Uma companhia com escrita personalizada

Conversa com Paulo de Moraes

10 de dezembro de 2008 Conversas

Inveja dos Anjos remete a um passado distante, anterior ao surgimento da Armazém Companhia de Teatro, em 1987, em Londrina, com a encenação de Aniversário de Vida, Aniversário de Morte. A estrada de ferro que corta a cidade interiorana, contexto deste novo espetáculo, traz à tona imagens de Cornélio Procópio, onde nasceu o diretor Paulo de Moraes.

De lá para cá, muito tempo passou. Fundada com o inusitado nome de Companhia Dramática Bombom pra que se Pirulito tem Pauzinho pra se Chupar, rebatizada de Bombom e depois de Armazém, a companhia desembarcou no Rio de Janeiro na primeira metade da década de 90 com A Ratoeira é o Gato, encenação que logo conquistou elogios e curiosidade de público e crítica. Não demorou muito para se mudar definitivamente para o Rio, durante a temporada de Sob o Sol, em meu Leito, após a Água.

A cena carioca recebeu um grupo que firmou personalidade própria, em especial no que diz respeito à produção de uma dramaturgia própria. Mesmo quando trabalha a partir de obras de outros autores, a Armazém trata de investir num exercício de apropriação. O percurso, talvez imprevisto, vem dando certo. É o que parece ficar comprovado depois de mais de 20 anos de travessia, devidamente comemorados através do lançamento do belo livro Espirais.

DANIEL SCHENKER – Você conduziu o processo de Inveja dos Anjos a partir de lembranças?

PAULO DE MORAES – Um pouco. Inveja dos Anjos partiu da imagem de um trilho de trem. A imagem de um trem correndo e a vida passando pela janela. Até hoje, Cornélio Procópio, cidade onde nasci, é atravessada pela linha do trem. No entanto, utilizamos mais marcadamente a memória como método de trabalho em outros espetáculos. Aqui, a nossa pesquisa foi mais formal do que temática. Partimos de obras de Gabriel García Marquez e Paul Auster. Não queríamos adaptar obras deles, mas inserir a literatura como dado. Observar como lidam com as relações familiares, como evidenciam uma construção de mundo por meio da narrativa.

DANIEL SCHENKER – Mesmo assim, não há como não fazer analogias entre o universo temático de Inveja dos Anjos e a trajetória da Cia. Armazém, que saiu de Londrina rumo ao Rio de Janeiro:

PAULO DE MORAES – Saímos de casa e viemos para um lugar onde não conhecíamos ninguém. Não por acaso, abordamos no espetáculo a idéia de família substituta a partir da história dos três amigos (interpretados por Patrícia Selonk, Simone Mazzer e Ricardo Martins) envolvidos com lembranças.

DANIEL SCHENKER – Como vocês conceberam propriamente o espetáculo?

PAULO DE MORAES – Primeiro trabalhamos com um roteiro de ações. Depois, escrevemos o texto. Formulamos o espetáculo numa disposição horizontal, que evolui da esquerda para a direita, como o movimento de uma palavra sendo escrita. A pesquisa espacial continua sendo uma vertente fundamental em nosso trabalho. Em Inveja dos Anjos a cena é ampla, panorâmica, mas, ao mesmo tempo, o espectador fica bem próximo dos atores. Também escavamos a parede e descobrimos que havia tijolo, elemento que se tornou importante na cena.

DANIEL SCHENKER – Você detecta o lúdico como uma qualidade comum aos espetáculos da Armazém Cia. de Teatro?

PAULO DE MORAES – O lúdico não é um ponto de partida. Trabalhamos no nível do jogo. É mais como um jogo de armar. Nesse espetáculo, as cenas não são concluídas. Acabam num movimento de suspensão. A ordenação se dá a partir de uma lógica própria.

DANIEL SCHENKER – Em Inveja dos Anjos, vocês voltam a investir numa dramaturgia própria, ainda que ao longo dos anos tenham trabalhado com obras de diversos autores, como William Shakespeare, Tennessee Williams, Samuel Beckett, Lewis Carroll, Nelson Rodrigues e Bertolt Brecht.

PAULO DE MORAES – Já estávamos envolvidos com o projeto de Inveja dos Anjos há algum tempo. Até que Louise (Cardoso) nos chamou para fazer Mãe Coragem e seus Filhos. Mas a nossa praia é escrever a partir da cena. Nos últimos tempos, eu e Mauricio também escrevemos Pequenos Milagres, texto para o espetáculo do Grupo Galpão.

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