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Por um fio
Entro na Sala Glauce Rocha, escura, segurando uma lanterna (dada ao espectador pela produção), e procuro um lugar na plateia. O espetáculo começava com cerca de meia hora de atraso e a sensação era de que o teatro estava por um fio: uma certa náusea que precede a quase desistência, “preciso ir para casa”, “está ficando tarde”, e outras fugas e recusas mais. Nesse contexto, assistir a uma peça seria quase um ato de resistência — ou, ainda, de persistência —, como se o teatro tivesse que ser garimpado, conquistado, buscado nos recônditos das artes, em galpões clandestinos. No entanto, hoje vejo que a peça na verdade já tinha começado naquele momento, do lado de fora, no avesso do teatro. Sem qualquer trilha sonora ou contextualização narrativa, dois homens se encontram e iniciam uma conversa, depois de enxotados a pontapés por uma porta. Foram expulsos do teatro. Fecha-se o círculo: tomando-me como um hipotético microcosmo da plateia, a reação adversa do público espelha a própria expulsão dos dois últimos remanescentes da arte teatral. Minha impaciência muda como espectador se conectava subitamente ao espaço oco do qual aqueles dois personagens estavam sendo banidos.
Sobre o risco de se ver em cena: um esclarecimento
Falar sobre um processo não é apenas descrever ou narrar o que acontece entre as quatro paredes de uma sala de ensaio. Talvez, sim, mas é possível que seja em um tom pouco íntimo ou até, quem sabe, incerto. E é na convivência quase diária com o grupo que será colocado aqui o processo de A Gaivota, de Anton Tchekhov. No caso, a montagem é À Gaivota, homonimamente como homenagem ao autor, dirigida por Maíra Kestenberg.
O desejo de montar a peça é tão antigo que se perdeu entre as atividades da diretora. Há mais ou menos 10 anos, em um curso com Matheus Nachtergaele, Maíra Kestenberg teve acesso ao texto como base para a oficina ministrada pelo ator. Desde então, A Gaivota passou a fazer parte do cotidiano, em suas funções básicas, em suas obrigações diárias, em amenidades quaisquer. Mas suas personagens estavam lá, amadurecendo, crescendo e se tornando aptas a aparecer, assim como a coragem de colocar em cena tudo o que o mundo tchekhoviano oferece ao leitor / espectador. Além da formação em Interpretação, a extensão no curso de Direção e então, no segundo semestre de 2011, a oportunidade de trabalhar um texto que se desdobraria em uma montagem estava ali: foram seis meses de trabalho divididos de forma bem precisa e equilibrada, diferentes técnicas como bases para extrair da dramaturgia o que seria, mais tarde, o suporte para o espetáculo.