Mutuando saberes no percurso da experiência

Considerações sobre a primeira edição do Festival Mutuá

22 de dezembro de 2022 Estudos

Depois de passar cinco intensos dias em Paraty para vivenciar as atividades da primeira edição do Festival Mutuá entre 21 e 25 de setembro de 2022, me dedico a esta breve reflexão sobre este projeto tão relevante, organizado pelo Polo Sociocultural Sesc Paraty para promover um encontro entre as artes cênicas e os saberes populares. Como diz a Maira Jeannyse, analista de cultura em Artes Cênicas e responsável por esta realização, o Mutuá não é um “evento”. Com isso, ela explica que não se trata de uma produção pontual (que também tem o seu valor), mas de um trabalho continuado. Assim, além de um momento de condensação de encontros e atividades, o Mutuá também pode ser pensado como um desdobramento de algumas atividades que se deram antes e uma aposta para a continuidade delas. Penso também que o Mutuá veio para riscar mais um traçado no chão da cidade que habita, reafirmando, com um novo gesto, o evidente comprometimento das atividades do Polo Sociocultural Sesc Paraty com o território em que está situado, especialmente depois de alguns anos em que tantas atividades precisaram acontecer exclusivamente no modo online. O Mutuá seria, então, uma culminância, uma concentração, uma reunião de forças que condensa, em uma semana, algumas das convivialidades que o Sesc Paraty promove ao longo do ano. O Mutuá surge como desdobramento das atividades mais recentes do APA (Ateliê de Pesquisa do Ator) e do Decanto de Dança.

Iniciado em 2015, o APA teve dois professores orientadores em seus primeiros anos, Carlos Simioni e Stephane Brodt. Realizada em 2021, a publicação intitulada Um estudo sobre o corpo sensível – Ateliê de Pesquisa do Ator, reúne ampla documentação fotográfica e reflexiva sobre o trabalho realizado durante os primeiros cinco anos e a metodologia desenvolvida no APA. Para quem é das artes, a relevância de projetos dessa natureza, com investimento na continuidade da formação de artistas, é bastante evidente. Mas esse tipo de ação é difícil de se traduzir em números, gráficos, índices de eficácia e produtividade. Seu valor aparece em outras moedas, cuja circulação pode ser bastante sutil, mas não por isso menos essencial. Daí a importância de dar atenção à documentação à produção de material reflexivo sobre empreendimentos como esses. Desde 2020, o APA tem se dedicado especialmente à pesquisa das máscaras, com a orientação de duas artistas de teatro especialistas no assunto, Daniela Carmona e Fabianna de Mello e Souza. Vale apontar que as máscaras fazem parte da cultura de Paraty, não apenas como elemento das artes da cena, mas de modo mais amplo, nas festividades e nos saberes populares.

Já o Decanto de Dança é um projeto mais recente, iniciado em um primeiro momento em 2017, com aulas regulares de dança com orientação de Vanda Mota, mas que desde 2019, com Dudude Hermann à frente do programa, tem proporcionado encontros com mestres da cultura popular e pesquisadores com foco no território e no patrimônio imaterial e na diversidade da cultura brasileira. As aulas do Decanto têm se aprofundado numa tônica de pesquisa para fomentar e ativar o corpo como fonte de infinidades de danças que estão na memória de cada um.

Assim, a curadoria da primeira edição do Mutúa ficou a cargo da tríade Daniela, Fabianna e Dudude, em parceria com Maira, e se propôs a articular uma aproximação entre as artes da cena e os saberes populares.

 

Maira Jeannyse, Fabianna de Melo e Souza, Dudude Hermann, Adriana Aragão (autora da selfie), Daniela Carmona e eu.
Maira Jeannyse, Fabianna de Mello e Souza, Dudude Hermann, Adriana Aragão (autora da selfie), Daniela Carmona e eu.

A programação contou com apresentações de espetáculos, encontros, cortejos e diversas oficinas. Estas foram ministradas no CEMBRA, escola estadual localizada no centro de Paraty, com a participação de alunos, que compartilharam o seu espaço cotidiano de aprendizado com artistas convidados para o festival, bem como com os participantes do APA o do Decanto, que se deslocaram até a cidade especialmente para a ocasião. As apresentações artísticas se realizaram na Unidade Sesc Santa Rita e na Largo Santa Rita. Entre os convidados, artistas locais, como a companhia Biwã (Bianca Paraty e Wanessa Malvar), Mestre Jubileu e Davi Cananéa, e de outras partes, como Odacy Oliveira (Amazonas/São Paulo), Negrizu Santos (Bahia), Juliana Manhães (Maranhão /Rio de Janeiro) e o bloco Ilu Obá de Min (São Paulo). Como documentadores, eu e Ratão Diniz, fotógrafo que tem se dedicado a documentar festas populares, especialmente as que se caracterizam pelo uso de máscaras. Na abertura e no encerramento, respectivamente, o Quilombo do Campinho e o Maracatu Tira Mofo marcaram presença decisiva.

A perspectiva que desejo enfatizar aqui é a da experiência, fator que considero ser dos mais importantes na vivência de um festival, e que me parece cada vez mais precarizado na corrida dos números. Sei que com essa observação corro o risco de soar conservadora, como quem diz “não se fazem mais festivais como antigamente…”, mas, pelo contrário, esse texto quer enfatizar que projetos recentes vêm se colocar na contramão da crescente mercantilização daquilo que na verdade não se vende e não se compra. A minha experiência das atividades é a de um entrelaçamento. As partes foram se mesclando umas nas outras, fornecendo nutrição para o que estava por vir ou para assentar o que já tinha acontecido. Desse modo, oficinas, apresentações e encontros foram se enformando mutuamente. E é nesse novelo acolchoado que a minha memória do festival está guardada.

Oficina com Negrizu Santos. Foto: Ratão Diniz.
Oficina com Negrizu Santos. Foto: Ratão Diniz.

Durante a programação, cada dia de festival tinha o seu momento de Proseá: na companhia das curadoras, os artistas traziam coisas para dizer, fazer ou mostrar, ou então propunham dinâmicas para exercitar formas de estar juntos. Não seria possível resumir aqui tudo o que apareceu nesse espaço de trocas, mas gostaria de chamar atenção para uma questão específica, que cristaliza o meu argumento central nessa tentativa de exposição do que foi o Mutuá. Em um dos primeiros encontros, apareceu uma certa polarização entre o pensar e o sentir: a ideia de que haveria na sociedade uma força pautada pelo pensar que faria resistência ao que é da ordem do sentir. Sugiro que a gente pense por um momento que a separação radical entre pensar e sentir é uma armadilha e que o esforço por desarmar essa armadilha é um caminho para uma percepção mais aguçada da imprescindibilidade das práticas artísticas na nossa experiência de mundo. A expressão cultural de um território ou de um grupo, suas práticas artísticas, saberes populares, ou como quisermos chamar, e que tantas vezes são tratados como hábitos acessórios, curiosidades turísticas ou caprichos exóticos, são, na verdade, modos de pensar, agir, conhecer e produzir conhecimento. São epistemes.

Há alguns anos, li um artigo da Zulma Palermo, socióloga argentina do grupo de intelectuais que nos anos 1990 consolidou o movimento decolonial entre acadêmicos latino-americanos, em que ela fala sobre a ideia de “sentipensamento”, defendendo justamente essa indistinção entre sentir e pensar, que me parece mais atraente. Algumas leituras sobre a teoria dos afetos, especialmente a da Sara Ahmed, também me fazem pensar que, em termos de afetos (e aqui não se trata de afetuosidades, mas de afetos no sentido de emoções, sentimentos), o sentir e o pensar estão profundamente imbricados. Muito do que chamamos de racionalidade é, na verdade, comportamento pautado por afetos/emoções. Por exemplo, quando a racionalidade é dura, reprimida, é porque ela é pautada por afetos como a indiferença, a apatia, o senso de superioridade, o ressentimento. A autocensura, digamos, não é uma repressão meramente “racional”, mas uma força armada de afetos como o medo e a insegurança, associados à ideia de controle.

As práticas artísticas no Mutuá colocam em cena essa imbricação entre o pensar e o sentir. As obras colocam em jogo não apenas as emoções em trânsito no fazer dos artistas, mas seu pensamento, sentipensamento, pensamento corporalizado, com ou sem palavras, vivo na linguagem dos corpos, das dramaturgias e nas visualidades complexas dos mascaramentos. É este tipo de saber que estava sendo mutuado. O tipo de produção de conhecimento ativado pelo festival é aquele que não separa a cabeça do corpo.

Registro da oficina do Ilú Obá de Min, com a Mestra Adriana Aragão. Foto: Ratão Diniz.
Oficina do Ilú Obá de Min, com a Mestra Adriana Aragão. Foto: Ratão Diniz.

Logo na primeira tarde de trabalho no CEMBRA, em que a Mestre Adriana Aragão, uma das fundadoras do Ilú Obá de Min, ensinava os movimentos de alguns orixás a partir das suas narrativas, seus fundamentos, já era possível perceber o entrelaçamento entre os afetos agenciados nas fabulações e os movimentos do corpo, entre a visão de mundo e o gesto. Ali estávamos pensando com o corpo, dançando conhecimento. O “pensar” não é só o que trava, interrompe, reprime. Apenas “sentir” não daria conta de nos fazer executar um movimento que tem uma partitura previamente construída. As práticas artísticas compartilhadas nesta e em outras oficinas sugeriam essa imbricação dançante dos nossos recursos internos.

Essa evidenciação da confluência de faculdades na prática artística também poderia ser apontada na oficina de confecção de máscaras, que teve uma grande adesão dos alunos do CEMBRA e se estendeu por algumas etapas até o cortejo final. As técnicas ensinadas por Mestre Jubileu e por Davi Cananéa eram colocadas em prática no ato mesmo da invenção. Cada pessoa que ia fazendo a sua máscara encontrava o seu caminho nessa mistura entre o aprendizado técnico recém adquirido e a intuição criativa, tateando as ideias e pensando com as mãos na massa.

Oficina com Mestre Jubileu e Davi Cananea.  Foto: Ratão Diniz.
Oficina com Davi Cananéa e o Mestre Jubileu (ambos ao centro). Foto: Ratão Diniz.

Aprender, nas artes, é um aprender como criar, não simplesmente como produzir (ou reproduzir). As práticas artísticas também ensinam seus “modos de aprender”, não apenas os conteúdos transmitidos. Isso ficou evidente no conjunto de oficinas proporcionado pelo Mutuá. E os modos de aprender que estavam sendo compartilhados não servem apenas para as atividades artísticas, mas também para outras relações de aprendizado, para outros ofícios.

No caso da oficina ministrada por Juliana Manhães, tivemos oportunidade de vivenciar uma relação de aprendizado entrelaçada com a relação de fruição. Na noite anterior, assistimos ao seu espetáculo, Cazumbaria, no Largo Santa Rita. Ali, presenciamos a relação de jogo entre ela e esse personagem do bumba-meu-boi do Maranhão, o Cazumba. Para quem, como eu, não tinha familiaridade com essa prática, a relação com o espetáculo demandava a tranquilidade de não “entender”, de não precisar ficar ligando os pontos, nem tentar decifrar possíveis sentidos. Era preciso ficar com as imagens, sem interpretar, embora seja evidente que o espetáculo se refere a algo anterior, que há algo a mais ali, que quem conhece vivencia de outra maneira. As imagens audiovisuais de natureza documental projetadas na fachada do Sesc Santa Rita no início nos situavam brevemente, mas não se propunham a vencer essa distância.

Juliana Manhães em Cazumbaria. Foto: Ratão Diniz.
Juliana Manhães em Cazumbaria. Foto: Ratão Diniz.

No dia seguinte, a oficina se deu como uma desmontagem dançada. A ideia de desmontagem a que me refiro é a de uma prática artístico-reflexiva-pedagógica específica do teatro de grupo latino-americano das últimas décadas. Nessa prática, artistas expõem os caminhos que levaram à construção de um trabalho (ou de um conjunto de trabalhos), traçando um percurso pelas escolhas das materialidades da cena, considerando, por exemplo, as dúvidas artísticas e dilemas éticos enfrentados no processo, a contextualização social e política do processo criativo ou da temática abordada. Muitas vezes, a desmontagem é uma obra em si. Aqui, ao mesmo tempo em que Juliana dava uma aula sobre o Cazumba e compartilhava sua vivência pessoal, ela nos convidava a experimentar os princípios dos movimentos que, em retrospectiva, podíamos reconhecer da apresentação. Além do sentir-pensar, era como se a oficina proporcionasse um fazer-lembrar, selando no corpo a experiência do espetáculo.

Outra questão levantada no proseá foi a relação entre a pele e a máscara, não apenas no sentido do interesse técnico pelos mascaramentos corporais, mas por conta do protagonismo que as questões raciais têm no Brasil, no entendimento da nossa história e na vivência do dia a dia. Não foi pouco significativo o contraste entre a conhecida figura do homem negro caracterizado como escravizado, posando para as câmeras dos turistas, e as imagens majestosas dos orixás sobre pernas de pau do Ilú Obá de Min, que confrontavam a urbanidade colonial do centro histórico de Paraty com a propriedade autoral das mãos femininas que tocam tambores para Xangô. O bloco-cortejo trouxe para as ruas da cidade um gesto solar de reposicionamento narrativo. No contexto das pesquisas em questão, podia-se ver o vocabulário corporal e os pontos dos orixás como formas de mascaramento, como gramáticas que se reconhecem, fabulações tramadas no movimento, na percussão, mas que guardam sua parte de segredo.

Mafalda Pequenino e Eduardo Carvalho no cortejo do Ilú Obá de Min. Foto: Ratão Diniz.
Mafalda Pequenino e Eduardo Carvalho no cortejo do Ilú Obá de Min. Foto: Ratão Diniz.
A mestra Bethe Beli, uma das fundadoras do Ilú Obá de Min. Foto: Ratão Diniz.
A Mestra Beth Beli, uma das fundadoras do Ilú Obá de Min. Foto: Ratão Diniz.

O primeiro encontro com a produção artística de Paraty foi com a apresentação da companhia Biwã, que começou no foyer do Sesc Santa Rita e depois levou o público para a rua. Em Andeja, Bianca Paraty e Wanessa Malvar fazem um percurso jocoso por questões e referências da cidade na medida em que variam as técnicas do uso das máscaras. Logo de início, elas fazem uma crítica bem-humorada à apropriação da natureza, ao desrespeito pelos limites da preservação, com ênfase na jovialidade e na beleza dos seus corpos femininos. Ali, mais do que as máscaras nos rostos, fala o apelo de vida da pele: a ganância capitalista lida com a natureza como o patriarcado age com os corpos femininos. Colocar a pele em evidência pode ser um gesto de insubordinação, tanto uma afirmação da condição de mulher como lugar de fala da dramaturgia, quanto da dispensa da neutralidade corporal na linguagem da máscara. O trabalho apresentado pela dupla tem ainda outras dimensões, experimentam outros tipos de mascaramentos, e jogam com a cultura da cidade com humor e com carinho em diferentes citações.

Bianca Paraty e Wanessa Malvar em Andeja. Foto: Ratão Diniz.
Wanessa Malvar e Bianca Paraty, Companhia Biwã, em Andeja. Foto: Ratão Diniz.

A pele também está em evidência na poética de Salto no vazio – Si-pó, de Odacy Oliveira. Com o corpo coberto de uma argila de coloração acinzentada, Odacy caminha pelo espaço urbano, se movimenta e se reposiciona em uma conversa corporal com elementos de verticalidade. Árvores e postes se oferecem como suporte para escaladas e jogos de equilíbrio audaciosos e impressionantes. A cor do seu corpo coberto de pó e lama funciona como um elemento decisivo no seu arranjo visual, que reenquadrou a convivência entre natureza e espaço urbano na paisagem de Paraty, para além da beleza, da virtuose e do estranhamento das imagens que produz.

Odacy Oliveira em Si-pó. Foto: Ratão Diniz.
Odacy Oliveira em Salto no vazio – Si-pó. Foto: Ratão Diniz.

É importante apontar o estranhamento na recepção desse trabalho, afinal, para o cotidiano da cidade, a presença do corpo e da atitude de Odacy, sua irreverência na relação com algo tão banal quanto um poste, por exemplo, promove um rasgo na normalidade. Não é todo mundo que vai ver beleza ali, pelo menos não em um primeiro momento. Esse rasgo também é uma perturbação – a meu ver, no melhor dos sentidos, pois a ideia mesma de experiência pressupõe alguma interrupção de fluxo, alguma desordenação. Assim, a reação às vezes preconceituosa, até mesmo agressiva, foi também sinal de que houve movimento, fratura, de que os passantes pegos de surpresa na condição de espectadores se sentiram de algum modo interpelados, tiveram sua rotina reposicionada por um gesto artístico que mobilizou olhares e abriu fendas para a imaginação, que certamente ficaram impressas na memória do lugar. Na sua oficina, o artista levou participantes a compartilhar esse percurso chacoalhante pela cidade, dessa vez coletivamente, provocando a interrupção do fluxo e instaurando um estado de suspensão nas ruas da cidade.

Registro da oficina de Odacy Oliveira. Foto: Ratão Diniz.
Oficina de Odacy Oliveira. Foto: Ratão Diniz.

A última apresentação de espetáculo dessa primeira edição do Mutuá veio assentar o percurso dramatúrgico da curadoria com uma finalização que também se apresentou como abertura, como sinalização de continuidade e resistência. “Haverá tempo”, ecoam as palavras que ouvimos do Mestre Griô Negrizu Santos em Silêncio 20/21. Com texto de Elisio Pitta (escrito antes da pandemia), o trabalho nos reconecta com o tempo presente de um momento histórico de imensa força de superação e de cura para o mundo todo, em camadas especialmente densas para o Brasil.

Silêncio 20/21 é comumente apresentado em espaços fechados, com projeção de imagens ao fundo. Nesta ocasião, o artista teve a noite da cidade como cenário, com a iluminação cênica adaptada para o Largo de Santa Rita, traçando um espaço pautado pela presença ilustre de uma bela aroeira, árvore que dá a folha que o artista usa na peça. As imagens foram projetadas não ao fundo da cena, mas de frente para ela, na fachada do edifício do Sesc. Essa configuração acabou traçando uma relação de reciprocidade e espelhamento naquele espaço que, na experiência do festival, ia ganhando camadas e camadas de memórias e vínculos afetivos. A atitude de Negrizu em cena, com sua leveza obstinada, convida à escuta – não apenas daquelas palavras especificamente, mas das fabulações que reconfiguram sentidos, que refundam presenças, que dão espessura de carne aos percursos que fazemos no espaço do tempo. O tempo aqui é reverenciado, respeitado e convocado. A experiência, ideia chave desse meu relato mutuante, também precisa de tempo. Tempo de permanência, de deslocamento, de escuta e de silêncio.

Negrizu Santos em Silêncio 20/21. Foto: Ratão Diniz.
Negrizu Santos em Silêncio 20/21. Foto: Ratão Diniz.

Uma palavra se repetiu propositadamente neste texto: percurso. Uma ação se repetiu insistentemente na programação do Mutuá: o cortejo. Foram três, para marcar que a repetição e a persistência são valores fundamentais na construção de uma cultura.Os dois primeiros, Nossas vozes nossos cantos, com músicas originais do Ilú Obá de Min e homenagens a mulheres negras que foram e são grandes lideranças. No cortejo final, os participantes festejavam com as máscaras que fizeram na oficina de Mestre Jubileu e Davi Cananéa ao longo do festival. Nesta terceria passagem pelas ruas da cidade, a percussão do bloco de São Paulo deu lugar ao som do Maracatu Tira Mofo. A dramaturgia espaço-temporal do cortejo está na objetividade de cumprir um determinado percurso, desfrutando dos encontros no caminho. A experiência do Mutuá inteiro pode ser percebida como um cortejo, um percurso para os participantes fazerem juntos, mas cujos desdobramentos se multiplicam ao infinito, a partir do processo vivido por cada um.

Maracatu Tira Mofo no cortejo final. Foto: Ratão Diniz.
Maracatu Tira Mofo no cortejo final. Foto: Ratão Diniz.

 

Mascarados no cortejo final. Foto: Ratão Diniz.
Mascarados no cortejo final. Foto: Ratão Diniz.

Uma coisa é certa para todas as pessoas que tiveram a sorte de estar presentes nessa primeira edição: o desejo de que venham muitas outras. A exposição realizada na FLIP alguns meses depois com as fotografias de Ratão Diniz, ações das orientadoras e participantes do APA e do Decanto de Dança, artistas convidados e máscaras em evidência, já sinalizam o comprometimento do Mutuá com o compartilhamento das suas ações. Paraty e o Brasil anseiam por um novo encontro em 2023.

Quase todo mundo. Foto: Ratão Diniz.
Quase todo mundo. Foto: Ratão Diniz.

 


Daniele Avila Small (Rio de Janeiro, 1976) é artista de teatro, crítica e curadora. É Doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO e realiza seus projetos artísticos com o coletivo Complexo Duplo. Idealizadora e editora da Questão de Crítica desde 2008, é presidenta da seção brasileira da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IATC).

Vol. XIV nº 73, junho a dezembro de 2022

Foto em destaque: Ratão Diniz.

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