Marianne Lamms

Tradução de Wilson Coelho da entrevista realizada por Alain et Odette Virmaux com Marinanne Lamms, amiga de Artaud

10 de julho de 2009 Traduções

Diversas testemunhas disseram tê-la visto em companhia de Artaud. Ela fora membro do “Grand Jeu” (Grande Jogo), onde Roger Vailland a teria introduzido. Depois disso, ela faria do jornalismo tudo para prosseguir obstinadamente em suas pesquisas em astrologia, geomancia e numerologia. Paixão dos números a qual Daumal e Gilbert-Lecomte a tinham encorajado. Ele não estava surpreso que isso a conduziria a cruzar um dia a rota de Artaud. Ela não o tinha encontrado muitas vezes, mas algumas trocas seriam suficientes para que ela ficasse impressionada com a vida. Ainda hoje, ela o confunde numa lembrança um pouco fascinada com seus amigos do Grande Jogo.

Pergunta: O que você fez para conhecer Artaud em sua época?

Resposta: Isso se passou em 1933, no momento, eu creio, quando ele preparava Heliogábalo. Roger Gilbert-Lecomte é que me tinha sugerido a encontrá-lo. Ele me dizia mais ou menos: “É pena que não o conheça, com as pesquisas que você faz!” Eu compreendi mais tarde que ele tinha, ao mesmo tempo, falado de mim a Artaud. Ele o amava muito. Daumal também, mas um pouco menos. Sim, o pintor era mais reservado: quando soube que eu tinha visto Artaud, me disse para ficar atenta.

Pergunta: Então, você encontrou Artaud. Você se colocou entre suas “amigas do coração”, aquelas com quem ele saía habitualmente?

Resposta: Não. O que lhe interessava em mim eram minhas pesquisas. Era disso que eu gostaria de falar com você. Ele dizia que os números eram superiores aos astros. Na época, eu lia Claude de Saint-Martin. Eu ia frequentemente à Biblioteca Nacional pelas minhas pesquisas. É provável que eu fosse também pelas pesquisas de Artaud, pelas informações que ele necessitava devido ao seu Heliogábalo. Mas absolutamente, eu não era muito de estar em sua companhia senão um pequeno número de vezes. Um dia, ele me levou à casa de sua mãe. Ele disse simplesmente: “Eu te apresento Marianne”. De longe. Era uma mulher vestida de negro que não se desconcertou por tão pouco. Nós partimos muito depressa e ele me deixou rapidamente, me apertando subitamente contra ele, mas sem me beijar. Ele sempre me tratava formalmente. Era muito embaraçoso.

Pergunta: Você lhe tinha escrito por vezes, nesse tempo ou mais tarde?

Resposta: Jamais. Ele era muito imprevisível. Ele vinha declamando bruscamente Baudelaire ou Rimbaud. Um dia, ele tinha feito uma troca que eu não esquecerei jamais. Nós estávamos à mesa no Dome. Numa mesa vizinha estava instalada uma jovem muito bonita. Eu tinha dito qualquer coisa sobre a sorte que tinha aquela mulher de ser tão linda e de não ter necessidade de sua beleza para conquistar os seres. Artaud se virou para olhá-la, depois, voltando para mim, lançou uma frase mordaz e incisiva que antes eu não tinha compreendido bem. Grosso modo, era esta: “Vós, com vossos números, vós ganhareis mais pessoas que ela com sua beleza!” Frase da qual me senti por longo tempo reconfortada: isso me justificava no meu trabalho, nas minhas pesquisas…

Pergunta: Ele sabia ser uma delicadeza prodigiosa. Mas e o resto do tempo?

Resposta: Era um verdadeiro gato selvagem. Muito diferente de humor, muito nervoso. Charmoso e, depois, de repente, muito brutal: “Eu não quero ver ninguém!” Era por causa da droga? Ele era capaz de dar muita afeição, de ser profundamente comovente. E de um só golpe, eram gritos de ódio, uma veemência, uma sensibilidade de esfolar vivo. Ele falava com uma espécie de raiva.

Pergunta: Esses que não o amam vêem como uma comédia e o acusam de “jogar”, de estar sempre em cena.

Resposta: Eu sei, mas esse “jogo” ao qual ele se entregava com entusiasmo era totalmente sincero. Era um ser vibrante, intenso.

Pergunta: Você tinha medo dele?

Resposta: Oh, ele não era mau, mas era difícil não ter medo quando ele fazia girar sua bengala de uma maneira assustadora. Uma vez, anos mais tarde, eu o tinha visto de longe num terraço de café, devia ser o Flore, e eu pensei em lhe dizer bom dia de passagem. Mas antes que eu chegasse onde ele estava e antes que ele tivesse me visto, ele estava subitamente agitando sua bengala, um tumulto se tinha formado, uma verdadeira pequena desordem. Confesso que não procurei lhe cumprimentar e que fugi.

Pergunta: De fato, ele não teria feito mal a uma mosca.

Resposta: Sim, mas ele dava a impressão de que poderia vir a ser perigoso, e é essa impressão, estou segura, que acabou por arrastá-lo ao internamento. E isso deve ter parecido a todo mundo  inevitável, inelutável, e é porque não houve reações de protestos quando aconteceu.

Pergunta: Ele sofreu muito nos asilos. O tinha revisto depois de sua saída?

Resposta: Uma vez, de muito longe. Na Galeria Pierre. Muita gente. Ele dizia textos, poemas, ele babava um pouco. Num dado momento, ele olhava em minha direção, e eu tive a impressão de que ele não me reconheceu. Na realidade, eu não me atrevi em aproximar.

Pergunta: Conforme você vê, como convinha agir com ele?

Resposta: Se ocupar dele, cuidar dele, responsabilizar-se por ele, acolhê-lo numa casa, fazer tudo o que ele desejasse. E ele teria ficado extraordinariamente agradecido. Mas para isso, ele necessitava ter muito dinheiro. Se bem que, finalmente, ninguém podia nada: ele estava muito rodeado mas, no fundo, ele estava só. Sabe a data de seu aniversário?

Pergunta: 4 de setembro (1896).

Resposta: É o signo de virgem. Isso não condiz muito bem com a sua violência.

Pergunta: Porém, isso parece de acordo com sua sistemática recusa à sexualidade.

Resposta: Não sei. Era uma recusa de ordem mental. Seria necessário saber a hora de seu nascimento para levar mais longe a análise.

Pergunta: E você estando deste modo desviada dele, tinha experimentado o tormento?

Resposta: Muita pena, sim. Eu provei um pouco a mesma coisa no que diz respeito a Roger Gilbert-Lacomte. Ele também, parei de vê-lo na mesma época, cerca de 1933. Ele tinha uma necessidade constante que lhe levássemos droga, dinheiro, pagar tudo para ele, isso não era possível. O caso não era o mesmo que aquele de Artaud, mas para todos os dois, seria necessário dispor de recursos inesgotáveis caso se quisesse verdadeiramente lhes ajudar. E é uma dor não ter podido lhes fazer algo porque eu tinha, para esses dois homens, uma admiração infinita. Se eu chegasse um dia a escrever o livro que tenho em mente, eu já tenho previsto de intitular um dos capítulos: “Obrigada Artaud”. Isso será para mim um meio de lhe exprimir um pouco o meu reconhecimento.

(Entrevista compilada em junho de 1986.)

VIRMAUX, Alain et Odette. Antonin Artaud – Qui Êtes-Vous?. Paris: La. Manufacture, 1986. tradução de Wilson Coêlho, pp. 179-183.

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