Um manifesto para o palco futuro: performance é um direito humano

6 de junho de 2022 Traduções

NOTA: O Manifesto futureStage (palcoFuturo) foi escrito de maneira coletiva ao longo do último ano pelo futureStage Research Group at metaLAB at Harvard (Grupo de Pesquisa palcoFuturo do MetaLAB de Harvard). Com expectativas novas para as mídias, a cultura e a presença em um mundo hiperconectado, os marcos civis das artes performativas estão se transformando. Assim, a partir de uma série de encontros, o futureStage – um projeto de pesquisa global dedicado a investigar desafios atuais e perspectivas futuras para o desenvolvimento de casas de espetáculos para a ópera, o teatro e demais artes performativas – reuniu um time internacional e interdisciplinar de pesquisadores e especialistas para identificar e mapear tais mudanças, endereçando-se tanto aos problemas quanto às oportunidades que aparecem com novas configurações de palcos, cidades e públicos. Ao comparar e analisar as melhores práticas e as ideias seminais entre diversas áreas, o grupo pretende produzir anualmente um manifesto/relatório como referência e inspiração para governos, instituições culturais e organizações artísticas no mundo. 

Este é o primeiro relatório.

O texto original em inglês: http://future-stage.org


Performance não é mercadoria. Não é um luxo. Não é algo que se soma indiscriminadamente ao fluxo da vida. Não pertence ao éter, ao estado ou a financiadores privados. Não pertence aos espaços em que se performa.

Seja na forma de uma improvisação de rua ou de uma encenação formal de uma obra consagrada de séculos passados, ela pertence ao momento.

A performance é intersticial e conjuntiva: está sempre irrompendo, performada de novo no ato de performar. É uma encenação que envolve sons, imagens, cheiros, corpos, espaços, tempo e tato. Longe de estar à parte, ela é virtuosamente entrelaçada com todas as outras artes, das espaciais às visuais. A performance é um edifício fluido construído de interações: entre artista, equipe de produção e público; entre natureza e cultura; entre o humano e a máquina; entre arquitetura e seres vivos.

A performance é uma necessidade humana: por liberdade de expressão, por modos de dar forma à fantasia e ao faz-de-conta, por um senso mais aprofundado de pertencimento individual e coletivo, pelas experiências compartilhadas das quais as comunidades e as semelhanças são feitas. Na hierarquia das necessidades humanas, ela fornece ferramentas para a auto-atualização, auto-estima, senso de intimidade e de interconexão social em comunidades e entre comunidades.

Performance é um direito humano. Não no sentido iluminista mais conhecido, que tantas vezes transformou realidades homogeneizantes em ideias universalistas, às custas de culturas originárias e povos colonizados marginalizados. Trata-se de um direito. Um direito que traz consigo perguntas universais e críticas, como por exemplo: como o direito à performance poderia estimular, refinar, criticar ou remediar as conversas sobre direitos humanos do pós-guerra? Como poderia dar conta de todo o espectro das artes, da dança à ópera, da música ao teatro, do vídeo ao streaming, ou dos modelos de cultura de baixo para cima e de cima para baixo? Como poderia promover interseção não apenas entre públicos e práticas locais que compõem o mundo da performance, mas servindo como ponte entre povos, culturas, classes sociais e gerações? Como poderia traduzir-se em um sistema mais equânime de direitos autorias para artistas e criadores?

Por se tratar de um direito humano, o direito de performar e de ter a experiência da performance deve se tornar parte do planejamento político e da vida econômica que estão integrados ao tecido social dos espaços e dos discursos públicos, especialmente agora, quando o mundo se debate com o trauma das perdas da pandemia, com a necessidade de reconstruir uma nova noção de comunidade local e global e com uma responsabilidade compartilhada para com o destino do planeta. Da mesma forma, quanto à política educacional: a educação de uma criança não pode ser considerada completa se ela não tiver experimentado as artes performativas que são constitutivas da sua cultura.

Arquitetura conectiva

Por se tratar de aspecto fundamental da sociedade, o “palco” (no sentido convencional) é apenas o afloramento formal mais visível da multiplicidade de palcos que caracterizam a vida de uma comunidade em um tempo e espaço determinados. É por isso que o palco futuro não pode estar dissociado de, nem exclusivamente alinhado com, modelos de performance forjados em um passado recente ou em tempos históricos remotos. É por isso que o palco futuro precisa estar intimamente entrelaçado com outros palcos nos quais a vida contemporânea é performada, das ruas e calçadas ao TikTok e ao Zoom, do local de trabalho a festivais e feiras de cultura.

Os espaços criados para modos presenciais de performance, portanto, não podem ser tomados como meros palcos do passado. Devem servir de tecido conectivo entre os intramuros e os extramuros, entre o passado, o presente e o futuro, entre o in loco e o online. Sua estrutura física reflete necessariamente sua identidade conectiva, mesmo quando um determinado modo de performance escolhe abster-se do digital.

Como deve ser esse teatro ou essa performance? Que forma deve assumir? Uma multiplicidade de formas, de acordo com o contexto, o espaço e o gênero de cada obra.

Não existe uma única resposta. Mas apenas replicar formas tradicionais ou simplesmente construir caixas pretas, deixando para o futuro a tarefa de preencher esses espaços, não é suficiente. Novas arquiteturas teatrais precisam fazer apostas, e tais apostas serão interconectadas, transmidiáticas e transculturais.

Em um cenário A, o palco futuro é um laboratório de transmissão inspirado nos teatros laboratório do século passado, nas reuniões comunitárias e rituais. No cenário B, é um studio de produção no qual o público está na frente e atrás, lado a lado, dentro e fora de cena, in loco e online. No cenário C, um playground interativo e participativo em que o real tem camadas de ilusões virtuais e sonhos. No cenário D, um “espaço” expandido que está apenas na nuvem, onde a inteligência artificial é a narradora e onde apenas a realidade virtual persiste. No cenário E, a animação de cenários internos ou ao ar livre, concebidos sem nenhuma referência a palcos anteriores. No cenário F, um palco da mente, que não precisa de nenhuma encarnação.

Presencialidade extra (liveness plus)

Dentre os palcos que moldam a vida contemporânea de maneira mais poderosa, estão aqueles associados à onipresença das redes e dos dispositivos de conexão, além dos seus diversos modos de redesenhar os contornos da experiência e da interação humanas. Tanto para quem performa quanto para o público, a aura resultante da transmissão de dados e algoritmos que agora envolvem, enformam e emanam de cada ato humano, demanda uma noção expandida de performance ao vivo: o que estamos chamando de presencialidade extra (liveness plus).

A “presencialidade” (liveness) pode e deve continuar sendo uma propriedade essencial de todas as formas de performance, tanto no passado quanto no presente. Mas “presencialidade” no palco futuro significa um enfrentamento com o quando, o quê, e onde da performance sob condições que embaçam as fronteiras entre a presença e a telepresença, entre o corporalizado (embodied) e o mediado, entre as ações humanas e os fluxos de dados, entre a consciência e o metaverso.

Esse modo ampliado de performance não pode mais ser pensado como algo secundário. Na verdade, ele pressupõe a abertura de outros horizontes de experiência para públicos e artistas: experiências a partir de ângulos inimagináveis até agora, e em escalas de percepção e de tempo até então inconcebíveis; eventos imaginados para agregar valor a todo e qualquer um dos canais que estruturam a experiência.

O teste de circulação

As turnês de circulação de espetáculos continuam sendo uma das vigas de sustentação da economia da performance na modernidade. Mais que um direito humano propriamente dito, a circulação é uma necessidade para os artistas que, devido ao papel cada vez mais amplo de selos, editoras, galerias, serviços de streaming e outros intermediários, não conseguem sobreviver apenas da venda de ingressos e discos. Isso precisa mudar.

As duras realidades das mudanças climáticas demandam novos modelos de desenvolvimento, compartilhamento, sustentabilidade e distribuição… uma reinvenção da circulação de espetáculos, uma re-imaginação da forma como asseguramos a livre circulação de ideias e culturas entre países. Tais mudanças sugerem que a circulação, tal como se dá hoje, deve ser cada vez mais a exceção, não a regra, demandando redefinições inovadoras para as turnês: performances ágeis, econômicas, telemáticas, polivalentes em termos espaciais; colaborações internacionais que aumentem o poder das plataformas digitais; espetáculos concebidos e realizados de tal forma que possam circular com deslocamento humano reduzido; residências artísticas em localidades específicas, e não em cidades dispendiosas em continentes distantes. Estes são apenas alguns lampejos do mundo futuro da circulação, que chamam atenção para um imperativo cada vez mais urgente: em todas as suas resoluções, aqueles que fazem as políticas culturais e tomam decisões a esse respeito hoje em dia devem levar o rastro de carbono em consideração.

Apropriar-se da transmissão

Em seguida, vem a questão da transmissão ao vivo (streaming), o modo de difusão mais utilizado por instituições culturais e artistas durante a pandemia. Mas vamos reunir na noção de “transmissão” todos aqueles modos de disseminação que viabilizam que aquilo que é local e de espaço específico viaje no espaço e no tempo; e vamos entender a palavra propriedade no sentido daquilo que “abraça”, que “reconhece” e “assume a responsabilidade por”.

Como alternativa à presencialidade e à experiência local, a transmissão ao vivo tem um potencial único para democratizar e des-localizar formas culturais cujo acesso seria dispendioso ou inacessível. Com certeza, ela vai desempenhar um papel fundamental no futuro. Mas não como mero complemento ou substituto limitado da presencialidade. E não sem mudanças fundamentais nos modelos existentes de propriedade e de geração de renda. (Até mesmo artistas muito bem-sucedidos descobriram, no curso da pandemia, que a arte hoje em dia não pode viver apenas do streaming). Além disso, é preciso abordar as profundas assimetrias que existem entre países, regiões e gerações no que concerne o acesso à banda larga – assimetrias que comprometem o futuro das artes performativas.

Apenas fazer uma transmissão de um espetáculo que foi pensado para um determinado espaço e em determinada escala sem nenhuma adaptação ou alteração não é inovação suficiente para a profundidade da revolução das mídias digitais. Na melhor das hipóteses, é como colocar vinhos velhos em garrafas novas. Na pior das hipóteses, é adulterar a qualidade do vinho. A transmissão cumpre a sua promessa ao refletir criativa ou criticamente sobre a sua especificidade, suas possibilidades e seus recursos como um novo meio cultural. Isso significa explorar um novo universo de experiência online que é fundamentalmente diferente do presencial, mesmo quando há uma interseção entre ambos. E essa interseção pode existir. Esse ponto precisa ser explorado de maneira diferente, como uma proposição que agrega valor, que enriquece e anima tanto a experiência online quanto a que se dá in loco.

Para que o streaming se torne uma expressão chave de presencialidade extra (liveness plus), a transmissão deve se tornar um aspecto completamente integrado a cada apresentação, tão material e integrada quanto o espaço da apresentação, o grupo, os artistas, a atmosfera. Assim, é preciso que se torne parte da infra-estrutura física e conceitual de cada palco futuro.

“Apropriar-se da transmissão” significa várias coisas: do ponto de vista do público, engajar-se com a transmissão como um aspecto integral de cada espetáculo; do ponto de vista da economia, fazer com que a transmissão sustente criação de conteúdo, criadores e artistas em novos modelos de negócios; do ponto de vista da arquitetura, fazer com que as condições de transmissão estejam na programação básica de cada palco futuro, de modo a garantir a sua permanência da maneira mais dinâmica possível.

Apropriar-se da transmissão é uma empreitada com muitas camadas. Implica inclusão, co-criação, democratização, mas, acima de tudo, uma reconceitualização e uma redistribuição do capital real e do capital simbólico.

Novas profissões: habilidades e estruturas

Assim como o placo futuro demanda novas arquiteturas físicas, infraestruturas e modalidades de performance, ele também demanda abordagens novas, mais versáteis e flexíveis para estruturas organizacionais e de negócios, bem como para o agenciamento e o recrutamento de equipes das artes performativas.

No lugar das escolas tradicionais, são necessárias abordagens de treinamento multi-disciplinares, profundamente interdisciplinares, que explorem novos tipos de relação entre a criação, a produção e o consumo, e, para os novos mundos da presencialidade tecnicamente avançada, precisam aproximar muito mais o treinamento técnico e o treinamento performativo.

Em vez de formar diretores tradicionais, é necessário preparar uma nova geração que desenvolva seu trabalho com a presencialidade extra (liveness plus) como um elemento orgânico, completamente integrado ao processo criativo.

Em vez de preparar atores tradicionais, é necessário formar artistas para quem a fronteira histórica que separa arte e público tenha se tornado uma membrana permeável, e para quem a expansão e o enriquecimento técnicos e virtuais do seu trabalho tenha se tornado fatos cotidianos.

Em vez de formar especialistas de teatro no sentido convencional, preparar profissionais com uma visão integrada dos espaços de apresentação a partir da perspectiva da presencialidade extra (liveness plus), que impulsionem novas formas de relação entre criadores, plateias e consumidores interativos.

No lugar do marketing tradicional, precisamos de modos mais sofisticados de diálogos participativos com públicos e consumidores, que sejam mais personalizados e que reconheçam o quanto já nos afastamos da dinâmica tradicional das fronteiras impermeáveis entre artista e público.

No lugar dos tradicionais administradores financeiros formados em contabilidade, criadores de modelos de negócios e fontes de receita mais sofisticados e inventivos.

Precisamos assumir a necessidade de que todos os envolvidos devem trabalhar de maneira interdisciplinar, para que as novas estruturas empresariais e organizacionais não perpetuem as tradicionais divisões do trabalho. E também precisamos assumir a necessidade de pôr de lado as hierarquias profissionais tradicionais (frequentemente enraizadas nas desigualdades históricas e na centralização excludente da distribuição de poder e de recursos) e, em vez disso, reconhecer as primazias que surgem das novas formas de trabalho para podermos identificar melhor, promover e realizar inovações fundamentais no fluxo de trabalho.

As considerações acima estão começando a enformar um universo ampliado de profissões para o palco futuro. Aqui elaboramos uma lista, de caráter especulativo, dos papeis transmidiáticos que podem surgir como resultado desse processo:

1. Apresentador do foyer (Waiting Room Hypester [=WRH]): O equivalente daquele que, na era do Zoom, fazia o papel do anfitrião na sala de espera digital, dando as boas-vindas à plateia e colaborando para a concentração antes do início da apresentação. Não importa se essa pessoa opera como ator, músico, comediante ou mágico, é importante que seja um agente de ativação e concentração do público.

2. Corretor de espaços virtuais (Virtual Space Realtor [=VSR]):Um especialista independente dedicado a “casas” tecnológicas, que ajuda as produções a navegarem em todas as plataformas digitais disponíveis para encontrar a combinação de softwares/hardwares/programas mais adequada a cada produção. Com laços firmes com o mundo da tecnologia do entretenimento, também ajuda com as negociações mutuamente benéficas para apoiar e sustentar o fluxo de programação.

3. Gerenciador de defasagem (Lag Master General [=LMG]): Em um futuro previsível, a latência visual e auditiva, assim como as falhas de transmissão constituem uma parte inevitável da performance digital e transmidiática. Em parte produtor, em parte técnico, o trabalho desse profissional é fazer com que tais “irregularidades” pareçam características concebidas de cada performance a partir das suas intervenções e improvisações em tempo real.

4. Maestro de legendagem ao vivo (Live Captioning Maestro [=LCM]): As performances conectadas em rede oferecem a possibilidade de uma maior acessibilidade e de novos modos de expressão por meio da legendagem. A legendagem ao vivo pode ter muitos sabores. Ela pode servir como um apoio, fornecendo o equilíbrio necessário com suportes textuais para uma performance que, sem legenda, ficaria demasiado distante do público, seja por causa do idioma, do contexto histórico ou da sua complexidade. A legendagem pode se tornar um modo de performance em si mesma, com legendas que podem funcionar como feedback ou anotações em tempo real, com o objetivo de gerar efeitos estranhos, cômicos ou dramáticos.

5. Tele-cenógrafo (Screenographer [=S+]): Um cenógrafo para as telas. Formado para pensar criativa e criticamente a cenografia no digital, nos espaços de realidade aumentada e realidade virtual, esse profissional adapta as habilidades e ferramentas de um cenógrafo convencional para os ambientes virtuais e explora novos modos de hibridização entre espaço e tela.

6. Consultor de acessibilidade (Accessibility ombudsman [=AO]): A pessoa responsável por assegurar acesso, em todos os sentidos da palavra: desde o acesso físico a facilitações, tanto para públicos quanto para equipe, até o acesso online de plateias remotas. As reponsabilidades em questão incluem não apenas preparação e planejamento, mas também a resolução de problemas no aqui e agora.

7. Doula de performance (Performance Doula [=PD]): Um produtor in loco, responsável por fazer outros trabalhos nascerem na fronteira entre o analógico e o digital. Essa função criativa (e não apenas técnica) procura interpretar determinada performance de modo que possa reconciliar a especificidade de lugar e de espaço com a necessidade de filmagem, transmissão e recepção remota.

8. Meta-compactador (Metabundler [=MB]): Envolvido desde o início na concepção da performance, o meta-compactador é responsável pela criação do kit de ferramentas, documentação e suportes técnicos necessários para tornar a performance navegável e adequada para lugares diversos, reduzindo ou eliminando a necessidade de fazer uma equipe viajar.

Novos modelos de financiamento

Os modos de financiamento das artes performativas estão falidos – falidos de diversos modos. Suas inovações são sempre a posteriori. Seu modo de distribuição de recursos é assimétrico, calcado em tempos passados, sem preocupação com mudanças demográficas e sociais. Em vez de pensar à frente, ele pensa atrás. E assim subestima o papel das instituições culturais como motores de criação de valor para além do desenvolvimento econômico local e regional.

O que precisaria ser reinventado? Praticamente tudo.

  • Financiamentos públicos continuam sendo essenciais como sempre porque o palco futuro demanda inovação (os custos de construção dos novos edifícios do estado-da-arte ou de revitalização dos palcos antigos jamais serão captados apenas com bilheteria).
  • As pré-condições para o financiamento público não devem ser as que já existem, mas as que trazem inovação e formação de públicos. Muitas das mais importantes instituições das artes performativas se tornaram autorreferenciadas e voltadas para o passado, mas há uma necessidade urgente de criação de mecanismos participativos e comunitários para melhor distribuição de recursos em nível local e nacional, assim como para um pensamento imaginativo em termos de parcerias locais e internacionais.
  • O financiamento privado é mais bem-vindo do que nunca – não para substituir o financiamento público, mas para complementar essa fonte (e especialmente para servir como agente de ruptura e revitalização).
  • Os regimes fiscais que governam o setor das artes performativas estão desatualizados, atrelados à criação de valores locais (para a nossa cidade, para a nossa região, etc.). Raramente, se é que o fazem, aproveitam todo o alcance dos fluxos potenciais de receita, administrando mal seus recursos, quase sempre pagando mal aos artistas (tantas vezes tratados como meros “fatores de custo”).
  • A maioria dos sistemas de imposto sobre valor agregado classifica as artes cênicas como um bem de luxo; isso está completamente errado: a performance é um bem essencial.
  • Os modelos de patrocínio estão esclerosados, impraticáveis para as necessidades atuais. A época em que se trocava dinheiro por exposição de logomarcas já passou. Novos modelos de parceria são necessários para criar valores genuínos tanto para os patrocinadores quanto para os patrocinados.
  • A inovação no financiamento e no gerenciamento de direitos autorais intelectuais é uma necessidade urgente; é tempo de experimentar modelos alternativos, do financiamento coletivo às organizações autônomas descentralizadas e/ou NFTs.

O que vai acontecer se os novos modelos de financiamento não se dedicarem a construir, apoiar e sustentar o palco futuro? Os espaços físicos vão definhar. Os públicos futuros vão abandoná-los aos poucos. Eles só vão entrar em contato com as artes performativas pelas telas. Mas a tela e a transmissão são os melhores amigos do palco futuro: os verdadeiros meios pelos quais a presencialidade pode ser reinventada e renovada no seu papel fundamental… como presencialidade extra.

Considerações

  • O palco futuro demanda novas infraestruturas humanas, arquiteturais e organizacionais: novas instalações físicas, novos modelos de financiamento, novas funções profissionais.
  • A presencialidade extra é a norma do palco futuro. Vamos dobrar a aposta e construir um ecossistema que promova a inclusão, o acesso ampliado e a redução de custos, com modos participativos de performance e de interação com o público.
  • Públicos futuros para o palco futuro precisam ser cultivados, precisam ser convocados; e só um olhar renovado para a programação vai fazer com que isso aconteça.
  • O streaming é um meio criativo (não um suporte) no palco futuro. Vamos explorar essa especificidade.
  • O palco futuro demanda plataformas digitais melhores, mais justas, e mais criativas como suporte para criação de conteúdos e participação do público – plataformas que promovam modelos de propriedades para conteúdos culturais em termos de equidade e distribuição mais equilibrados e bem distribuídos.
  • Como os palcos do passado, o palco futuro requer financiamento público e privado, mas com foco afiado na construção de novos públicos.

E o mais importante de tudo…

  • O palco futuro é agora. Não deveria haver retorno pós-pandêmico para o velho “normal”, que já estava falido; o tempo para ter coragem, visão e atitude é agora.

 

O projeto futureStage é coordenado por Jeffrey Schnapp e Paolo Petrocelli.

Integrantes do grupo de pesquisa:

Matthew Battles (EUA) Diretor de Inciativas Acadêmicas, metaLAB (at) Harvard

Cathie Boyd (Irlanda/Escócia) Fundadora e Diretora Artística, Cryptic

Marc Brickman (EUA) Diretor Admnistrativo, Tactical Manoeuvre

Paolo Ciuccarelli (Itália/EUA) Diretor Fundador, Center for Design, Northeastern University, Boston

Wesley Cornwell (EUA) Harvard Graduate School of Design

Lins Derry (EUA) Diretor, metaLAB (at) Harvard

Evenlyn Ficarra (Reino Unido) Diretora Associada, Centre for Research in Opera and Music Theatre, University of Sussex

Mariana Ibañez (Argentina/EUA) Presidenta e Professora Associada, Architecture and Urban Design, UCLA; Co-founder, Ibañez Kim

Simone Kim (EUA) Diretora, Immersive Kinematics Research Group; Co-founder, Ibañez Kim

Mohammed Obaidullah (Arábia Saudita) Produtor

Jay Pather (África do Sul) Diretor, Institute for Creative Arts, University of Cape Town

Paolo Petrocelli (Itália) Pesquisador Associado, metaLAB at Harvard

Cui Qiao (China) Presidente, Beijing Contemporary Art Foundation

Magda Romanska (EUA) Professor Associada de Estudos Teatrais e Dramaturgia, Emerson College; Pesquisadora Associada, metaLAB at Harvard; Presidenta, Transmedia Arts Seminar at Mahindra Humanities Center e metaLAB; Diretora Executiva e Editora-Chefe, TheTheatreTimes.com

Adama Sanneh (Itália) Cofundadora e CEO, Moleskine Foundation

Anthony Sargent (Reino Unido) Consultor Cultural Internacional

Jeffrey Schnapp (EUA) Diretor do Corpo Docente, metaLAB (at) Harvard

Shain Shapiro (Reino Unido) Fundador e CEO, Sound Diplomacy

Sydney Skybetter (EUA) Fundador, Conference for Research on Choreographic Interfaces

Jean-Philippe Thiellay (França) Presidente, Centre national de la musique

Shahrokh Yadegari (EUA) Diretor, Sonic Arts Research and Development group at the University of California San Diego; Diretor, Initiative for Digital Exploration of Arts and Sciences at the Qualcomm Institute


Traduzido para o português por Daniele Avila Small

Daniele Avila Small (Rio de Janeiro, 1976) é artista de teatro, crítica e curadora. É Doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO e realiza seus projetos artísticos com o coletivo Complexo Duplo. Idealizadora e editora da Questão de Crítica desde 2008, é presidenta da seção brasileira da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IATC).

Vol. XIV nº 73, junho a dezembro de 2022

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