Ecos de um mundo distante

Crítica da peça O que seria de nós sem as coisas que não existem, do Lume Teatro

24 de junho de 2011 Críticas
Foto: Divulgação / Assessoria Festival de Londrina

O Lume Teatro entrecruza temas importantes em O que seria de nós sem as coisas que não existem, espetáculo do repertório do grupo apresentado na última edição do Festival Internacional de Londrina (Filo). Os principais são a defesa do artesanal e a busca da perfeição na criação (remetendo ao desejo utópico de alcançar a perfeição na obra de arte).

O artesanal atravessa a encenação. A partir de pesquisa da companhia numa tradicional e antiga fábrica de chapéus de Campinas, a Cury, os integrantes do Lume criaram uma dramaturgia centrada no processo de feitura de um chapéu a partir do convívio entre três funcionários e um aprendiz. O texto evoca o passado (“todo mundo andava de chapéu na cabeça”) e pode ser interpretado como postura de resistência numa época como a atual, marcada pelo deslumbramento com os aparatos tecnológicos. A dramaturgia transcende o contexto da fábrica ao trazer ecos de um Brasil interiorano.

Cabe lembrar que o artesanal também faz parte das pesquisas atoriais do Lume, tanto no que se refere à conexão com a vertente oriental (o teatro nô e o butoh) quanto à investigação do universo clownesco (mais próximo do trabalho dos atores em O que seria de nós sem as coisas que não existem). Sobressaem, nesse espetáculo dirigido pelo argentino Norberto Presta, a maleabilidade corporal, os movimentos desenhados (em especial, dos braços) e o gosto pela composição.

O Lume continua investindo aqui no registro do humor, com resultados particularmente expressivos na cena de abertura, a da transmissão de ensinamentos do chapeleiro Chico ao aprendiz, e na crescente perda de controle da sequência do enterro, quando os atores (Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini) transitam com habilidade por diferentes climas emocionais, enquanto cantam.

Os componentes do espetáculo se somam na construção de uma atmosfera de encantamento. A cenografia (não assinada), composta por varais repletos de chapéus suspensos, valoriza o artesanal através das plumas coloridas e sugere espaços para além da fábrica ao afastar os elementos de seus significados concretos de modo a evocar as cerimônias de casamento e funeral. A iluminação de Alberto Albergaria investe no amarelado para aquecer a cena, no branco para os momentos mais feéricos e em focos de luz emoldurando o espaço na cena do enterro, que, apesar da luminosidade reduzida, não se torna sombria. Expressivo o acompanhamento musical, a cargo de Fábio dos Santos e Mauro Braga.

Daniel Schenker é doutorando em Artes Cênicas pela UniRio e crítico de teatro do Jornal do Commercio e da revista Isto É/Gente.

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