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Quando o teatro encontra o circo
O que não é ligeiramente disforme parece insensível – donde decorre que a irregularidade, isto é, o inesperado, a surpresa, o espanto sejam uma parte essencial da característica da beleza. O Belo sempre é estranho.
Baudelaire
A inquietação de Fernando Neves em trazer à cena espetáculos apresentados em arenas circenses revela uma tentativa em investigar práticas teatrais que ao longo do tempo foram se transformando e, vai além, ao abordar uma história do teatro brasileiro muitas vezes renegada e cheia de lacunas. O grupo se propôs a uma pesquisa da teatralidade circense de 1910 a 1950, período em que o circo já se articulava com a produção teatral da época, apresentando um teatro que se confundia com a prática circense, para desenvolver uma linguagem bem particular e que foi modelo para as décadas seguintes.
Leitura inscrita no espaço da cena
Em Memória da cana, a direção e a adaptação de Newton Moreno traçam uma linha sinuosa entre o Rio e o Recife, re-emoldurando as imagens do Álbum de família de Nelson Rodrigues, colocando o autor num contexto menos urbano, mais próximo às imagens de um determinado Nordeste – que nada tem em comum com o Nordeste limpo e colorido, de festa junina, que se vê com mais frequência aqui no Rio, como, por exemplo, em montagens de textos de Ariano Suassuna. O Nordeste de Memória da cana é ocre, tem cheiro de terra e de gente. A questão seminal da pesquisa do grupo Os Fofos Encenam nesse projeto parece ser a investigação, neste texto, das raízes pernambucanas do autor carimbado carioca. Com embasamento teórico e historiográfico, os artistas-criadores lançaram mão de suas memórias e de sua filiação nordestina para reescrever esse Nelson com caligrafia própria.