Resgate de um olhar apurado

Crítica da peça infantil Joaquim e as Estrelas, de Renata Mizhari

1 de outubro de 2010 Críticas
Atriz: Gisela de Castro (em primeiro plano) Foto: Divulgação.

Décadas atrás engenheiros estudavam o que seria a projeção arquitetônica de nosso tão distante século XXI. Naves espaciais nos levariam à lua com a regularidade de um avião, robôs, carros voadores, casas de vidro com comandos de voz, muitas construções de ferro, tubulares e aparelhos eletrodomésticos inimagináveis. Um dos bons exemplos disso, no campo das ideias artísticas, foi a série de desenho animado da Hanna-Barbera: “Os Jetsons” (The Jetsons no original), que povoou o nosso imaginário popular coletivo na década de 60. Entretanto nenhum deles, em suas projeções mais otimistas, conseguiu vislumbrar este mundo futurista, pós-contemporâneo, com mares, oceanos, árvores, matas ou estrelas. As cores verde e azul eram ignoradas com frequência da paleta de cor destes “arquitetos do futuro”, devido à total ausência de função em nosso planeta High Tech do “amanhã”. Os anos se passaram e hoje, em plena segunda década do século XXI, podemos observar que pouca coisa daquele mundo utópico-tecnológico tornou-se realidade. O ritmo alucinado da vida nos afastou da natureza mais pura e selvagem e nos fez perder a sensibilidade da mais singela observação e percepção dos fenômenos produzidos por ela. O espetáculo Joaquim e as Estrelas que se encontra em cartaz atualmente no Teatro Oi Futuro Ipanema, chega até nós para restabelecer esse grande hiato de nossa percepção refinada. Primeiro texto escrito para o teatro infantil por Renata Mizrahi, o espetáculo representa muito mais do que um simples ato do fazer teatral mecânico, no qual a grande preocupação é realizar projetos inconsistentes, pelo simples fato do exercício comercial automatizado, congelado por ideias exaustivamente repetidas e com ausência total de qualquer conceito. Joaquim e as Estrelas é um texto de grande reflexão, coberto de lirismo e poesia, e seu mote principal é direcionar o olhar refinado para a beleza de nossa natureza, recuperando o gesto mais simples de apreciarmos as estrelas que brilham no céu, todos os dias a nos iluminar.

O espetáculo – idealizado pela Companhia Teatro de Nós, e realizado pela Zucca Produções -, conta a história do menino Joaquim, que é apaixonado pelas estrelas e acredita que elas estão tristes, porque a maioria das pessoas deixou de olhar para o céu. Joaquim deixa de comer, de ir à escola e de brincar, até que, a partir de um sonho, ele assume a missão de fazer com que as pessoas voltem a dar importância às estrelas. A peça dirigida por Diego Molina nos leva para um ambiente galáctico-espacial. Ao chegarmos à sala de espetáculos, nos deparamos em cena com um planeta em meia lua disposto no centro do palco e vários outros pendurados por fios – que juntos se transformam em vários objetos no decorrer do espetáculo: cama, tablado da professora, cadeiras, entre outros. Ao redor temos várias cortinas leves, fechando todo o espaço cênico e colaborando para o aumento da magia do universo. Todo o tom da cena é puxado para o prateado, uma clara alusão ao brilho das estrelas. Molina optou por uma estética clean, onde cada ambiente é construído e reconstruído com um tecnológico jogo de luzes, em contraponto a uma linha de interpretação lírica/poética, que proporciona assim um ótimo equilíbrio entre estética, conteúdo e verdade cênica. Os cenários de Doris Rollemberg, junto com os adereços de Nilton Catayana, primam pela economia e pela boa funcionalidade dos espaços cênicos, onde fica claro o conceito de que menos é mais. É muito interessante os multiusos que os objetos cenográficos apresentam. Os figurinos de Mauro Leite também estão bem adequados à encenação, e a solução dos figurinos das estrelas em um tecido nobre de cor prata, composto com perucas também com cabelos da mesma cor, é funcional e de grande impacto visual. A trilha sonora metálica de Isadora Medella – do grupo Chicas – é precisa e pontual, encaixando-se harmonicamente no enredo, juntamente com os bonitos arranjos de Isabella Medella e Flavia Belchior. Outro mérito também é a direção de movimento descontínuo de Juliana Medella, acrescentando uma atmosfera em staccato (movimentos partidos) nas estrelas. A iluminação de Anderson Ratto é interessante e colabora com a ambientação espacial ao fazer uso de refletores nobres, ainda pouco desenvolvidos no teatro brasileiro brasileiro, como os moving lights. No elenco, em que os atores Elisa Pinheiro, Gisela de Castro, Carolina Godinho, Morena Cattoni, Marcio Freitas e Peter Boos se saem bem ao interpretar várias personagens, podemos destacar a entrega e a sinceridade do ator João Velho na condução poética da personagem Joaquim. O espetáculo Joaquim e as Estrelas é um programa obrigatório para todos, pois resgata a observação para a percepção mais apurada das pequenas joias produzidas pela natureza, algo que vem sendo negligenciado por nós há algumas décadas.

Foto: divulgação.

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