ao telefone). Alô! Alô! Ah! É você querida? Sim, uma viagem muito agradável. Seu amigos estão muito bem. Como está você? Ainda não está na cama, Blaise não está aí?… A mãe dele?… Ah, pobre rapaz! Você estava certa. Nanette estava errada. Pobre homem. Você disse a ele para retornar o mais rápido possível?… Pra pegar uma carruagem?… Está certo… Eu não acho que você esteja assustada. Está? Que coisa boa! Um barulho, agora? Os cães? Isso acontece todas as noites. Você lembra o que aconteceu na última segunda-feira?… Nanette é uma velha tola e covarde… Pior do que um bebê. E ele já está na cama? Não? Vocês estão esperando por Blaise?… Sim, vai ser melhor mesmo… Ah! Ele está dormindo… a campainha do telefone o acordou. Traga-o e deixe ele me desejar boa noite… Boa noite, meu querido, você estava dormindo? Se você se comportar bem até eu voltar… (vira-se pra os RIVOIRES sorrindo). Ele não sabe como segurar o fone. (para o telefone). Diga a ele que talvez ele ganhe a irmãzinha. Eu estive pensando sobre isso e acho que podemos encomendar uma… (risadas). Podemos comprar uma para nós? Sim… uma novinha em folha… hã? (pausa). Qual é o problema? Nanette ouviu alguma coisa? Diga a ela para pegar o telefone e deixe me repreendê-la. É você, Nanette? Você nunca vai mudar, não é mesmo? Barulhos é? Que tipo de barulhos? Você está com medo de quê? Vocês estão bem trancadas aí dentro… Portanto em segurança… Isso é bobagem. Agora vá dormir! Blaise deve retornar em no máximo uma hora. Eu vou te proibir de continuar lendo aquelas histórias do Petit Journal. Elas sempre te impressionam e você fica com isso na cabeça. Está certo. Boa noite… Bons sonhos… Boa noite, minha querida esposa… Até amanhã. Você não acha isso incrível? Você está bem perto de mim… Eu posso ouvir todas as inflexões de sua voz… Posso perceber todos os seus movimentos… É como se estivesse bem próximo, te observando… Sim, até daqui a pouco, esposinha amada. Você sabe o que é. (beijá-a através do telefone)

MADAME RIVOIRE – Pode-se dizer que são dois pombinhos apaixonados.

RIVOIRE – Não se preocupe conosco.

MAREX – (para o telefone) Nossos amigos estão zombando de mim – mas eu não me importo. Adeus, até amanhã. Sim, minha querida. Amanhã. (Deixa de falar e desliga o fone)

RIVOIRE – Se não estivéssemos aqui…

MADAME RIVOIRE – O quão longe eles poderiam ter ido!

RIVOIRE – Felizmente os dois fones estavam bem distantes.

MAREX – (alegremente) Setenta quilômetros de uma boca para a outra.

RIVOIRE – Seu café esfriou.

MAREX – Ah, não tem problema. (bebe) Imaginem vocês, nós temos um velha empregada que é muito dedicada, mas é incrivelmente nervosa… Qualquer barulhinho é o suficiente para aborrecê-la. Ela sempre acha que são ladrões… assassinos…

(RIVOIRE acende um cigarro).

RIVOIRE – Creio que o lugar seja bastante seguro, não?

MAREX – Ah, por Deus, sim, bastante seguro, eu acho – o mesmo que em qualquer outro lugar. Estamos muito isolados, é verdade, mas Martha…

MADAME RIVOIRE – (interrompendo) Vocês têm um mordomo que dorme na casa quando você não está por lá?

MAREX – Sim, Blaise, um bom homem, mas acontece que ele recebeu um chamado repentino de sua mãe, que está muito enferma.

RIVOIRE – Ah, então elas estão sozinhas?

MAREX – Ah, apenas por uma hora ou duas. Eu devo confessar que estou um pouco preocupado, mas não poderia dizer isso a Martha. Além disso, não há nada que ela poderia fazer sob tais circunstâncias. Não há perigo – é muito ridículo preocupar-se com coisas como essas.

MADAME RIVOIRE – Meu Deus! Se precaver nunca é demais. A gente lê um monte de coisas assustadoras nos jornais.

MAREX – Porque você se deixa levar tanto quanto Nanette. (o telefone toca novamente)

RIVOIRE – (indo ao telefone) Bem, qual é o problema agora? O quê … Ah! (indo até MAREX). É sua esposa, meu caro. (estende o fone)

MAREX (levanta-se ansioso e pega o fone).É você? Como sua voz está diferente! Qual o problema? Você ouviu passos… no jardim? Talvez seja Blaise. Então… nesse caso vocês estão bem protegidas. Não seriam os cães caminhando pelo cascalho na entrada? Uma espécie de ruído abafado… próximo à porta? Preste atenção agora, eu te imploro, eu peço que você não perca a cabeça. Você está me ouvindo? Sim, eu te peço. O bebê está chorando… eu ouço. Você está assustando ele. Por favor, acalmem-se. A culpa é da Nanette… Foi ela quem te amedrontou… Sim, você está com medo. Atrás da porta? Ainda? Ora, isso é impossível. Escute, é muito fácil se certificar. Você sabe que o revólver está na gaveta da mesa; eu o deixei lá… Carregado. Escute! Abra uma das janelas bem lentamente. Você não se atreve? Por que? Eu não estou te reconhecendo… Você sempre foi muito corajosa! Abra a janela, mas não a persiana, apenas a janela, e dispare com o revólver uma vez. Não importa se você estragá-las… Isso irá assustá-los — se realmente houve alguém aí; mas eu não acredito nisso … É impossível. — Não é? Ah! Talvez seja algum animal… Uma raposa… Eu te imploro, não trema assim. Faça o que eu digo… Atire; tome cuidado para não se machucar. Avise a criança para que ele não se assuste. Faça o que eu digo. Estou ouvindo… Você pode me contar…

RIVOIRE – (agita-se, vai até MAREX). Qual é o problema?

MAREX – (para Rivoire) Meu caro amigo, elas estão morrendo de medo… A verdade é essa. Elas dizem que ouvem ruídos… passos… rangidos… todos os tipos de coisas do outro lado da porta de entrada da casa. É tudo imaginação. No entanto, se houvesse um trem que pudesse me levar de volta, eu iria…

RIVOIRE – Por que você não telefona para a aldeia?

MAREX – Não há nenhuma central telefônica por lá. Nós estamos em Luxeuil central.

RIVOIRE – Ligue para Luxeuil então… Diga para eles mandarem alguém até lá.

MAREX – Mas é muito distante. Ah, eu estou começando a me assustar também – eu estou – eu não sei qual é o problema comigo.

RIVOIRE– Está certo.

MAREX – Sim. Será que… Eu estou pensando… Blaise saiu logo após a minha saída – esta coincidência…

RIVOIRE – Isso é bobagem. Venha, venha.

MAREX – Sim, isso é tolice. (Ao telefone). O que você quer dizer? O revólver não está lá? Isso é impossível. Vá – procure rápido. Em todos os lugares? Na gaveta? Na parte de trás? Nada? Onde você acha que pode estar? Tenho certeza que o deixei lá. (Para a RIVOIRES). Ah, meus amigos!

RIVOIRE – Sim? (Ele e sua esposa se levantam rapidamente, aumentando a emoção até o final da cena, eles estão de pé, acompanhando cada palavra e movimento de MAREX).

MAREX – O quê? Nada? Como assim foi roubado?… Quem?… Blaise não faria isso. Então quem?… Um mendigo! Ah, fale com mais clareza… Eu não consigo ouvi-la… Há um chiado em meus ouvidos… O que você disse? Oh, Marta, não tenham medo, por favor, eu imploro a você… Estou aqui… Estou aqui. Está rachando! Sendo forçada! Impossível! As persianas são sólidas. Ah, eu ouço você tremer! Pierre está chorando. Não façam barulho. Faça ele ficar quieto… Fique quieto, meu filhinho, eu lhe peço, meu querido Pierre. Sim, pegue a lamparina. Diga a Nanette… imediatamente… que caminhe com ela. Isso pode afastá-los, talvez … não sei… eu… eu… Ah, meu Deus! Agora, por trás das persianas… Você acha… várias pessoas… e também atrás da porta! Eles estão deslizando algo por baixo… Ah!… Falem! Berrem!… Sim, para assustá-los!… Grite… Chame por Socorro!… É medonho! Sim, você está certa. Não fique histérica. Fuja e leve a criança. Sim, fugir… Correr pela cozinha. Corra! Ah! (solta um grito agudo.) Ah! Quem foi esse que gritou! Martha! Martha! Foi você? Resposta! Responda! Me diga! O que eles estão fazendo? O que eles estão fazendo com você? Ah!… Elas estão sendo mortas! Elas estão sendo estranguladas… Ah!… Socorro!… Assassino! Socorro!

(Deixa o telefone e sai correndo como um louco, enquanto o Sr. e a Sra. Rivoire tentam contê-lo) Socorro! Assassino! Assassino! Socorro!

(Continua a gritar enquanto a cortina cai)

CORTINA

Raphael Cassou é ator, iluminador e graduando em Teoria do Teatro pela UniRio.

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A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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