Com um palito de fósforo – Intervenções teatrais na escrita da história

Crítica das peças Galvarino e Derretiré con un cerrillo la nieve de un volcán

22 de dezembro de 2014 Críticas

Vol. VII, nº 63, dezembro de 2014

Resumo: O artigo se propõe a fazer uma breve análise dos espetáculos Galvarino, do grupo Teatro Kimen, do Chile, e Derretiré con un cerrillo la nieve de un volcán, do grupo Lagartijas Tiradas al Sol, do México, a partir da sua vinculação com a ideia de teatro documentário. A análise diz respeito às aproximações do teatro documentário contemporâneo com a escrita da história e se pergunta sobre a possibilidade de um ganho cognitivo do gênero teatral para a transmissão de um saber histórico.

Palavras-chave: Teatro documentário, teatro latino-americano, historiografia, ficção e história, documento

Resumen: El objetivo de este artículo es hacer un breve análisis de los espectáculos Galvarino, del grupo Teatro Kimen, de Chile y Derretiré con un cerrillo la nieve de un volcán, del grupo Lagartijas Tiradas al Sol, de México, a partir de los vínculos establecidos con el teatro documental. El análisis se refiere a la aproximación del teatro documental contemporáneo con la escritura de la historia, y se pregunta sobre la posibilidad de una ganancia cognitiva del género teatral para la transmisión de un saber histórico.

Palabras clave: Teatro documental, teatro latinoamericano, historiografía, ficción e historia, documento.

Com um palito de fósforo – Intervenções teatrais na escrita da história

“A escritura faz do saber uma festa.”

Roland Barthes, Aula.

Para falarmos sobre teatro documentário, devemos levar em conta que a categoria é, hoje, bastante complexa. As práticas atuais diferem consideravelmente das práticas que consolidaram o gênero na historiografia teatral, de Piscator até as últimas décadas do século XX. Cabe a nós, pesquisadores da cena contemporânea, elaborar num futuro próximo uma conceituação atual a partir das obras recentes que apresentam uma filiação ao gênero. Estas práticas contemporâneas se distanciam de uma noção tradicional de teatro documentário, mas não se desprendem completamente delas, alargando assim a abrangência da categoria.

A diretora e dramaturga argentina Lola Arias, criadora de espetáculos como Mi vida después, por exemplo, é reticente quanto à filiação do seu trabalho à ideia de teatro documentário por considerá-lo “uma categoria velha”. Mas é justamente pela relevância dos trabalhos que estão sendo realizados hoje que o teatro documentário deixa de ser “uma categoria velha” e passa a ser visto como uma prática pertinente e atual.

Segundo o Léxico do drama moderno e contemporâneo, organizado pelo crítico e pesquisador francês Jean-Pierre Sarrazac, o teatro documentário

“repousa na tensão dialética de elementos fragmentários extraídos diretamente da realidade política. Ao contrário do projeto naturalista, contudo, ele não aspira a reproduzir exatamente um fragmento do real, mas a submeter os acontecimentos históricos e atuais a uma explicação estrutural, recorrendo para isso à formalização radical.” (SARRAZAC, 2012, p. 182)

Tal visão, no entanto, corresponde apenas ao teatro documentário do século XX, em que a história política era um tema dominante para o gênero. O verbete é finalizado com a seguinte sugestão:

“Talvez venha a ser criado um teatro documentário do indivíduo, do existencial, do símbolo ou do sentimento, que entre então em contradição com os seus predecessores.” (SARRAZAC, 2012, p. 183)

Algumas experiências de teatro documentário realizadas na América Latina no início do século XXI, como as que abordaremos neste texto, apontam justamente para esta “contradição com os seus predecessores”. Mas, não se trata, de fato, de uma contradição. No teatro documentário que estamos tentando vislumbrar, o político não está separado do existencial nem do sentimento. A mudança é quase uma questão de ênfase.

Dois espetáculos que estiveram em São Paulo em agosto de 2014 na IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo da Cooperativa Paulista de Teatro (1) serão aqui analisados a partir das questões propostas acima.

Galvarino. Paula Gonzales Seguel. Foto: Danilo Espinoza Guerra.

Galvarino, do grupo chileno Teatro Kimen, trata do desaparecimento e da morte de Galvarino Ancamil, militante político que fez exílio voluntário na Rússia por ocasião do golpe de estado no Chile nos anos 1970. Após a derrocada do comunismo, a família perdeu contato com Galvarino. Sua irmã, Marisol Ancamil, inciou um longo e tortuoso processo de súplica ao Ministério das Relações Exteriores, primeiramente para localizar o irmão, prevendo que ele corria risco de morte, e depois para reaver seus restos mortais – sem sucesso. Galvarino, estrangeiro sul-americano de origem indígena, foi executado por um grupo neo-nazista em Moscou em 1993. Tivesse o governo chileno dado atenção às cartas de Marisol, Galvarino poderia ter sido localizado e trazido de volta ao Chile com vida.

O espetáculo é parte de uma trilogia de teatro documentário, que também inclui as peças Ni pu tremem – Mis antepassados, de 2008, e Territorio descuajado – Testimonio de un pais mestizo, de 2010. Como diz o texto de apresentação do projeto no You Tube, trata-se de:

“Três encenações, três linguagens cênico-territoriais, três relatos marginais que indagam sobre o gênero documental por sua imensa capacidade de capturar aspectos absolutamente desconhecidos da realidade que nos circunda, o que há de mais próximo, familiar e cotidiano.” (2)

A poética do espetáculo aposta na criação de um cosmo fictício, criado com um tratamento naturalista, mas atravessa-o com uma fala épica, dirigida aos espectadores, a que se soma a leitura de cartas trocadas com órgãos públicos, bem como o canto ritual mapuche, com sua força performativa. A cenografia apresenta a casa da família de Galvarino, onde a irmã, a mãe e o pai do rapaz aguardam notícias preparando uma refeição. O tempo da espera se impõe, pesado, logo de início, com longos silêncios enquanto a mãe depena (literalmente) uma galinha e o pai conserta algum objeto ouvindo rádio. Depois de um tempo, a personagem da irmã de Galvarino lê suas cartas e as respostas do governo, enquanto estas são projetadas ao fundo do palco. Ela está de frente para nós, espectadores, dirigindo a palavra a nós.

No espetáculo realizado em São Paulo, o papel de Marisol Ancamil ficou a cargo de sua sobrinha, Paula Gonzales Seguel, que dirige a peça. No papel do pai de Galvarino, estava seu tio, Luis Seguel, pai da diretora. A personagem da mãe fica a cargo de Elsa Quinchaleo, que não tivera contato com teatro até que Paula começou o seu trabalho de agregar senhoras de etnia mapuche à sua pesquisa de experimentação teatral.

Derritiré con un cerrillo la nieve de un volcán. Gabino Rodriguez, Francisco Barreiro e Luisa Pardo. Foto: Divulgação.

Derretiré con un cerrillo la nieve de un volcán (Derreterei com um palito de fósforo a neve de um vulcão) é uma das peças de teatro documentário do grupo Lagartijas Tiradas al Sol, na qual os artistas investigam as origens e a trajetória do PRI – Partido Revolucionário Institucional, cuja presença no governo mexicano se manteve desde 1929 até o ano 2000 e que retornou ao poder em 2012, provocando o grupo a querer contar a história política do México a partir do ponto de vista da sua geração. A origem do título da peça se deve a Jorge Meixueiro, deputado oaxaquenho que disputava o poder em 1943. Em seu discurso no congresso depois de saber da derrota, disse a seguinte frase “Sé que picaré con un clavo una montaña o que derretiré con un cerillo la nieve de un volcán” (3) e em seguida deu um tiro na boca, morrendo na hora.

A partir de uma tomada de partido por parte dos artistas, a história política do México é contada por um viés historiográfico aparentemente tradicional, apontando datas, nomes, fatos, gráficos e dados estatísticos, bem como apresentando documentos comprobatórios em projeções no fundo do palco. O diferencial desta narrativa histórica está, por um lado, na encenação, que lança mão de recursos de teatralidade como o uso de máscaras, cartelas e cartazes com fotografias impressas, quando os atores se colocam no lugar de personagens históricos, acrescentando elementos jocosos à seriedade do tema.

Por outro lado, a peça também provoca cortes nesta narrativa historiográfica expositiva e linear quando a dramaturgia costura, paralelamente aos relatos dos fatos políticos, a vida privada da jovem Natalia Valdez Tejeda, professora, mãe solteira e militante que abandonou a família – que apoiava o PRI – na Cidade do México e se isolou em um pequeno povoado no interior, onde escreveu o livro La Revolución Institucional. Este livro norteou o trabalho dos diretores e atores Luisa Pardo e Gabino Rodriguez na criação da peça. Assim, enquanto os acontecimentos históricos da vida pública recebem um tratamento calcado textualmente em uma historiografia mais tradicional (embora com um tratamento lúdico), a trajetória pessoal de Natalia – e o que se pode especular sobre a sua subjetividade – é contada com mais liberdade criativa, lançando mão de artifícios mais reconhecidamente ficcionais.

Os atores estão em cena entre mesas, cadeiras e muitas plantas – algumas em vasos, no chão, outras penduradas no alto do espaço cênico. Os objetos usados durante à peça estão dispostos na cena, prontos para serem usados sem que os atores precisem sair do palco. A cenografia não mimetiza nenhum lugar reconhecível. Eventualmente, os atores se deslocam entre os elementos e montam “estações” cenográficas, espaços provisórios para determinadas cenas. Os procedimentos estéticos do espetáculo aparecem em uma peça anterior do grupo, El rumor del incendio, que só pude assistir por registro em vídeo, disponível para download no site On The Boards TV (4). Neste espetáculo, o grupo também escolhe a história de uma personagem feminina para costurar a história da resistência política nos anos 1960 e 1970 no México: a guerrilheira Margarita Urías, que ao final da peça descobrimos ser a mãe da atriz, dramaturga e diretora Luisa Pardo, que faz o papel da mãe ao longo da peça.

O movimento de deslizamento entre história oficial e micro-história nos espetáculos do Lagartijas, entre projeções de matérias publicadas em grandes jornais e leituras de cartas e diários, vemos um jogo com a diferença de escala no discurso histórico. Precisamos ficar ajustando as nossas lentes com movimentos rápidos de zoom. A oscilação aos poucos nos confunde (positivamente) e nos faz deixar de reparar tanto na moldura.

Um aspecto interessante do teatro documentário contemporâneo que pode ser apontado nos exemplos acima é a complexidade do trabalho do ator, sendo o seu corpo uma parte determinante da escritura cênica. O ator pode ser, além de um emissor do discurso falado, uma evidência da história que está sendo contada. A presença do corpo da atriz e diretora Paula Gonzales Seguel e de seu pai, Luis Seguel, que estão em cena para contar uma história da família, produzem um efeito de autenticação do testemunho, engendrando uma presentificação efetiva da história. O mesmo acontece com a presença de Luisa Pardo em El rumor del incêndio.

Em outra crítica (5), sobre o espetáculo Mi vida después, recorri a um artigo do pesquisador espanhol Oscar Cornago sobre a dimensão aurática deste corpo que está presente e que é testemunha. Assim, não me detenho mais no assunto neste momento, embora o exemplo de Paula e Luis em Galvarino e de Luisa em El rumor reforce de maneira contundente o argumento exposto naquela outra ocasião.

Galvarino. Paula Gonzales Seguel, Elsa Quinchaleo e Luis Seguel. Foto: Danilo Espinoza Guerra.

O corpo que está em cena é um corpo cênico que se coloca como documento do real e que faz dançar as molduras da teatralidade e da historiografia. É um corpo-historiador, um corpo que escreve, reescreve, toma um lugar, que deixa de ser anônimo, se anuncia, se coloca e assume a responsabilidade sobre a narrativa. Paula assume a voz da tia, primeiramente como propositora da obra e depois como atriz. A ideia de presença implica ainda uma outra camada do depoimento do artista, para além do sentido estrito do relato, do testemunho ou do documento: a presença do artista em cena como ator, como agente, não como um personagem em um jogo de ficção, que diz respeito a uma expressão do seu pensamento, uma materialização da sua conduta como artista. À frente de todas as demandas técnicas do trabalho atorial, está ali um artista que se coloca diante do mundo a partir de suas escolhas políticas e estéticas. A pessoa do artista está tão em evidência quanto a história que ele conta. Há um projeto autoral que constrói as bases para o trabalho.

E, além disso, as personagens que são paradigmas das histórias ali contadas, Marisol, Natalia, Margarita, são mulheres – e as autoras dos projetos, Paula e Luisa, também. Todas falam de um lugar de marginalidade, seja a família mapuche no Chile, seja a militância na guerrilha no México. O corpo mesmo da mulher, pelo que vemos e ouvimos por aí em pleno século XXI, ainda não tem sua plena liberdade garantida – nem por lei. Com este cenário em vista, podemos pensar que os corpos-documentos destas criadoras-testemunhas têm voz bastante consequente.

O ganho cognitivo do teatro documentário para a história

Se pensarmos na opção do Lagartijas por contar a história de Natalia em paralelo com a história do México e do projeto de poder do PRI, vemos que o teatro documentário também pode ser visto como uma escrita que confronta, de certa maneira, os modos oficiais do discurso histórico. Em seu artigo Teatro documental: el referente como inductor de lectura, a pesquisadora uruguaia Silka Freire aponta a possibilidade de:

“(…) uma construção discursiva não tradicional, que parte de um referente idêntico na sua categorização ontológica, mas tem como objetivo a pluralização do seu significado através de uma ruptura da estrutura discursiva dominante e uma pretensão que não é a de substituí-la, mas a de provocar uma confrontação pela instauração de novos canais de compreensão que permitam a elaboração de um novo campo de significados.” (2006, p.6)

Derretiré se apresenta como gesto político, como tomada de posição diante da necessidade de rever as narrativas históricas recentes, de lançar um novo olhar sobre fatos, situações, instituições, e propor ressignificações, assumindo a responsabilidade sobre as narrativas históricas. O gesto político do teatro documentário é o de redistribuir algumas cartas ao propor um enquadramento diferente para o discurso histórico, como acontece em Galvarino: ficamos conhecendo uma parte da história do Chile por um ponto de vista que não ficaria visível pela história oficial. Acredito que nas peças do Teatro Kimen e do Lagartijas Tiradas al Sol, os artistas estão reivindicando para si uma autoridade de outra natureza – ou, como na citação acima, estão buscando instaurar “novos canais de compreensão”. Neste ponto, chegamos a uma questão nuclear para este exercício crítico.

Diante do fato de que a escrita do teatro documentário proporciona uma espécie de convivência entre o discurso ficcional e o discurso historiográfico, que perguntas podemos fazer para a teoria da história sobre esta convivência entre os dois enunciados? Como pode ser o teatro uma ferramenta operacional – problematizante – de uma determinada escrita da história? O fato da realidade é ponto de partida tanto para a criação do teatro documentário como para a escrita da história, tanto para a abordagem historiográfica quanto para o tratamento ficcional. O teatro documentário é um lugar de problema dessa diferenciação, pois embaralha os discursos, provocando uma confusão proposital na lida com a narrativa do real.

Assim como a aporia da verdade na escrita da história não é o seu fim, mas o seu ponto de partida, a sua condição de possibilidade, propomos que o lugar problemático do elemento ficcional no teatro documentário não deve ser motivo de anulação da sua aspiração historiográfica, mas uma questão constitutiva da sua forma e, assim, objeto para o seu estudo enquanto enunciado de transmissão de um saber histórico.

A relação com o espectador no teatro documentário não é idêntica à relação pressuposta em um texto que se quer exclusivamente historiográfico. A escritura cênica pressupõe uma dinâmica especial de leitura, uma leitura irreversível, uma vez que o leitor não tem domínio sobre o texto, não pode manipular a leitura como se estivesse lendo um livro, não pode voltar a qualquer momento para fazer uma verificação, nem se deter demoradamente sobre determinado recorte, a não ser pela rememoração. Mesmo que assista ao espetáculo mais de uma vez, o tempo de contato é dado pela cena, não pela recepção. O que o espectador guarda é mais uma experiência que um conteúdo. A atmosfera, o tom, a atitude – são elementos que ficam em evidência e norteiam a memória.

A fruição estética é uma premissa tão determinante quanto o relato do evento sucedido – o que não quer dizer que a escrita da história não conte com uma elaboração na construção material do texto, afinal, ela “guarda consigo uma reserva de mimesis”, como aponta Luiz Costa Lima em História.Ficção.Literatura (2006, p.208). Mas é justamente a convivência de funções que opera o agenciamento dos discursos e que complexifica a relação do espectador com a apreensão de um discurso histórico numa linguagem teatral. A porosidade das fronteiras discursivas acende no espectador o seu senso crítico e a sua atenção à construção do discurso.

Na oscilação entre o relato do real e os artifícios da teatralidade, entre a apresentação de documentos comprobatórios e de depoimentos pessoais e a elaboração de procedimentos ficcionais, o espectador se põe em constante renegociação com o pacto estabelecido com o teatro, com o testemunho do real e com a leitura da história, retraçando constantemente o seu pensamento sobre narrativa ficcional e relato da realidade. A imaginação trabalha com o senso crítico, a atenção e a distração numa relação dinâmica.

Para concluir esta breve reflexão – numa especulação certamente provisória –, trazemos para a discussão uma questão colocada no curso História e Ficção, ministrado neste segundo semestre de 2014 pelo Prof. Felipe Charbel no Programa de Pós-Graduação em História da UFRJ: qual seria o ganho cognitivo da ficção para a história? O que advém de obras como essas no que diz respeito ao saber histórico ou à transmissão do saber histórico, para além das informações concretas que elas nos oferecem? O que há de especial, ou de diferente, no saber histórico que as obras de ficção transmitem?

Tateamos aqui uma resposta que se conecta com o apontamento feito no início deste texto, com a citação do Léxico do drama moderno e contemporâneo. Seria este ganho algo da ordem do indivíduo, do existencial, do símbolo ou do sentimento, como sugere o pesquisador sobre o futuro do teatro documentário? Talvez seja o caso de colocarmos em jogo uma ideia mais criativa de conhecimento. O cerne da questão pode não ser “o que” mas “como”: não qual saber histórico, mas como lidar com o saber histórico. Neste ponto, apontamos a presença necessária da imaginação, um espaço maior para a especulação na noção mesma de saber histórico.

Além disso, a meu ver, o saber histórico proporcionado por estas peças não está simplesmente no conteúdo transmitido, nem numa mera curiosidade despertada, mas no vínculo que, possivelmente, se estabelece. A presença dos corpos, a fala na primeira pessoa, o elemento lúdico, a própria oralidade característica do teatro, o convívio no espaço-tempo compartilhado da apresentação do espetáculo, o desnudamento no caso de Derretiré, o canto ritual no caso de Galvarino, são elementos que disparam sentimentos, sensações físicas que nos conectam, nós espectadores, com o que está sendo contado pelos artistas. São pequenas centelhas que potencializam a criação de um improvável sentimento de pertencimento entre espectadores de diferentes partes do mundo (no caso de espetáculos que têm uma carreira internacional) e realidades marginalizadas de territórios distantes.

Mas o que é o teatro contemporâneo para a teoria da história? Que lugar pode ter uma obra de artes cênicas, com sua efemeridade e seu modo de produção artesanal, neste território imenso de atividades acadêmicas e tinta impressa no papel? Como fazer a conta de uma troca entre o teatro documentário contemporâneo feito na América Latina e as atuais pesquisas sobre a teoria da história, senão visualizando a imagem de um palito de fósforo diante da neve de um vulcão?

Notas:

(1)Participei da Mostra como crítica da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa do site Teatrojornal, de São Paulo, dos blogs Horizonte da Cena, de Belo Horizonte, e Satisfeita, Yolanda?, de Recife e da revista eletrônica Questão de Crítica, do Rio de Janeiro.

(2) Tres puestas en escena, tres lenguajes escénicos-territoriales, tres relatos marginales, que indagan sobre el género documental por su inmensa capacidad de capturar aspectos absolutamente desconocidos de la realidad que nos circunda; la más cercana, familiar y cotidiana. https://www.youtube.com/watch?v=Y38nDuRD5VQ

(3) “Sei que picarei uma montanha com um prego ou que derreterei com um palito de fósforo a neve de um vulcão”, numa tradução aproximada.

(4) On The Boards TV http://www.ontheboards.tv/performance/theater/el-rumor#about

(5) Ver SMALL, Daniele Avila. Atos físicos da memória, re-inscrições na História – Crítica de Mi vida después, de Lola Arias in Questão de Crítica Vol. III, nº 26, outubro de 2010. Disponível em: http://www.questaodecritica.com.br/2010/10/atos-fisicos-da-memoria-re-inscricoes-na-historia/

Referências bibliográficas:

COSTA LIMA, Luiz. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

FREIRE, SILKA. “Teatro documental: el referente como inductor de lectura”. In: Telondefondo Revista de teoría y crítica teatral. Nº 4 Diciembre 2006. Disponível em: http://www.telondefondo.org/numeros-anteriores/numero4/articulo/60/teatro-documental-el-referente-como-inductor-de-lectura.html

SARRAZAC, Jean-Pierre (org). Léxico do drama moderno e contemporâneo. Tradução de André Telles. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

SMALL, Daniele Avila. Atos físicos da memória, re-inscrições na História – Crítica de Mi vida después, de Lola Arias in Questão de Crítica – revista eletrônica de críticas e estudos teatrais. Vol. III, nº 26, outubro de 2010. Disponível em: http://www.questaodecritica.com.br/2010/10/atos-fisicos-da-memoria-re-inscricoes-na-historia/

TEJEDA, Natalia Valdéz. La revolución institucional. Ciudad de México: Editores Independentes de Alvarado, 2000.

Daniele Avila Small é tradutora e crítica de teatro; Mestra em história Social da Cultura pela PUC-Rio e Bacharel em Teoria do Teatro pela UNRIO.

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