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Diário de uma atriz em confinamento e em criação
Fui investigar agora e vi que começamos a nos falar, eu e Mauro Schames, sobre qualquer coisa aleatória, em 18 de março. Eu estava em casa, já em quarentena, desde o dia 16. Já tínhamos nos visto umas 4, 5 vezes. Temos as mesmas agentes. Já nos vimos em cena. Não éramos amigos. No dia 18 de março um perguntou pro outro:
– E você, tá bem de quarentena?
No dia 02 de abril já tínhamos lido pela primeira vez o texto A história dos ursos pandas (contada por um saxofonista que tem uma namorada em Frankfurt) de Matei Visniec, proposto pelo Mauro, cada um na frente do seu computador. Logo pintou um primeiro edital e nós dois batemos a cabeça fazendo testes de como iríamos nos filmar para propor esse texto ao edital do Itaú Cultural, que tinha inscrições abertas entre 06 a 10 de abril. Depois de algumas tentativas mal sucedidas de filmagens de trechos de cenas da peça, Mauro sugeriu sabiamente Bruno Kott para a direção. Eu nunca tinha ouvido falar nele e descobri, depois, que ele já havia me visto em cena. Bruno e eu nunca nos encontramos pessoalmente. E isso é incrível.
Por um fio

Entro na Sala Glauce Rocha, escura, segurando uma lanterna (dada ao espectador pela produção), e procuro um lugar na plateia. O espetáculo começava com cerca de meia hora de atraso e a sensação era de que o teatro estava por um fio: uma certa náusea que precede a quase desistência, “preciso ir para casa”, “está ficando tarde”, e outras fugas e recusas mais. Nesse contexto, assistir a uma peça seria quase um ato de resistência — ou, ainda, de persistência —, como se o teatro tivesse que ser garimpado, conquistado, buscado nos recônditos das artes, em galpões clandestinos. No entanto, hoje vejo que a peça na verdade já tinha começado naquele momento, do lado de fora, no avesso do teatro. Sem qualquer trilha sonora ou contextualização narrativa, dois homens se encontram e iniciam uma conversa, depois de enxotados a pontapés por uma porta. Foram expulsos do teatro. Fecha-se o círculo: tomando-me como um hipotético microcosmo da plateia, a reação adversa do público espelha a própria expulsão dos dois últimos remanescentes da arte teatral. Minha impaciência muda como espectador se conectava subitamente ao espaço oco do qual aqueles dois personagens estavam sendo banidos.