Nelson Rodrigues: de crítico a criticado – Um melodrama do teatro brasileiro

Artigo sobre Nelson Rodrigues, o melodrama e a crítica

22 de janeiro de 2010 Estudos

Introdução

Machista, tarado, reacionário. Estes são apenas alguns dos adjetivos atribuídos a Nelson Rodrigues.  Porém, independentemente da opinião daqueles que ajudaram a construir esta visão tão pejorativa, ele foi considerado o primeiro a colocar no palco a vida cotidiana do subúrbio carioca, abrindo caminho para o uso coloquial da língua e inovando as temáticas dos textos teatrais. Nelson Rodrigues é conhecido como escritor, dramaturgo, cronista social e esportivo.

Luiz Arthur Nunes, diretor e pesquisador do melodrama na obra de Nelson afirma que a sua geração achava um sacrilégio trazer dados biográficos para a análise da obra. No entanto, quando se trata deste autor, esta regra há muito foi quebrada. Ao resgatar fatos familiares e profissionais de Nelson Rodrigues, muitos temas que são constantemente expostos nas suas obras fazem sentido. As tragédias, a morte e as traições, assim como a censura e a crítica vão estar presentes em sua vida desde cedo.

Memórias

Nascido em 23 de agosto de 1912 no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues tinha apenas 13 anos quando começou a trabalhar no jornal A Manhã, fundado pelo pai. Começaria sua carreira jornalística na seção de polícia onde tomou contato com muitas histórias que, no futuro, seriam usadas em suas crônicas. Mais tarde, ele perderia o controle acionário de seu jornal e receberia auxílio de Fernando de Melo Viana para fundar o diário Crítica. Em 26 de dezembro de 1929, quando o jornal publicou a separação do casal Sylvia Serafim e João Thibau Jr, a ex-esposa invadiu a redação de Crítica e atirou no seu irmão Roberto, que morreu poucos dias após. Pouco tempo depois, durante a Revolução de 30, o jornal deixou de existir. A família Rodrigues enfrenta, assim, dificuldades financeiras. Nelson passa a trabalhar para o jornal O Globo sem salário até 1932, quando é efetivado. Em seguida, descobre que tem tuberculose e sai do Rio de Janeiro para fazer tratamento em um sanatório na cidade de Campos de Jordão. Após sua recuperação, assume a seção cultural de O Globo, fazendo crítica de ópera.

É a partir da década de 1940 que Nelson começa a dividir seu tempo entre o trabalho no O Globo e as peças teatrais. Estas vão oscilar entre o sucesso, o fracasso e a censura. Não haverá meio termo nas avaliações da sua produção artística. Muitos críticos tinham forte posicionamento contra Nelson Rodrigues e o acusavam de profano, mórbido e de mau gosto. Chegavam a afirmar que ele não tinha condições de exercer a profissão de dramaturgo.

Em 1941, escreve sua primeira peça, A mulher sem pecado, com direção de Rodolfo Meyer, que estreou no ano seguinte sem sucesso. Vestido de noiva é apenas a segunda peça de Nelson Rodrigues. Escrita em 1943, foi entregue a jornalistas, críticos e amigos. Recebeu elogios de Manuel Bandeira e dos suplementos jornalísticos, mas não conseguia encená-la. É somente quando o texto chega às mãos de Zbigniew Ziembiński, um polonês recém chegado ao Brasil que o projeto se concretiza. O futuro diretor afirma: “Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso”.

“No dia 28 de dezembro de 1943, os portões foram abertos e 2.205 espectadores viram a peça. Duas horas depois a peça chegou ao fim. O silêncio foi total na platéia. Nos bastidores ninguém sabia o que fazer. Ziembinski, entre palavrões em polonês, manda subir o pano. Os artistas surgem e o aplauso é ensurdecedor. O diretor aparece e o teatro delira. Alguém grita na platéia: “O autor, o autor”. Nelson estava escondido em um camarote, lutando contra a dor de sua úlcera, e não foi visto por ninguém. Disse, depois, que sofreu naquele momento, sentindo-se ‘um marginal da própria glória’. Quando o autor, após as comemorações com a família na leiteria Palmira, pegou o bonde de volta para casa já eram quase duas da manhã de 29 de dezembro de 1943.” (LIONCOURT, 2006)

Décio de Almeida Prado ficará entusiasmado com a montagem de Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues por representar o movimento de renovação teatral paulista (PRADO, 1997).

Seu próximo texto, Álbum de família, escrito em 1945 vai provocar uma divisão de opiniões entre os intelectuais, os críticos e os jornalistas da época, uns a favor da liberação, outros contra. A peça só vai ser montada 22 anos depois.

“Uma meia dúzia aceitou Álbum de família. A maioria gritou. Uns acharam “incesto demais”, como se pudesse haver “incesto de menos”. De mais a mais, era uma tragédia “sem linguagem nobre”. Em suma: a quase unanimidade achou a peça de uma obsessiva, monótona obscenidade. Augusto Frederico Schmidt falou na minha ‘insistência na torpeza’. O dr. Alceu deu toda razão à polícia, que interditaria a peça; meu texto parecia-lhe da ‘pior subliteratura’.” (1)

Em abril de 1948 estreou Anjo negro.

“Dirão vocês que exagero. Mas creiam que, durante vinte anos, fui eu o único autor obsceno do teatro brasileiro. Na estréia da minha peça Anjo Negro, o Diário de Notícias me chamou de tarado no alto da página, em oito colunas. Nunca me esqueço de uma piedosa dama que, num sarau de grã-finos, disse, esbugalhada: – ‘Nelson Rodrigues é um necrófilo!’. Houve, em derredor, um suspense pânico. Alguém perguntou: – ‘A senhora tem certeza?’. Chamou o marido e fez-lhe a pergunta: – ‘O Nelson Rodrigues é o quê?’. Veio a resposta: – ‘Necrófilo!’” (SUGIMOTO, 1994).

Senhora dos afogados também é proibida em janeiro de 1948.

Senhora dos Afogados acabou sendo encenada no Rio, em 1954, pela a Companhia Dramática Nacional, patrocinada pelo Serviço Nacional de Teatro, a direção era de Bibi Ferreira. E mesmo no Rio de Janeiro, onde o autor era conhecido e reconhecido, não estreou sem barulho. Antes de a peça começar o ministro Tancredo Neves foi cumprimentar o autor nos camarins do Municipal. A plateia, ao final, dividiu-se, uma parte gritava ‘GÊNIO’ e a outra ‘TARADO’. O autor não agüentou e reagiu, gritando do palco: ‘BURROS! BURROS!’” (NOGUEIRA, JR, 2009).

Em 1950 passa a trabalhar no jornal A Última Hora onde começa a escrever as crônicas de A vida como ela é. Perdoa-me por me traíres é outra peça que enfrenta problemas com a censura e sofre cortes. Na estréia, Nelson, interpretando um dos personagens, não consegue falar. Irritado começa a chamar a plateia de “burros” e um político presente dá um tiro, provocando um tumulto que faria com que o espetáculo fosse proibido pela censura.

“‘Sobre Perdoa-me por me traíres, de 1957, os críticos fazem uma grande publicidade nas duas semanas antes da estréia, comentando montagem, cenários e ensaios, criando boa expectativa junto ao público. Dois dias depois da estreia, descia uma crítica pesada, que execrava a peça’, conta. O crítico Henrique Oscar passou a negar o próprio valor artístico da obra do autor, conquistado com Vestido de Noiva, escrevendo que o valor estético do teatro rodrigueano ficava submerso pela ‘avalanche de morbidez e grotescos gratuitos’.’” (MEDEIROS, s.p)

Boca de Ouro também terá problemas com a censura e sua estréia com Ziembinski no papel principal será um fracasso. Mas, em 1961, com Milton Morais no papel do Boca de Ouro a reação do público será o oposto. Toda nudez será castigada, depois de ser rejeitada por muitas atrizes, estréia no dia 21 de junho de 1965 com sucesso e fica seis meses em cartaz, saindo em excursão pelo Brasil. Nelson escreve Anti-Nelson Rodrigues no final de 1973. Em 1974, a peça entra em temporada no teatro do Serviço Nacional do Teatro.

Inquieto, questionador, irreverente, trabalhou em todos os grandes jornais do Rio. Tinha a impressionante capacidade de criar histórias incríveis sobre os fatos mais corriqueiros. Durante bom período de sua vida, o autor vai escrever usando pseudônimos. Seu primeiro folhetim Meu destino é pecar é assinado por Susana Flag com 38 episódios, sendo que cada um tomava uma página inteira do Jornal. Devido ao sucesso, acabaram sendo lançados em livro pelas Edições O Cruzeiro e provocaram o começo de outro folhetim: Escravas do amor.

O melodrama de Nelson

O melodrama surge na França na época da Revolução em 1789. O gênero, caracterizado por encenações musicadas e repletas de emoções, dominará a cena no final do século XVIII e no século XIX. Obedecendo as regras de que o conflito deve estar na oposição entre o bem e o mal, ordem, desordem e desenlace com a restauração da ordem, tratava-se de um produto de um momento histórico de transição entre o urbano e o industrial. Uma estética de grandes contrastes onde crimes e desgraças são alternados com momentos cômicos e finais felizes. Dos palcos, ocupará também os jornais, sob a forma de folhetim.

Ao longo da história, os elementos melodramáticos se fariam presentes e teriam imensa aprovação popular não só na dramaturgia e na literatura, mas também na ópera, no balé, na pintura e, mais recentemente, no cinema e na televisão. As elites intelectuais burguesas, principalmente após os movimentos realista e naturalista do século XIX, acusariam este gênero de superficialidade, previsibilidade, inverossimilhança, vulgaridade etc.

Nelson Rodrigues ignorou o preconceito e decidiu dirigir-se a uma platéia maior, utilizando-se dos recursos do melodrama. Suas peças são sempre pontuadas por revelações surpreendentes e súbitas reviravoltas. Pais e mães incestuosos, esposas frígidas, maridos infiéis, irmãos rivais, filhas oprimidas, filhos enciumados, tias beatas e tios vingativos, vizinhas fofoqueiras, amigos interesseiros, doutores canastrões, prostitutas e malandros de toda ordem e classe social ameaçam o equilíbrio familiar, sua ética e sua moral. Mergulhando, profundamente, na alma humana, o autor obtém resultados impactantes que mostram a sua genialidade enquanto artista. Apesar de suas características melodramáticas, exageradas e descontroladas, os personagens rodrigueanos têm por base o comportamento popular.

Sobre os folhetins que escreveu com os pseudônimos de Suzana Flag e de Myrna, usando todos os clichês do melodrama, Nelson diria:

“Não me arrependo. Por isso mesmo é que existe em toda a minha obra uma coisa que me deu plasticidade, me deu uma segurança técnica que eu não teria se não tivesse feito Meu destino é pecar, Núpcias de fogo, Escravas do amor, A vida de Suzana Flag. […] [o folhetim] pode ser bonito, pode ser poético, como a obra mais hierática, ouviu?” (ALMEIDA, Abílio Pereira de et al. Depoimentos V. 1981). (2)

O crítico Yan Michalski escreveria sobre Toda Nudez será castigada, no Jornal do Brasil em julho de 1965:

“O autor parece estar essencialmente movido por um desafio lançado a si mesmo: ‘Até onde saberei ir na minha tarefa de surpreender o burguês com novos detalhes escabrosos?’ Para corresponder a este desafio, ele não hesita em desprezar, por momentos, a coerência dos personagens, a lógica do desenvolvimento da ação, e outros elementos da mesma importância. É claro que não nos referimos propriamente aos palavrões, perfeitamente legítimos quando empregados como a expressão natural dos sentimentos de um personagem, mas sim aos detalhes propositada e requintadamente escabrosos não exigidos pela ação, e que em nada contribuem para o esclarecimento desta ação.” (MICHALSKI, 1995).

Ao ler tais afirmações, parece não haver nada de positivo na crítica de Michalski, mas seu texto fala também no talento de Nelson Rodrigues, dizendo que a “estrutura das cenas é dinâmica, nervosa, enxuta; o diálogo é de uma vitalidade, autenticidade e colorido excepcionais, mesmo em se tratando de um autor que é reconhecidamente o grande renovador da linguagem teatral brasileira”. (3)

Nelson Rodrigues escreveu 17 peças, centenas de contos e nove romances. Sua edição completa abrange quatro volumes, divididos segundo critérios do crítico Sábato Magaldi, que agrupou as obras de acordo com suas características: peças psicológicas, peças míticas e tragédias cariocas.

A vida como ela é por Luiz Arthur Nunes

Em 1991, o diretor e dramaturgo, Luiz Arthur Nunes, faz uma adaptação de A vida como ela é, mantendo o discurso autoral. Luiz Arthur não quis desprezar a narração “saborosa de Nelson Rodrigues, os comentários agudos, o estilo tão faiscante e a imagética tão poderosa”(4) do dramaturgo. Para Luiz Arthur Nunes o texto de Nelson Rodrigues fornecia praticamente as cenas prontas.

Luiz Arthur Nunes afirma que não tem visto releituras interessantes do Nelson. Vejo grandes encenações, sem o diálogo verdadeiro com o universo rodrigueano. Para ele, apenas Boca de ouro do Zé Celso e Vestido de noiva, do grupo TAPA trouxeram novidades do ponto de vista cênico que não brigam com o texto. “Nelson é o nosso grande clássico”, observa. Afirma, porém, que ainda existe preconceito contra o autor que segue visto como um tarado.

“Encerro, com um fato testemunhado por Stella Rodrigues, uma de suas irmãs mais queridas, numa de suas lembranças preciosas e ternas sobre o irmão:
– Aquela senhora de cabelos de neve, que o fez parar na rua, mandou o netinho beijar-lhe as mãos e disse: ‘Você um dia vai contar a seus filhos, com orgulho, que apertou a mão de Nelson Rodrigues’”. (LOPES, 2006, sem p.)

Notas:

(1) Jornal de Poesia em http://www.revista.agulha.nom.br/nrodrigues.html

(2) http://www.revista.agulha.nom.br/nrodrigues.html

(3) http://jbonline.terra.com.br/destaques/110anosjb/110anosjb_cron_C3_9.html

(4) http://www.oclick.com.br/colunas/brandao60.html

Referências bibliográfiacas:

BRANDÃO, Cristina. Da literatura ao palco em

http://www.oclick.com.br/colunas/brandao60.html

Acesso em 10/12/2009

COCO, Pina. Se gostardes, plaudite – As formas do melodrama em

http://www.letras.puc-rio.br/Catedra/revista/8Sem_10.html

Acesso em 10/12/2009

FILHO, Manuel Alves. Nelson Rodrigues – Ame-o ou deixe-o em

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2002/unihoje_ju187pag12.html

Acesso em 10/12/2009

JUNIOR, Arnaldo Nogueira – Projeto Releituras: Nelson Rodrigues em

http://www.releituras.com/nelsonr_bio.asp

Acesso em 10/12/2009

LIONCOURT, Akasha. Biografias.

http://www.akashalioncourt.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=186972

Acesso em 10/12/2009

LOPES, Antonio. Simplesmente, Nelson Rodrigues em

http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q2/simplesmente-nelson-rodrigues.html

Acesso em 10/12/2009

MIHICH Micki. Coisas Soltas em Nova York em

http://dynamite.terra.com.br/blog/coisassoltasemny/post.cfm/this-is-nelson-rodrigues Acesso em 10/12/2009.

NUNES, Luiz Arthur. O melodrama no teatro de Nelson Rodrigues em

http://www.heco.com.br/nelson/ensaios/03_02.php

Acesso em 10/12/2009.

OMS, Carolina. Nelson Rodrigues e a Censura teatral em

http://www.usp.br/anagrama/Oms_Rodrigues.pdf – Acesso em 10/12/2009.

PRADO, Décio de Almeida. Décio de Almeida Prado: um homem de teatro, São Paulo: EDUSP, 1997.

______________________. A personagem no teatro. In: CANDIDO, Antonio (Org.). A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 83-

101.

SEM AUTOR. ANJO NEGRO

http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=espetaculos_biografia&cd_verbete=425 – Acesso em 10/12/2009

SUGIMOTO, Luiz. Tragédias cariocas em

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2005/ju306pag12.html Acesso em 10/12/2009

http://jbonline.terra.com.br/destaques/110anosjb/110anosjb_cron_C3_9.html Acesso em 10/12/2009

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