Uma proposta de instalação cênica
Crítica da peça “Pessoas”
Em Pessoas, novo espetáculo da Cia. Atores de Laura, a diretora Susanna Kruger reúne quatro “dramas estáticos” de Fernando Pessoa – O marinheiro, Diálogo no jardim do palácio, Salomé e A morte do príncipe. Os textos de Pessoa são utilizados como precioso canal para uma instalação cênica, na qual o público adquire participação importante.
A disposição espacial informa sobre a natureza da montagem. Susanna Kruger criou quatro pequenos nichos, recortes de ambientações distribuídos em partes da Sala Multiuso do Sesc Copacabana, onde cada um dos atores (Verônica Reis, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Adriana Schneider) interpreta um dos textos de Fernando Pessoa. Quando terminam, eles se desnudam do manto que vestem e seguem para o outro nicho, onde dizem o texto referente.
O espectador escolhe a própria travessia que fará durante a apresentação. Pode começar de qualquer um dos quatro pontos e determinar para onde seguirá ao final de cada texto. Pode se levantar antes que um ator termine de dizer o texto para conferir o trabalho de outro ator. Ou permanecer no mesmo lugar durante todo o espetáculo, assistindo ao mesmo texto dito por atores diferentes.
Nesse sentido, cada espectador fica encarregado de fazer a sua edição, a sua montagem, do que vê. Susanna Kruger investe nesta perspectiva ao fazer com que a plateia escute concomitantemente trechos de textos diversos ao invés de salvaguardar o acesso à integridade de um único texto. É como se o público não tivesse a possibilidade de apreender a totalidade de sentidos de um texto. Uma forma de lembrar que, de qualquer maneira, o espectador nunca consegue captar tudo o que vê – afinal, a experiência da perda está indissociavelmente ligada ao ato de assistir.
Os textos de Fernando Pessoa nem sempre são tão-somente sobrepostos uns aos outros enquanto os atores falam ao mesmo tempo. Há determinados momentos em que a voz de um ator se impõe, em que um dado trecho é destacado, em relação aos demais. Um instante em que os espectadores compartilham da mesma escuta. Mas o modo como cada um se apropria do que ouve não é necessariamente o mesmo.
Susanna Kruger mantém sempre algo de inacessível atravessando a montagem, a exemplo do belo biombo que permite “apenas” ouvir a voz do ator ou ver fragmentos de sua imagem através de ranhuras. Esta é uma das circunstâncias criadas pela diretora, que leva os atores a experimentar os textos de Fernando Pessoa em propostas diversas – como falar o texto juntamente à realização de uma ação determinada (sovar a massa de um pão) ou contracenar com uma imagem projetada no próprio corpo. Ao término de cada texto, cada ator se despe de seu figurino. A nudez, no caso, parece ter o sentido de busca de neutralidade antes de passar para a experiência seguinte, como um utópico zerar.