Autor Carolina Balbi
Água-viva
Tradução de Paulo Aureliano da Mata
Revisão de Tales Frey
“Ensinar a alma a viver sua vida, não a salvá-la… converter-se em filho de seus próprios acontecimentos… Ser digno do que se sucede… Extrair de um acontecimento, por menor que seja, algo alegre, amoroso, um fulgor, um encontro, uma velocidade, um devir, justamente o contrário de se fazer um drama ou uma história… Atravessar o horizonte, entrar em outra vida… compreender que os que haviam sobrevivido eram os que haviam realizado uma verdadeira ruptura… a experimentação, por si só, é a nossa única identidade, a única possibilidade para todas as combinações que nos habitam… há que se perder a própria identidade, o rosto… ser capaz de amar sem recordação e sem interpretar… experimentação-vida… experimentar, jamais interpretar… desaparecer, devir desconhecido…”
Gilles Deleuze
A luz interior
Não quero que sofras minha paixão
nem por uma só noite.
Em um espaço enorme. Uma adolescente. Passos de meninas no apartamento. Não há azulejos nas paredes; são somente paredes. Prateleiras com mercadorias. Em um canto, o banheiro, com privada e uma corrente de descarga. No extremo do fundo há um chuveiro. Acoplado ao cano do chuveiro, um aparelho, com resistência, ligado a uma tomada. É um aquecedor de água elétrico. Do teto pende uma lâmpada. Seu cabo se perde nas alturas por uma fenda da porta que dá ao pátio. Debaixo do chuveiro, há uma bacia laranja, cheia de água com sabão. Há uma pia gigante, com um pé voluptuoso que assenta sobre o piso em forma de garra. A única torneira é de bronze e goteja. Do chuveiro, também caem gotas, que vão transbordando da bacia e formam um fio de água que escorre lentamente para um grande ralo que há no centro do espaço.