Intimidade em foco
Crítica de Prazer, montagem da Cia. Luna Lunera em cartaz no CCBB-RJ
Prazer desponta como um espetáculo de grupo, menos por evidenciar a conexão dos atores em cena ou uma pesquisa artística amadurecida (ainda que tais características estejam presentes, em medida considerável) e mais por uma das questões centrais realçadas na encenação: a dificuldade de abordar esferas íntimas, mesmo entre amigos de longa data. Quando os assuntos privados vêm à tona, o desconforto rapidamente se instala. No informal reencontro marcado pela vibração passional, a tentativa inicial é a de tangenciar temas desestabilizadores.
Num certo sentido, Prazer procura destacar instantes de exceção, a julgar pelos esforços dos personagens em dar vazão a inventários compostos por lembranças preciosas, que passaram a constituir seus patrimônios afetivos. O investimento nesse universo é coerente em se tratando de uma companhia como a Luna Lunera, que conta com 12 anos de trajetória e vem realizando seus trabalhos a partir da soma de proposições criativas dos atores (em Prazer, Claudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva e Odilon Esteves, com colaboração de Zé Walter Albinati), não necessariamente vinculados a um diretor.
O grupo também se debruça sobre a preservação das relações numa fase em que os vínculos se tornam cada vez mais virtuais, a possibilidade de sobrevivência de uma rotina estável no âmbito da imaginação em momentos adversos e o perigo de perder a sensibilidade diante das mazelas do mundo. A dramaturgia do espetáculo (uma apropriação de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector, com orientação de Jô Bilac, reforçando a tendência da Luna Lunera de adotar a obra literária como matéria-prima, casos de Aqueles dois, de Caio Fernando Abreu, e Cortiços, de Aluísio Azevedo) evolui de certa abstração – ao lançar constatações (“o abismo me atrai”) e perguntas (“se eu fosse de verdade, o que faria, quem seria?”) – rumo a uma circunstância concreta – o reencontro entre amigos. Esse movimento é sustentado pela dramaturgia, que, porém, não se mostra sólida o suficiente para amparar a dramaticidade mais contundente de determinadas passagens ou esboços de trama (um passado nebuloso, um golpe financeiro) felizmente não desenvolvidos.
Alguns tópicos temáticos surgem expressados na concepção estética do espetáculo. A cenografia de Ed Andrade, que confina os personagens num apartamento/bunker repleto de objetos acoplados nas paredes, promove a contracena e a interação dos atores com elementos concretos (cachorro, chuveiro), “materializados” por meio de projeções. São inscrições (virtuais) complementadas pela utilização das paredes do cenário como telas onde os atores escrevem sentenças com giz. Os figurinos de Marney Heitmann seguem tons neutros e quebram a previsibilidade através das combinações propostas. A iluminação de Felipe Cosse e Juliano Coelho fecha o foco em torno dos atores, que, muitas vezes, manipulam a luz, potencializando a dimensão solitária de embates pessoais, intransferíveis. Responsáveis pela criação, os atores comprovam elo com as plataformas do trabalho. Claudio Dias imprime carga dramática às suas intervenções. Isabela Paes sublinha de modo piegas uma intensidade emocional. Marcelo Souza e Silva permanece em plano discreto. Odilon Esteves demonstra habilidade em reagir dentro das situações por meio de um registro em que a coloquialidade e o humor o afastam de qualquer vestígio de declamação.
Site da Cia Luna Lunera: http://www.cialunalunera.com.br/
Daniel Schenker é doutorando da UNIRIO.