Autor Andrea Stelzer
Histórias de família e a poética do real
A Cia Amok, através da trilogia da guerra, vem propondo uma reflexão sobre as subjetividades que vivenciam grandes conflitos bélicos e também uma nova forma de fazer um teatro político. Em Dragão, de 2008, o tema era o conflito entre palestinos e israelenses, a partir de depoimentos tirados da realidade, como no teatro documentário. Em Kabul, de 2010, a matéria principal partiu do romance Andorinhas de Kabul e de uma imagem real de uma mulher de burca sendo assassinada no estádio de Kabul para falar da total perda de humanidade. Em Histórias de família, a Amok optou por representar um texto dramático de uma escritora sérvia que vivenciou a guerra da Bósnia.
Para falar do aniquilamento de pessoas que a guerra causou na Bósnia, Biljana Srbjanovic escreveu Histórias de família. O conflito na ex-Iugoslávia testemunha uma limpeza étnica comandada pelas tropas sérvias, marcando a irrupção da barbárie na própria Europa. Neste caso, o real se torna tão imediato e possui uma tal dimensão de barbaridade que foi preciso fazer uma elaboração estética complexa. A autora trata de um drama familiar interpretado por atores que interpretam crianças, que por sua vez brincam de representar os adultos. Ela quis mostrar a falta de coerência do mundo dos adultos e de como eles podem se comportar como crianças de uma maneira irresponsável com as questões do mundo.
Teatro de Operações
Antes de falar sobre a teatralidade na peça de Castellucci devo narrar o acontecimento da estréia e dos dias seguintes em que a peça esteve em cartaz, que mobilizou a polícia para garantir a ordem no Théâtre de la Ville. A peça que, ao fundo do cenário, reproduz o rosto de Cristo pintado por Antonello da Messina em Salvator Mundi, retrata a história de um pai, velho, com incontinência fecal, e que é ajudado pelo filho. É na incontinência do homem e na constante presença das suas fezes no cenário que o Instituto Civitas, um grupo francês fundamentalista, viu uma ofensa à religião católica.
O grupo extremista desde a estreia da peça, dia 20/10/11, tentou por várias vezes forçar a interrupção e o cancelamento do espetáculo acusando o encenador Romeo Castellucci de “cristianofobia” e desrespeito à imagem de Jesus. A situação provocou reações não só do próprio encenador e do Théâtre de la Ville, mas também da Igreja, que condena os atos de violência, defendendo que a Igreja promove e incentiva o diálogo entre a cultura e fé.