Autor Glauber Coradesqui
Arquivo inventado e a cena como máquina do tempo em Cancioneiro Terminal
Olhando agora essas imagens pensamos que elas, assim como as legendas,
serão sempre insuficientes. Esse é o filme que conseguimos fazer.
(créditos de abertura da performance-filme Cancioneiro Terminal)
Praça da República, São Paulo. Sexta-feira, 13 de março de 2020. Caminhava sozinho em direção à Biblioteca Mário de Andrade, para assistir à apresentação de Cancioneiro Terminal, quando as mensagens de fechamento dos equipamentos culturais por motivos de segurança sanitária começaram a chegar pelo telefone. Pairava entre nós certa aflição e desconfiança diante dos noticiários que ao longo de todo o verão atualizavam a elevada taxa de mortalidade na Europa. Àquela altura ainda não havia sido notificada nenhuma morte por COVID-19 no Brasil e constavam apenas 107 casos confirmados de infecção pela doença. Esse percurso a pé até o teatro estabelecia na vida daquele coletivo artístico e daqueles espectadores (eu incluso), sem que soubessem, o início exato do primeiro confinamento no país e da modulação de diversas práticas de convivência, dentre elas, as artes da cena.
Entre a sala e o céu

No verão de 2017 (inverno europeu), o coletivo brasiliense Aisthesis[i] viajou para Lisboa na expectativa de encontrar o mundo. Pegou casacos emprestados e desafiou os próprios limites (geográficos, a princípio) se lançando na aventura essencial e milenar da viagem, tão primitiva quanto o próprio movimento de migração e povoamento dos continentes. Reservou hospedagem numa casa portuguesa e enfrentou uma madrugada inteira de horas-voo e fila de imigração para se encontrar com a coreógrafa Vera Mantero, durante seis horas por dia ao longo de um mês, em seu estúdio no Espaço da Penha, no velho continente.