Cena poluída por interferências

Crítica da peça Quartos de Tennessee

10 de dezembro de 2008 Críticas
Atores: Graciela Pozzobom, Ângela Rebello e Emílio de Mello. Foto: divulgação.

Mais do que trazer à tona a carga de não-dito contida nas relações entre as personagens, Tennessee Williams, tanto em suas peças curtas quanto nas mais consagradas, é um dramaturgo voltado para figuras que se distanciam da esfera do real através da criação de universos paralelos, onde passam a habitar. A hóspede da pensão barata de A Dama da Lavanda, uma das três peças que compõem a seleção do espetáculo Quartos de Tennessee (as outras são Fale Comigo como a Chuva… e O que não foi Dito), está diretamente ligada à Blanche Dubois, protagonista de Um Bonde chamado Desejo, no que se refere à construção de um mundo próprio, bem menos cruel que a realidade. Muitas das criaturas de Tennessee parecem atravessadas por uma sensação de permanente desajuste.

A montagem de Susana Ribeiro, atualmente em cartaz no Centro Cultural Correios, não se “limita” a fazer um apanhado da obra de Tennessee Williams por meio de algumas peças. A diretora produz interferências na cena ao investir em passagens bruscas, principalmente no que se refere à transição do texto inicial, A Catástrofe do Sucesso, para a primeira peça, Fale Comigo como a Chuva…, como se desejasse realçar pontos de conexão entre as partes formadoras do material dramatúrgico de Quartos de Tennessee.

O cenário de Aurora dos Campos colabora com a perspectiva da interferência que parece nortear a encenação, na medida em que propicia a conjugação entre o espaço interno, do quarto, que ambienta as três peças, e o externo a ele. É como se a diretora, em parceria com a cenógrafa, buscasse um intimismo sem, porém, deixá-lo se estabelecer plenamente no palco. Esta contracena entre o concentrado e o disperso desponta, em especial, em Fale Comigo como a Chuva…, na qual a interação entre o casal é mesclada aos sons produzidos, do lado de fora do quarto, pela faxineira, figura cuja movimentação o espectador acompanha através de um espelho embaçado. O uso de uma espuma branca, grafitada sobre o vidro em determinado instante, sublinha a ruína existencial e/ou financeira dos personagens, ainda que seja um recurso questionável de poluição da cena. A iluminação de Maneco Quinderé propõe atmosferas diversas, às vezes contrastantes, a cada uma das três peças.

Emílio de Mello, mais uma vez, faz da fala uma experiência vinculada ao presente, qualidade evidente nas construções dos personagens de Fale Comigo como a Chuva… e A Dama da Lavanda e na sua breve aparição como Tennessee Williams. Ângela Rebello valoriza um pouco demais a afetação da patroa em O que não foi Dito, mas, à medida que a cena avança, domina eventuais exageros com autoridade interpretativa e também se sai bem como a decadente dona de pensão de A Dama da Lavanda. Graciela Pozzobon, após um bom momento em Como se fosse a Chuva…, adere a trabalhos de composição algo carregados, nem sempre preenchidos da humanidade sugerida pelas personagens.

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