O instante fugidio
Crítica da peça Dentro, do coletivo Pequena Orquestra
O desejo de reter um brevíssimo instante em relação ao qual não se tem (ou quase não se tem) acesso sobressai na dramaturgia de Dentro, concebida pelos integrantes da Pequena Orquestra a partir de argumento de Michel Blois, que acumula as funções de diretor e ator.
Em determinada passagem da encenação em cartaz no Teatro Ipanema, um dos personagens destaca a sensação de vácuo no momento em que a água do chuveiro é desligada. Em outra, alguém discorre brevemente sobre como seria lembrar da própria morte, uma “personagem”, aliás, importante em Dentro. O medo de morrer decorre das ameaças advindas da guerra que explode fora do apartamento (onde os personagens se encontram confinados), mas não apenas. Também se impõe fora da lógica da realidade, a exemplo daquele que teme a própria morte, noticiada no jornal, apesar de permanecer vivo.
O confinamento dentro de um apartamento, que se torna uma espécie de bunker, pode trazer à tona Os Inocentes, espetáculo do Brecha Coletivo concebido a partir do livro de Gilbert Adair. Mas, diferentemente dos jovens que dão vazão à intensidade do relacionamento amoroso enquanto Paris explode em pleno maio de 1968, em Dentro parte dos personagens (as mulheres) sai do apartamento trazendo, a cada dia, notícias angustiantes do mundo real. De qualquer modo, não há interação, ainda que todos ocupem o mesmo ambiente. Os personagens não se comunicam de fato, dado realçado pela chegada do estrangeiro.
A escada localizada numa das laterais do palco, por onde entra o personagem estrangeiro, simboliza um possível acesso ao meio exterior. Os demais personagens, até quando fora de cena, permanecem dentro do espaço, em postura neutra. Esse contraste é evidenciado pela opção em deixar todo o palco descarnado, à vista do público. Não há cortinas ocultando as cordas e as paredes de fundo do teatro.
Entretanto, em que pesem as eventuais questões interessantes lançadas pela Pequena Orquestra, não há como ocultar a fragilidade da dramaturgia, realçada pelos tempos mortos que esgarçam a apresentação. O grupo tenta se apropriar desses vácuos ao propor breves intervalos de silêncio, mas não consegue dotar de consistência essa proposta. As falas da cena final, bastante insatisfatórias, evidenciam a dificuldade enfrentada pelos integrantes do coletivo na concepção de uma dramaturgia, mesmo que fora dos moldes “convencionais”.
Os atores, visivelmente empenhados, ficam rendidos diante das complicações com que se deparam para expressar o que almejam. Em todo caso, Fabricio Belsoff se destaca, imprimindo autoridade cênica nesse espetáculo que dá continuidade às pesquisas da Pequena Orquestra, melhor encaminhadas no trabalho anterior, Madrigal em Processo.