O valor do sugestivo
Crítica de Boi, da SerTão Teatro Infinito Cia., de Goiânia, programação do Palco Giratório
Boi é um trabalho concebido a partir da utilização expressiva de recursos escassos. Em cena há apenas uma mesa e dois panos, um preto e outro vermelho. A natureza genuinamente teatral do projeto já se evidencia no modo com que esses poucos elementos são manipulados para sugerir variadas imagens numa encenação em que o insinuado vale bem mais do que o concretizado.
Único ator presente no palco, Guido Campos Correa se multiplica entre determinados personagens ao contar a história de Zé Argemiro, rapaz da roça que trava vínculo inquebrantável com o boi Dourado, a despeito das restrições da mãe e da fúria da mulher, Das Dores, que se sente desfavorecida diante do animal.
Para diferenciar os personagens, o ator oscila entre composição marcada (no caso da mãe) e um tom mais neutro empregado na esfera da narração. É amparado pelo trabalho corporal de Hugo Rodas – que acumula as funções de diretor, adaptador (do texto original, de Miguel Jorge), cenógrafo, figurinista e iluminador. Há bons momentos sem texto, a exemplo da cena do grito mudo de Das Dores, e imagens poderosas, como a da máscara de boi (criação de Maria Aparecida).
Em certos instantes, o diretor Hugo Rodas entrelaça, de maneira mais destacada, a jornada de Zé Argemiro com evocação da cultura popular brasileira. A iluminação, calorosa, prioriza o vermelho. A trilha sonora, de Victor Pimenta, impõe gravidade à cena, mas se torna excessivamente interveniente ao longo da apresentação.
Infelizmente, na sessão realizada no Espaço Cultural Escola Sesc, o ator incorreu numa interatividade um tanto vazia com a plateia, composta, em sua maioria, por adolescentes, com o provável intuito de seduzi-los para uma montagem que, em princípio, estaria distante do mundo de referências contemporâneas ostentadas pela juventude de hoje. A barganha com o espectador, que começa desde a entrada do teatro por meio da distribuição de bandeirinhas coloridas, fica ainda mais concreta através de interrupções nas quais o ator desce para conversar com o público, desvirtuando a especificidade do trabalho. Esse tipo de procedimento não aproxima verdadeiramente a plateia da proposta da SerTão Teatro Infinito Cia., de Goiânia, conhecida, anteriormente, pelo belo solo A terceira margem do rio, apropriação cênica de Henrique Rodovalho, com o mesmo Guido Campos Correa, da obra de Guimarães Rosa.
Daniel Schenker é doutorando da UNIRIO.