O humano entre os extremos
Conversa com Gilberto Gawronski

Alguns autores vêm sendo determinantes na carreira de Gilberto Gawronski, como Bernard-Marie Koltès (Roberto Zucco, Na Solidão dos Campos de Algodão), Caio Fernando Abreu (Uma História de Borboletas, A Dama da Noite, Do Outro Lado da Tarde) e Hans Christian Andersen (O Soldadinho de Chumbo, A Nova Roupa do Imperador e O Patinho Feio). William Shakespeare, também. Depois de participar como ator de montagens de Sonho de uma Noite de Verão e Rei Lear, Gawronski, que se formou pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e passou um ano e meio nos Estados Unidos, apresenta agora a sua versão de Medida por Medida em espetáculo em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
DANIEL – Você já trabalhou como ator em montagens de peças de Shakespeare. Por que decidiu dirigir uma agora? E fale sobre a escolha de Medida por Medida:
GILBERTO – Há três anos fui ao lançamento do livro O Homem Político em Shakespeare, da Barbara Heliodora, e ela sugeriu que montasse Medida por Medida. Eu tinha lido este texto na faculdade e gostei da sugestão. É uma peça que fala sobre a falsa moral exercida pelo poder e a repressão da sexualidade. Lembra que nós, humanos, nunca seremos totalmente puros e incorruptíveis. Existe uma lei porque é justamente da natureza do humano infringir a lei. Se não pecássemos, seríamos santos; se não nos corrompêssemos, seríamos heróis. São questões também ligadas aos textos contemporâneos que costumo montar.
DANIEL – Como surgiram os convites para atuar em Sonho de uma Noite de Verão e Rei Lear?
GILBERTO – Passei um ano e meio na Califórnia, onde fiz audição para participar de uma montagem de Sonho de uma Noite de Verão. Fui aprovado para fazer Puck, mas decidi voltar para o Brasil. Retornei para Porto Alegre e depois segui para o Rio de Janeiro. Foi quando Moacyr Góes me chamou para interpretar justamente Puck na sua encenação de Sonho de uma Noite de Verão. Em relação a Rei Lear, tudo começou quando Raul Cortez viu minha atuação em A Dama da Noite no Festival de Miami, onde ganhei o prêmio de melhor ator. Ele me disse que ia fazer a peça. Ron Daniels ficou encarregado da direção e Cleyde Yáconis faria o Bobo. Mas ela teve problemas de saúde e, então, Raul me convidou para substituí-la.
DANIEL – Quais foram os direcionamentos que você seguiu nesta montagem de Medida por Medida?
GILBERTO – Procurei montar a peça seguindo todas as convenções do Teatro Elisabetano sem esquecer de que sou contemporâneo. Até porque hoje em dia determinadas características presentes no teatro talvez já existissem na época de Shakespeare. Por exemplo: a minha escolha em só trabalhar com atores.
DANIEL – Integrando o elenco de Medida por Medida está Ricardo Blat, um ator com quem você vem desenvolvendo parceria ao longo do tempo. Como começou?
GILBERTO – Começou em Uma História de Borboletas, a primeira peça profissional que dirigi, em 1990. Depois me encantei pela obra de Bernard-Marie Koltès, quando estive na França participando de uma montagem de Roberto Zucco, e propus a Ricardo fazermos Na Solidão dos Campos de Algodão. Um texto cuja carpintaria condiz com o que eu penso sobre as formas de encenação do teatro contemporâneo. Questões como a necessidade de o ator usar ferramentas múltiplas para construir a personagem, ao invés de tão-somente os princípios psicológicos, e a presença de uma estrutura dramatúrgica que se distancia do naturalismo até fazer o leitor/espectador perceber que não está tão distante assim deste registro.
DANIEL – Em Medida por Medida, você lança a proposta de uma encenação popular, não? Quais são as características do popular em que você investe?
GILBERTO – Como não se trata de um texto conhecido, procurei apresentá-lo ao espectador. Antes de tudo, contar a história. Não quis que o mesmo ator fizesse mais de uma personagem para não correr o risco de atrapalhar o entendimento. Eu faço uma participação pequena no espetáculo como Bernardino, que aparece numa única cena. Além disso, quis resgatar a capacidade de rir da realidade a partir de um certo distanciamento. É algo próprio do público carioca, que adquire olhar crítico através do riso. Não temos a tradição do trágico.
DANIEL – Você caminhou, portanto, em sentido inverso ao da montagem de A Gaivota, da qual participou como ator juntamente aos integrantes da Cia. dos Atores…
GILBERTO – Adoro aquela montagem, mas era para iniciados. Atualmente há uma tendência a se investir em desconstruções de textos. Mas é difícil para a platéia assistir à desconstrução de algo que nunca viu construído.