Conversa com Marcio Abreu

Conversa sobre o processo de criação do espetáculo que tem o título provisório “Deserto”

8 de abril de 2008 Conversas

A Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba está em processo de construção de seu próximo trabalho, Deserto, com direção de Marcio Abreu e dramaturgia final de Bianca Ramoneda e Marcio Abreu. Foram para uma fazenda, próxima a Curitiba, onde vai funcionar uma extensão do Ateliê de Criação Teatral – ACT (projeto capitaneado por Luís Melo), e lá ficaram por seis semanas, preparando algumas cenas que foram mostradas no Festival de Curitiba de 2008.

A pesquisa dramatúrgica do grupo vem seguindo dois caminhos principais: um, o de encenar textos prévios de uma dramaturgia escrita depois dos anos 90; e outro, o do processo colaborativo de construção dramatúrgica. Eles já trouxeram a maioria de seus espetáculos para o Rio, o primeiro foi Volta ao dia (em 2003). Em seguida, eles estiveram aqui com duas peças: em 2005, com Suíte 1 de Philippe Minyana, e no ano passado com a montagem de Apenas o Fim do Mundo, escrita por Jean-Luc Lagarce em 1990.

FELIPE VIDAL – Marcio, como surgiu a idéia de Deserto?

MARCIO ABREU – Deserto é o título provisório desse processo colaborativo de criação. A idéia é investigar o comportamento humano a partir da condição de fragilidade. Num exercício de ficção começamos a levantar personagens e histórias que revelem a possibilidade de construção enquanto tudo se destrói. Como conceber uma utopia num deserto? Como fazer nascer vida onde aparentemente não há? Essas são as primeiras inquietações que nos movem.

FELIPE VIDAL – Sobre o que fala o espetáculo?

MARCIO ABREU – Ainda é muito cedo para responder essa pergunta. De qualquer modo quase sempre acho cedo para responder uma pergunta assim. Em geral tenho a sensação de que os trabalhos que faço falam sobre quem pergunta. Dificilmente trabalho sobre um tema fechado e sigo nele até que se transforme num espetáculo. Ele próprio diz sobre o que fala para quem o assiste. Uma peça pode adquirir autonomia no contato com o público e o discurso se forma nessa relação.

FELIPE VIDAL – Como vocês foram parar numa fazenda?

MARCIO ABREU – É a primeira experiência que fazemos dentro do projeto Ateliê de Residências Artísticas do Luis Melo. É um projeto ainda em construção de um centro de criação e pesquisa de todas as artes. O local é muito próximo de Curitiba, cerca de 40km, e fica num belo planalto, uma região repleta de vales e pedras. Tem a vantagem de ser no campo, mas com as coisas boas que a cidade pode oferecer.  Há uma matéria na revista do Espaço Cenográfico, do Serrone, na edição número 32, que tem todas as informações do que será o projeto futuramente. Para este trabalho, o conceito de residência artística veio bem a calhar, já que podemos concentrar esforços e otimizar recursos e tempo para iniciar um processo de criação. 

FELIPE VIDAL – Como está se dando a construção da dramaturgia? Havia algo escrito antes de começarem o processo?

MARCIO ABREU – Antes de virmos para o Ateliê tínhamos apenas textos de referência, mas nada escrito para virar cena. O processo é realmente colaborativo e a dramaturgia se dá no trabalho realizado com os atores. Trabalhamos em sala de ensaio e paralelamente com o exercício da escrita. Idéias surgem no papel e vão para a cena, e outras surgem na cena e vão para o papel. Ainda não há roteiro definido e acredito que isso só ocorrerá muito próximo da estréia, em junho. Temos situações, personagens, histórias, imagens e dúvidas. É tudo o que temos por enquanto.

FELIPE VIDAL – Como Deserto se insere na trajetória da Companhia? 

MARCIO ABREU – É um momento grato. Reunimos pessoas importantes para nós, gente que trabalha conosco ou que acompanha a nossa trajetória. Artistas que admiramos. É também um momento de arriscar novas frentes, de ir para o desconhecido. Encarar o desafio da dramaturgia. Encontrar o que dizer e, sobretudo, construir a maneira de dizer. Em 2002, fizemos um processo colaborativo para a criação do Volta ao dia… Nós partimos da obra do Julio Cortázar para criar uma dramaturgia original. Depois disso investigamos alguns autores que dialogavam com as propostas que vínhamos fazendo, como o Minyana e o Lagarce. No meio do caminho fizemos ópera, inúmeras leituras públicas, tradução e publicação de dramaturgia inédita, parcerias com outros grupos, uma peça curta de minha autoria inspirada em Curitiba para a inauguração do teatro Novelas Curitibanas, enfim… Agora retornamos à sala de ensaio e à escrivaninha com um desafio novo: criar a partir do que temos, colocar nossa fragilidade na mesa, encontrar uma forma de dizer destas pessoas, deste grupo. Somos então o Luis Melo, a Bianca Ramoneda, o Marcio Vito, a Giovana Soar, a Nadja Naira e eu. No Festival de Curitiba fizemos uma mostra do processo, apresentamos algumas cenas, alguns esboços. Em junho faremos a estréia no Espaço Sesc, no Rio.

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