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Refinamento estético dos detalhes
Ficção teve sua estreia na cidade do Rio durante o Tempo Festival e está em cartaz no Teatro do Oi Futuro do Flamengo. É uma oportunidade de assistir o trabalho da Cia Hiato de São Paulo, dirigida por Leonardo Moreira, que protagoniza uma pesquisa interessada numa dimensão de jogo e abertura da linguagem cênica que, para além de qualquer didatismo ou programas teóricos, se forma numa esfera de atrito entre o mito, a ficção e os poderes do espetáculo como dinamizadores da realidade. Este investimento constrói trabalhos pautados no distanciamento, ou em tomadas de distância para que se possam ver melhor as coisas, sem destituir completamente momentos de imersão e prazer para o espectador. Seus temas se desenvolvem em olhares oblíquos afetados por anomalias tratadas como potências. Assim acontece em Cachorro morto (2008) que performatiza a história de um portador da Síndrome de Asperger, em Escuro (2009) que problematiza a cegueira e a inadequação da linguagem, ou em O jardim (2011) que trabalha com a característica lacunar da memória.
Para saber ler estrelas
O texto foi elaborado durante a Oficina de Crítica ministrada por Dinah Cesare no Projeto Teatro na Contramão do Espaço Cultural Escola SESC.
Cachorro Morto, da Cia. Hiato de São Paulo faz o espectador vislumbrar o mundo por meio dos olhos de um menino portador da síndrome de Aspenger, semelhante ao autismo. A dramaturgia inspirada no livro Nascido num dia azul de Daniel Tammet, aparentemente despretensiosa, se desenrola a partir da morte do cachorro da vizinha. O papel do protagonista, que busca uma resposta sobre o crime, é fragmentado pelos cinco atores. Cada um construiu características individuais peculiares, como ter o talento com os números ou a obssessão pelo estado de Massachusetts, que acabam formando um quadro único da personalidade do menino, que recebe o nome do ator que está interpretando-o no momento.
Morte de um mundo afetivo
Muito antes das personagens de O jardim citarem O jardim das cerejeiras é possível perceber a conexão direta entre o texto do diretor Leonardo Moreira e a peça de Anton Tchekhov. Assim como os personagens do autor russo, os da montagem da Cia. Hiato, de São Paulo, evidenciam descompassos na comunicação, como se não se enxergassem, não reagissem à escuta, à presença do outro. Dão a impressão de pertencerem a épocas ou a mundos diferentes.