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Corações dentro do gabinete
Nica é um espetáculo de elogio à nossa atenção à vida, à nossa atenção ao mundo, ao nosso afeto ao que existe, existiu ou existirá de mais perto ou mais longe de nós. A definição do espetáculo, deliberadamente despreocupado com sua definição, veleja sobre caldas misturadas de peça-conferência, autorrepresentação, memórias compartilhadas e performances poéticas de cena, sons, músicas e textos.
A peça, diz no palco a atriz-performer-autora-personagem-ser viva, é para celebrar a vida. É dessa forma que Elisa Band tece sua dramaturgia, costurando em seda dados científicos, dados médicos, taxonômicos, cartográficos, literários, suas paixões por coleções, procedimentos de saúde pelos quais sua mãe se submeteu etc. No início, no fim e no meio, cita-se diversas vezes, como um lastro, metafórica ou literalmente, o músculo central das coisas: o coração (do da baleia azul ao da mãe submetido à cirurgia cardíaca).
Interseções entre teatro e cinema através da Internet
O modelo de sociedade, segundo Foucault, de uma “sociedade disciplinar” – a qual se caracteriza por uma forma de encarceramento completo do indivíduo num ambiente arquitetural – vem se transformando naquilo que Gilles Deleuze identifica por “sociedade de controle”, sendo um controle aberto e contínuo, anti-arquitetura, onde os dispositivos disciplinares tornaram-se menos limitados; as instituições sociais modernas geram indivíduos sociais muito mais flexíveis. Essa passagem para a “sociedade de controle” abarca uma subjetividade que não está atida à individualidade. O indivíduo não pertence a nenhuma identidade ao mesmo tempo que pertence a todas pois, mesmo no exterior das instituições sociais, continua a ser veementemente comandado pela lógica disciplinar.
Diálogo inventivo com a tradição
A imagem do título suscita as razões e as emoções sampleadas em O ruído branco da palavra noite. Um espetáculo para escutar, nem tanto para ver – uma contradição em partes, plenamente amparada na saudação incondicional ao teatro.
O espetáculo da Companhia Auto-Retrato ergue-se sob uma atmosfera poética austera na forma e um atavismo humanista transbordante no conteúdo. Sua concepção é assertiva, invulgar em todos os elementos que elege para a cena e conectada ao espírito revolucionário de uma época: um corte profundo na paisagem teatral da Rússia sacudida por transições socialistas e comunistas naqueles anos de virada dos séculos XIX para o XX.