Luciano Alabarse, nos bastidores da criação

Conversa com Luciano Alabarse, coordenador e curador do festival Porto Alegre Em Cena

22 de dezembro de 2014 Conversas

Vol. VII, nº 63, dezembro de 2014

Resumo: Conversa com Luciano Alabarse, coordenador e curador do festival Porto Alegre Em Cena. O festival ocorre desde 1994 na capital do Rio Grande do Sul e já trouxe à cidade importantes nomes do teatro, da música e da dança. Esta entrevista foi realizada em junho de 2014, no Solar Paraíso, sede do festival, em Porto Alegre e faz parte de uma pesquisa de mestrado intitulada Curadoria – notas para uma definição.

Palavras–chave: Curadoria; Teatro; Luciano Alabarse; Festivais; Porto Alegre Em Cena.

Resumen: Plática con Luciano Alabarse, coordinador y curador del festival Porto Alegre em Cena. El festival ocurre desde 1994 en la capital de Rio Grande do Sul y ha traído grandes nombres del teatro, de la música y de la danza a la ciudad. Esta entrevista fue realizada en junio de 2014 en el Solar Paraíso, sede del festival, en Porto Alegre y forma parte de una investigación titulada Curaduría- notas para una definición.

Palabras-clave: Curaduría; Teatro; Luciano Alabarse; Festivales; Porto Alegre em Cena

Luciano Alabarse, nos bastidores da criação

Luciano Alabarse. Foto: Ricardo Giusti PMPA.

O curador e coordenador-geral do Porto Alegre Em Cena, Luciano Alabarse, 61 anos, está no comando do festival desde a sua criação, há 21 anos. Somente em quatro edições, ele não assinou a coordenação-geral do festival, que ficou a cargo do ator Marcos Barreto (em 2001 e 2002), já falecido, e do pesquisador teatral Ramiro Silveira (em 2003 e 2004).

Durante mais de duas décadas o Porto Alegre Em Cena trouxe à cidade importantes nomes nacionais e internacionais do teatro, da música e da dança. Atualmente é ponto de referência cultural e artístico da Capital do Rio Grande do Sul.

O texto a seguir faz parte do material coletado para a dissertação de mestrado intitulada Curadoria – notas para uma definição, desenvolvido no Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A pesquisa propõe investigar qual é o pensamento curatorial existente no teatro. A intenção é delinear suas particularidades inerentes à área teatral e compreender a dinâmica da curadoria no Brasil, dentro de um sistema de relações e também como processo criativo. Esta entrevista foi realizada em junho de 2014, no Solar Paraíso, sede do festival, em Porto Alegre.

MICHELE ROLIM: Você é formado pelo Departamento de Arte Dramática (DAD), da UFRGS, mas existe aquela história folclórica que você marcou errado a opção na inscrição do vestibular. É verdade?

LUCIANO ALABARSE: Essa história folclórica é a mais pura verdade (risos). Eu realmente marquei errado no meu formulário do vestibular. Eu nunca tinha pensado em fazer teatro, eu sempre imaginei que seria professor de português. Mas havia mudado o formulário – exatamente no ano em que eu prestei vestibular, por volta de 1972. A primeira licenciatura que eu vi, eu marquei. E achei aquilo tão incrível, que eu resolvi tentar, porque eu não acredito em desatinos. Eu sempre acho que há sempre os imponderáveis, nesse sentido eu sou muito grego, algo como os deuses comandando decisões. E o erro do herói, fazendo com que ele cumpra o seu destino.

MICHELE: Quando o Porto Alegre Em Cena foi criado, você estava na direção da Coordenação de Artes Cênicas do município. Na primeira edição já fostes nomeado pelo prefeito como coordenador geral do festival. Como foi essa experiência?

ALABARSE: Eu sou uma testemunha privilegiada do bastidor da criação do Porto Alegre em Cena. Na verdade, desde sempre eu exerci a função coordenador geral do festival, de pensar o que seria bacana para Porto Alegre, de receber essas conexões… foi muito importante para o meu amadurecimento – não só de artista, mas de gestor. O Festival sempre, desde o começo, se alicerçou em algumas premissas. A gente queria dialogar com o teatro do Mercosul, como uma prioridade do festival. Desde o primeiro ano a gente conviveu e contatou o teatro argentino. Sempre tivemos uma ideia de formação, ou seja, o festival, todos os anos, oferece oficinas, atividades formativas destinadas aos estudantes e/ou àqueles profissionais que querem aproveitar esse espaço para reciclar conhecimentos, experiências, trocas de experiências mesmo, de estudo, de formação. E então, começa assim: claro que começa de uma forma bem mais singela, bem mais experimental. Não sabíamos fazer, no primeiro ano tivemos três meses para fazer, foi uma correria, foi uma sucessão de erros, um atrás do outro, erros de logística, porque a gente não tinha nada. Eu pedi desculpas para todos os artistas e grupos, nunca pedi perdão como pedi naquele ano, mas aprendi. A gente aprendeu rápido.

MICHELE: E após duas décadas de Em Cena, o que é que se pode tirar de conclusão?

ALABARSE: Festival é o ano inteiro. O festival não pode parar. Um bom festival, como os grandes festivais do mundo, trabalham o ano todo. Grandes ou pequenas cidades da Europa são mundialmente conhecidas pelos seus festivais. De alguma forma, eu acho que Porto Alegre ficou bem mais conhecida nesse circuito mundial de artes em função do Porto Alegre Em Cena, isso se deve então pela seriedade com que a gente conduziu o Em Cena todo esse tempo, com a vontade de fazer um festival sério, de fazer um festival à margem de pressões – seja políticas ou de amizades, e sim um festival de méritos. E isso resulta que, durante esse tempo, fomos conquistando a confiança dos maiores nomes do palco mundial. O Em Cena não é um festival de teatro, mas um festival “de palco”. Cabe tudo além de teatro: cabe dança, cabe música, cabe artes plásticas, cabe o que tiver relacionado com a arte que está encontrando o público do palco.

Nesse sentido, a gente já fez desde estreias de grupos famosíssimos, até exposições de grandes diretores, como a exposição do Bob Wilson (1).

Eu gosto disso. Hoje em dia, eu acho que o Em Cena contagia a cidade – não só o público, mas também a classe artística – com informações, e isso muda o gosto do público, isso torna a exigência mais requintada, tanto do público quanto de quem faz teatro, e esse é o maior legado do Em Cena.

A última gravação de Krapp, de Samuel Beckett. Bob Wilson. Foto: Porto Alegre Em Cena, divulgação.

MICHELE: Na ficha técnica você não assina a curadoria. Por quê?

ALABARSE: Por muitos anos eu fiz sozinho a programação do festival e, de alguma forma, eu sou o curador do festival e, em última instância, tudo passa por mim e se eu tiver alguma peça que se a Vika (2) ou alguém da equipe quiser e eu não quiser, essa peça certamente não virá. Isso é uma curadoria, não tenho nenhum problema de assumir essa função, mas, no primeiro ano, esse meu cargo foi o de coordenador-geral. Essa coordenadoria geral certamente envolve a curadoria. Então, para eu não ficar me dando títulos, eu sempre entendi que a coordenação-geral envolve tudo – inclusive a curadoria.

MICHELE: E como é que você escolhe os espetáculos? Deve passar por vários critérios.

ALABARSE: Convidamos espetáculos que eu ou a minha equipe assiste, mas há também um processo democrático em que é possível se inscrever, então a gente recebe de trezentos e quinhentos materiais por ano.

Quanto aos critérios, o primeiro é estar ligado em tudo o que está acontecendo no mundo todo. Então, procuro filtrar o que é importante, o que é bom para Porto Alegre conhecer. Às vezes o que é bom é uma encenação polêmica, provocante; às vezes, é conhecer o trabalho de um diretor que nunca veio; às vezes é receber uma grande atriz ou ator. Enfim, não gosto dessa ideia de uma curadoria conceitual: “vou trabalhar um teatro pós-moderno”.

MICHELE: Tem alguns festivais que apostam em temáticas ou em um recorte conceitual, mas não é o caso do Em Cena, por quê?

ALABARSE: É, exato. Eu sou bem Millôr Fernandes, que tinha uma coluna muitos anos na Veja e ele assinava assim: “Millôr, enfim, um escritor sem estilo”. Luciano, enfim, um curador sem estilo. O que é que eu quero dizer com isso? Que eu não gosto de um só teatro, eu acho isso uma prisão, eu gosto dos teatros. Então, eu sou capaz de admirar um teatrão muito bem feito, ou uma peça experimental, o que me atrai é um trabalho que prenda a atenção. Para começar é a minha atenção, eu não sei o que a Michele pensa, não sei o que ninguém mais pensa, eu sei o que eu penso e o que eu gosto e procuro tirar os outros por mim. Então a minha curadoria mostra um consumidor ávido, um consumidor que não quer um só tipo de teatro, um consumidor que não tem preconceito contra nada, contra comédia, contra tragédia, contra drama, contra teatro de mágica, etc. Eu quero que o Em Cena espelhe a produção contemporânea mundial. Quando eu dirijo um espetáculo, eu dou a maior prioridade para aquilo que eu quero expressar, mas enquanto coordenador, eu não penso só em mim, penso na persona que eu sou como público, e eu sou um público muito legal (risos), porque eu gosto de muitas coisas.

MICHELE: O Em Cena, como você disse antes, desde o começo teve um relação com o Teatro do Mercosul. Quais são os teus interlocutores no Uruguai e na Argentina?

ALABARSE: Carlos Villalba e o crítico uruguaio Jorge Arias, mas não existe nunca alguém que me diga “traz isso” e eu aceite sem ver, sem pensar, sem ponderar. Sempre o final termina tendo o meu olhar, o meu aval. Carlos Villalba, que eu conheço desde o primeiro festival argentino, ele é um grande produtor argentino, conhece todo mundo desse mundo espanhol. O Jorge também, sempre me manda as críticas dos espetáculos, quando eu vou a Montevidéu, eu tenho um quarto na casa do Jorge, ele me adotou, ele e a Irene, sua esposa. Mas não é porque eles querem algo. Mas é claro que é uma forma de trabalhar, ouvindo as pessoas que tem a minha confiança cênica. Um dos trabalhos de curadoria é ler e ouvir. Faz parte do processo da escolha ouvir as pessoas que fazem teatro. Não é porque eles acham algo que vou achar o mesmo. Mas eu dou toda a atenção, e que vou atrás de todas as sugestões, isso não há a menor dúvida. Isso não é desonesto, não é desleal. Isso é bom, é bom, porque eu abro o festival para muitos colaboradores formais ou informais e que querem de algum jeito que o resultado seja bom e acabam sendo porta-vozes do evento.

MICHELE: Como você avalia a situação dos festivais de teatro no Brasil atualmente?

LUCIANO: O Brasil parece sempre gostar de modismos. Então, em algum momento, os festivais de teatro foram a última moda. Era maravilhoso. Agora, vinte anos depois, muito poucos continuam com a potência. A permanente renovação de direção ou de curadoria não gera uma cara, uma identidade significativa ao evento. Não é o caso do Em Cena, porque eu praticamente estou aqui sempre, sou muito identificado com o festival e o festival é muito identificado comigo e com essa equipe e isso gera uma necessidade fundamental. O Jean Vilar, que ficou 26 anos a frente do Festival d’Avignon, na França, é um exemplo. Nessas instituições, não é um rodízio de três a quatro anos, isso infelizmente, não gera identidade, e no Brasil é assim que funciona. O que vemos no Brasil são poucos eventos verdadeiramente sólidos e consistentes e com uma identidade.

MICHELE: Como você avalia a repetição de espetáculos em diferentes festivais?

ALABARSE: Hoje parece que se o espetáculo vai a um, dois, três festivais, já virou um arroz-de-festa. E é uma deturpação, porque um dos papéis belos do festival é justamente o da circulação, de espetáculos que não têm uma produção capaz de circular por si e que precisa de eventos assim. A exemplo do Estamira, da Dani Barros. Todos os festivais queriam Estamira, inclusive nós. E houve uma matéria na Folha que chamou Estamira de “arroz-de-festa”, depreciativo, e eu pensei: o que é isso, que falta de sensibilidade.

Eu preciso saber o que aconteceu no festival de Curitiba, no festival de Belo Horizonte, no de Salvador, me preocupa o que de bom eu posso trazer a Porto Alegre. A minha preocupação fundamental é o público gaúcho, e, em específico, o público de Porto Alegre.

MICHELE: E a repetição de diretores e artistas que ocorre dentro do Porto Alegre Em Cena?

ALABARSE: Havia um momento em que a gente só lia Bob Wilson. Agora a gente pode falar sobre o teatro do Bob Wilson. Então, não é apenas um espetáculo que vai me dar esse todo. Não vou punir um grande diretor porque veio a Porto Alegre, não existe essa coisa de “veio uma vez, não vem nunca mais”. Agora, eu também acho que no Brasil tem muitos diretores, e é também uma preocupação não repetir sempre os mesmos. Mas se esse nome tiver um trabalho relevante, não me importa se veio uma, ou vinte vezes; tem que vir porque ele tem um espetáculo que merece vir e o público merece assistir – inclusive para multiplicar a importância do seu trabalho. Eu acho que esse é um dos papéis do festival: tornar conhecido e fazer a grande mídia conhecer artistas emergentes. O teatro argentino é hoje um exemplo: todos os espetáculos argentinos que hoje circulam nos teatros do mundo começaram se apresentando em Porto Alegre.

Enfim, sempre vêm artistas muito diferentes. Eu tenho dois talismãs: quando o Lineu Dias era vivo, ele vinha sempre ao Festival, porque ele foi um artista gaúcho extraordinário. E, depois que ele morreu, meu talismã virou a Adriana Calcanhotto, que é uma artista gaúcha internacional. Ela guarda a agenda dela para vir. É uma honra que uma gaúcha de fama internacional acredite no Em Cena, e o público lota sempre os espetáculos dela. A Adriana, enquanto eu estiver aqui, e ela quiser vir, ela virá sempre. E o público me agradece por isso.

MICHELE: O orçamento acaba interferindo muito nas escolhas?

ALABARSE: O orçamento é aristotélico: tem começo, meio e fim (risos). Eu não consigo trazer tudo o que eu gostaria de trazer, e é aquilo que eu te falei: há uma retração de patrocinadores aos festivais, não é um fenômeno com o Em Cena, que ainda continua bastante prestigiado. Mas grandes festivais brasileiros estão debaixo de mau tempo, porque é assim: é como se aquela novidade já tivesse passado e os patrocinadores não entendessem o valor formativo de um festival para a sua cidade, o cartão-postal para a sua cidade. Eu não tenho dinheiro para sempre fazer o que eu quero. Quando eu trago a Mnouchkine (3) eu não posso trazer o Bob Wilson. Não são realidades locais, são realidades estruturais do mundo.

Os náufragos da Louca Esperança, Theatre du Soleil. Foto: Porto Alegre Em Cena, divulgação.

MICHELE: Ainda dentro do orçamento, com a intenção de deixar os custos mais baratos, os curadores convidam os espetáculos vencedores dos editais de circulação, como, por exemplo, o Myriam Muniz?

ALABARSE: Muito pouco. Mas eu não tenho nada contra, ainda mais nesse tempo de vacas magras, eu acho interessante que se aproveite, desde que não seja só por isso; desde que, aliado à essa facilidade de produção, haja qualificação artística. Isso já aconteceu com o Em Cena, mas nunca aconteceu de uma peça entrar na programação porque tinha alguma facilidade de ir e vir. Também já rejeitamos vários espetáculos dentro dessa característica, que achamos que não tinha a capacidade de interessar ao público. Lembrando também que um festival não tem que apresentar obras-primas. Tem que apresentar produção contemporânea, o que os artistas cênicos estão produzindo, pensando, fazendo. O meu critério não é apresentar obras-primas, é apresentar reflexos da produção contemporânea – isso é o papel de um bom festival.

MICHELE: Você acredita que na programação de um festival sempre tem que ter um nome de peso?

ALABARSE: Isso consolida junto ao público e ao patrocinador. Alguma grande atração precisa ter. Eu sempre penso assim: qual grande atração internacional podemos trazer esse ano? Eu acho que um dos papéis principais de um festival e, no caso específico do Em Cena, é tornar o público da cidade mais cosmopolita, fazer com que a classe teatral tenha acesso. Uma coisa é ler sobre teatro, e a outra é assistir teatro. E eu acho que essa geração, que já viu Pina (Bausch), Bob Wilson, (Eimuntas) Nekrosius, (Romeo) Castellucci, Peter Brook, é muito diferente. Isso me orgulha muito, essa atualização é muito importante para quem faz teatro, para quem gosta de teatro, quem escreve sobre teatro, e isso é o que deu a importância para o Em Cena nesses 21 anos.

MICHELE: Você falou do Festival d’Avignon, eu lembrei que esse festival tem uma preocupação de ser também produtor. O que você pensa sobre isso? É o papel de um festival, estimular co-produções?

ALABARSE: Ruim, não é. Eu acho que não interessa como marca de um festival as co-produções. Isso é muito comum nos festivais europeus, mas é uma realidade econômica muito diferente. Não é o Estado que banca os principais grupos brasileiros. Isso não existe no Brasil. Então eu não quero essa responsabilidade. Eu não sou contra co-produção, mas eu também não vou gastar a minha energia e patrocínio para fazer co-produções. Isso demandará um recurso que eu não tenho. Se eu tiver dinheiro sobrando certamente estarei tentado, mas não é o caso ainda.

MICHELE: Muitos festivais apostam em rodadas de negócios, ou seja, trazem curadores para o festival para assistir aos espetáculos e também proporcionar que os grupos locais apresentem seus trabalhos a eles. O que você pensa sobre isso?

ALABARSE: Eu não sou contra absolutamente nada, eu vou nessas feiras de negócios. Eu reluto é com uma coisa que eu observo, uma tendência. Tem pessoas que vivem dessas viagens, e que fazem delas viagens individuais, do que realmente possibilidades concretas de trabalho. Eu particularmente nunca vi uma feira de negócios realmente impactante que eu não pudesse fazer sem ter sentado nessa mesa aqui. E eu vou. Eu acho que tem uma parte minha idealista ainda, que tem que ser um mérito acima do lucro ou do negócio, um festival não existe para fazer negócios, para mim e, sim, para escoar produção artística. Tem pensamentos diferentes. No caso do Em Cena, eu não tenho verba para isso, não tenho vontade de fazer negócios. Agora, acho que o teatro gaúcho precisa se mostrar ao mundo – nesse sentido, sim, isso não é um negócio, então, é importante também trazer curadores de festivais, jornalistas de outras cidades, mas não é sempre que o festival consegue.

MICHELE: Você comentou algumas vezes que o Em Cena já levou grupos para outros estados. Como isso funciona?

ALABARSE: Se extrapola o número de passagens, algumas vezes, bancamos essas passagens para que o teatro gaúcho se apresente em Recife, por exemplo, mas veja: nem sempre esse é um papel de um festival. Esse é um papel de uma secretaria de cultura ou de um governo de estado. Acho até que por entendermos isso, por acharmos relevante, acabamos fazendo, mas estamos preenchendo uma lacuna. Mas dentro das possibilidades, que sempre são poucas. Por exemplo, em Recife, há uma política mensal de emissão de passagens, para artistas saírem de Recife e se apresentarem em cidades – isso não existe no Rio Grande do Sul. Isso é política cultural. A gente faz, menos do que se fosse o objetivo do festival, que é trazer a produção mundial e nacional para Porto Alegre. O Em Cena cresceu muito, por isso que todo mundo cobra do festival um papel que não é dele (risos). Eu sei muito bem o que é da minha alçada e o que é da minha obrigação. O que eu posso fazer, eu posso e faço. Mas a meta ainda é a mesma, é trazer o mundo para Porto Alegre.

MICHELE: Você pensa na ordem dos espetáculos que estarão na programação?

ALABARSE: Eu sempre penso que tenha estreias diárias. É obrigação nossa pensar que a imprensa tem que alimentar o público com notícias dando civilidade ao festival. Isso só acontece, se um dia eu tenho a Adriana Calcanhotto cantando O Pedro e o Lobo, e se eu tenho Tim Robbins no outro dia, se a Nathália Thimberg e a Marieta (Severo) estreiam no mesmo dia, depois eu fico em assunto, sem notícia. Essa elaboração da grade é uma das coisas mais relevantes que eu conheço dentro de um festival. É um equilíbrio de ideias, pensando o que chama a atenção do público. Se eu colocar seis estreias em um dia eu não vou dar chance do público ver. Isso era uma queixa quando tinha setenta espetáculos, que as pessoas não conseguiam acompanhar todo o festival. Diluímos as atrações, aumentamos o tempo de cada espetáculo. É importante ter essa alternância de atrações importantes.

MICHELE: Você considera que o curador acaba ocupando o espaço da crítica teatral?

ALABARSE: Querendo ou não, o processo de seleção é um processo crítico. Talvez eu não queira escrever um artigo, mas certamente há uma postura crítica, há um olhar de fora que exerce a função de dizer: isso é muito bom, isso vale a pena, preste atenção. Nesse sentido, o curador também é um crítico de teatro.

Solar Paraíso. Foto: Ricardo Giusti PMPA.

Notas:

(1) Video Portraits foi a exposição de Bob Wilson que o Porto Alegre Em Cena trouxe no ano de 2010 (17.ª edição) no Santander Cultural, nesta cidade. Uma série de 16 vídeo-retratos de celebridades como Brad Pitt, Dia Von Teese, Isabella Rossellini e Johnny Depp, entre outros.

(2) Vika: Virginia Schabbach – responsável pela programação do Porto Alegre Em Cena.

(3) Ariane Mnouchkine – fundadora e diretora do Théâtre du Soleil.

Michele Rolim é jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em teatro. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas, do Jornal do Comércio, em Porto Alegre. Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena.

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