Sexualidade em cena desenhada

Crítica do espetáculo Porcos com asas, de Claudio Handrey

28 de fevereiro de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

Apresentado desde a primeira metade da década de 80, Porcos com asas volta à cena destacando o modo intenso e passional com que adolescentes administram a sexualidade. Os personagens desse texto de Mario Sergio Medeiros, inspirado no livro de Marco Radice e Lidia Ravera, despontam menos como individualidades e mais como símbolos de uma juventude em conflito, seja pelas questões que vêm à tona ao longo do rito de passagem para a vida adulta, seja pelo destemor em contestar uma arbitrária ordem pré-estabelecida no Brasil da ditadura militar.

Essa nova prova do palco deixa claro que o tempo passou para Porcos com asas. Talvez o maior sentido em montar o texto atualmente esteja em suscitar uma comparação entre a juventude de agora e a dos anos 70, época na qual estão inseridos os personagens do texto, contraste também promovido por outro espetáculo em cartaz, Edukators, adaptação de Rafael Gomes para o filme homônimo do cineasta Hans Weingartner. No caso de Porcos com asas, há um despudor no modo como os personagens vivenciam a sexualidade que evidencia a existência de um ímpeto libertário em décadas passadas, característica que parece menos presente nos dias de hoje.

Mario Sergio Medeiros dimensiona o contexto do conturbado período do regime militar através do perfil contestador dos personagens – e não tanto do realce a fatos emblemáticos (o assassinato do estudante Edson Luís, um dos poucos acontecimentos mencionados, é evocado de maneira algo artificial). Cláudio Handrey, que dirigiu Porcos com asas anteriormente, minimiza, em certa medida, a fragilidade do texto por meio de uma cena desenhada, estilizada, quase coreografada. Esta opção pela formalização torna o espetáculo limpo, apesar de asfixiá-lo um pouco num formato rígido.

Norteados por desenhos de movimentos bastante perceptíveis, os atores se entregam à proposta com empenho, executando com competência até momentos menos inspirados, como a sequência de abertura. Rafael Canedo empresta boa dose de vibração ao impulsivo Rocco. Andressa Lameu imprime presença contundente como Antônia, mas o tom excessivamente enfático que adota uniformiza, até certo ponto, sua atuação. Patricia Ramalho (Mãe) e Gabriella Cavalcanti (Laura) demonstram habilidade no manejo do tempo de humor, apesar de seus trabalhos um tanto histriônicos acabarem recortando as personagens do quadro geral. Iuri Kruschewsky (Roberto) procura reagir dentro das situações apresentadas, gerando empatia sem buscar o foco de atenção. Manoel Madeira interpreta com energia o imaturo Gianne. Carlos Veranai não projeta suficientemente a sedução exercida pelo professor sobre Rocco. Julianne Trevisol se desdobra em personagens mais circunstanciais (Ana e Lisa).

A inventividade da montagem, que conquistou prêmios na FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra), é comprovada por meio das propostas cênicas, principalmente da cenografia de Zanini de Zanine, composta por oito cadeiras, dispostas no palco de formas variadas com o intuito de sugerir as mais diversas ambientações. Os figurinos de Felipe Ferraz lançam sobre uma base comum – camiseta branca e calça jeans boca de sino (elemento sugestivo da época em que o texto se passa) – acréscimos que procuram personalizar os personagens. O figurinista valoriza o contraste entre cores neutras e tonalidades mais fortes. A iluminação de Leysa Vidal também oscila entre a neutralidade e o impacto do azul e do vermelho, extraindo efeito, num dado instante, da manipulação manual do foco de luz. A trilha sonora, a cargo do próprio Claudio Handrey, reúne músicas emblemáticas.

Daniel Schenker é doutorando da UniRio.

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