Muros e passagens

Conversa com a equipe de realização do FITU – Festival Integrado de Teatro da UNIRIO

21 de dezembro de 2013 Conversas

“Este evento, proposto por alunos representantes das cinco habilitações da Escola de Teatro da UNIRIO, tem como ponto de partida o desejo de organizar um festival integrado da Escola de Teatro, no qual os alunos dos diversos cursos poderão expor seus processos de trabalho em andamento, espetáculos apresentados nas PMTs, projetos de iniciação científica e extensão, bem como participar de oficinas, workshops e seminários interdisciplinares, com a presença de professores da casa e de convidados externos. Nesse sentido, ressalta-se o intercâmbio de ideias, produções e abordagens que, no decorrer do evento, será priorizado no bojo das atividades que terão lugar neste período, possibilitando a formação de novos laços e trocas entre grupos e companhias, pesquisadores e professores, sublinhando o caráter plural e de articulação da Universidade.”

DÂMARIS e MARIANA: O texto acima é a descrição do festival no site do FITU. Como se deu essa ideia e a articulação entre os cursos, alunos, professores e público?

EQUIPE FITU: De modo geral, o FITU é fruto de uma série de indagações e discussões iniciadas em 2012, no interior de uma disciplina do curso de Estética e Teoria do Teatro, da UNIRIO, no qual, frequentemente, nos perguntávamos pelo nosso papel e nossas possibilidades de atuação/intervenção em um curso superior de Artes Cênicas, enquanto críticos, atores, diretores, professores ou cenógrafos. Por outro lado, inúmeros alunos tinham o desejo de construir uma mostra coletiva, na qual pudéssemos abrir as portas da Escola para o público externo, construir espaços de diálogo entre nós e a comunidade e entre os próprios alunos, problematizando os (des)encontros, as fronteiras esgarçadas (mas ainda existentes) entre as habilitações – a despeito de uma formação teórica repleta de interseções. O evento, nesse sentido, foi a tentativa de responder a estes desejos e problemas, propondo outros modos de ocupação dos espaços da universidade, bem como novas dinâmicas de sociabilidade que embaralhassem um pouco as cartas distribuídas pela vinculação de cada aluno a um departamento.

Um primeiro esboço dessa resposta se deu em 2012 mesmo, quando organizamos, ainda no seio de uma disciplina da grade de Teoria do Teatro, Iniciação à Prática de Montagem Teatral, em que os alunos-teóricos discutem sua inserção nas montagens da Escola, um seminário intitulado “Práticas de montagem: Qual é o seu papel?”. Nesta ocasião, convidamos professores de todos os cinco departamentos do curso de Artes Cênicas, com vista a (re)pensar estas margens e uma espécie de “topografia” desses lugares de atuação, e o modo pelo qual, em uma escola de teatro de excelência como a UNIRIO, os diálogos podem ser sempre afinados, para além de toda territorialização departamental.

Nesse horizonte, seguiu-se uma série de outros eventos, essenciais para que um grupo fosse progressivamente formado, ao sabor dos encontros, das demandas, e das reuniões formais que fomos organizando ao longo de seis meses, até que a estrutura de organização do evento em pequenas comissões foi consolidada. É imprescindível ressaltar aqui todo o esforço e apoio da Escola de Teatro e, sobretudo, da professora Dra. Marta Metzler, sem a qual este projeto não teria sido concluído de forma tão exitosa.

DÂMARIS e MARIANA: O festival carrega em seu nome a palavra integrado que contém o sentido de interação entre as disciplinas e trabalhos dos alunos na faculdade – sejam práticas de montagem, performances, exposições, filmes, para falar do caráter propriamente artístico do Festival. Em que medida esse esforço de interação entre as partes é importante para recriar na UNIRIO o espaço de grandes mostras, festivais e uma efervescência artística que congregue o público da própria escola, de outros cursos do campus e o de fora?

EQUIPE FITU: Nosso objetivo era gerar atravessamentos e convidar o público externo, visando a ultrapassar os muros da universidade, para, em contato com pessoas que não frequentam aquele espaço, propor formas de convívio, de experimentação, de contato com o que é produzido em um curso de teatro e sua recepção. Ademais, tínhamos a ideia de formação de público, trazendo escolas das imediações para participar das atividades e, sobretudo, aqueles que, estando entre nós, dificilmente podem ver os trabalhos dos alunos, como os servidores da Escola. Deste modo, a preocupação com o entorno social da universidade e com a tentativa de “deselitizar” os espaços esteve muito presente em nosso horizonte propositivo. Para alguns, o fato de a UNIRIO ser na Urca já é uma barreira – pensemos, por exemplo, que a própria partilha da cidade já delimita o acesso de determinados públicos a certos lugares e, simbolicamente, exclui uma massa de indivíduos -. E, felizmente, sobretudo no final de semana, vimos um público bastante heterogêneo ocupar os jardins e salas da universidade, dialogando com os objetos estéticos, percorrendo as exposições, encantados com a qualidade dos trabalhos que viam.

DÂMARIS e MARIANA: Ao definir o festival fica evidente o papel da integração e da pluralidade contida na universidade. Ela desempenha um papel de articulação dos anseios artísticos que é motor importante na construção desse evento. Como se deu essa articulação? Em que grau houve intercâmbio entre o corpo discente e o docente nesse processo?

EQUIPE FITU: Em meio a este processo de organização do FITU descrito anteriormente, mas também ao longo do evento, recebemos grande apoio institucional e de diversos professores da casa. Foi determinante, por exemplo, o auxílio do diretor da Escola de Teatro, Prof. Dr. Luciano Maia, e o diálogo constante com a Profa. Dra. Marta Metzler (tanto em suas aulas como nos encontros preparatórios do festival). E não há como deixar de notar o apoio do Prof. Ms. Renato Icarahy e a presença dos professores que gentil e generosamente aceitaram nosso convite para participar das mesas: Christina Streva, Rosyane Trotta, Laura Erber, Marina Henriques, Ana Achcar, Inês Cardoso, bem como todos os professores que prestigiaram o evento liberando os alunos das aulas previstas para aquele horário e propondo trabalhos integrados a programação. Todas essas trocas e encontros foram fundamentais para a realização do FITU.

DÂMARIS e MARIANA: Tendo em vista o tema “De muros e de passagens: o teatro, a universidade e a sociedade”, qual o teor político do festival e de que maneira vocês desejam que o festival possa ir além dos muros da universidade?

EQUIPE FITU: Tendo por tema “De Muros e de Passagens: o Teatro, a Universidade, a Sociedade”, buscamos ressaltar essa indissociável articulação entre a arte, pensamento e a reverberação social do que fazemos. Compreendido de modo expandido e concebendo que toda operação estética é política, mas sem determinações específicas, o teatro está nessa zona de contato entre a instituição acadêmica e a esfera social; nesse lugar, não raro, problemático, acusado, por vezes, de se preocupar demasiado com seu regime estético e desconsiderar suas possibilidades interventivas; e, por outro, pelo alcance irrisório quando se propõe ser um agente indispensável da transformação social. Nesse tensionamento, vários aspectos foram discutidos e continuam sendo pensados por nós – sobretudo, pós-FITU -, com matizes variadas, que vão desde os esforços de promover a acessibilidade e a expansão do público, ao convite para a formação de uma mesa de debates com os artistas do movimento Reage Artista, para pensar as políticas de fomento das artes e cultura na cidade e a necessidade de politização dos artistas. É notório também que, à ocasião do FITU, estando os professores da rede estadual de ensino em greve, e presenciando diariamente a conduta truculenta da polícia carioca, resolvemos, conjuntamente, emitir uma nota de repúdio à violência e à criminalização dos movimentos sociais. Um gesto absolutamente simbólico, mas pelo qual expressamos, em nome de todos os alunos, nossa indignação. Somos artistas, sim, mas também atores sociais e, a despeito de estarmos em plena realização do festival, não estivemos indiferentes aos acontecimentos políticos do momento e aos seus reflexos.

DÂMARIS e MARIANA: Como se deu o processo de curadoria dos trabalhos em todas as áreas atingidas do festival?

EQUIPE FITU: Tanto a Comissão de Exposições como a de Espetáculos (responsável também pelas performances, cenas curtas e filmes-teatro) não operaram, nesta primeira edição do evento, através do processo de curadoria. As inscrições das exposições foram realizadas por e-mail de acordo com orientação previamente divulgada no site do FITU (www.fitu.com.br); as das outras produções, também por e-mail de acordo com edital divulgado no mesmo endereço.

Embora tenhamos tido, inicialmente, a intenção de selecionar apenas 12 espetáculos para compor o FITU 2013, conforme se lê no edital, optamos, enquanto recebíamos as inscrições, por tentar contemplar o maior número possível de inscritos. A ideia, com isso, foi a de permitir, na medida do possível, a participação de qualquer interessado em compartilhar seu trabalho produzido no âmbito de nossa universidade, desde que preenchidos os requisitos mínimos (50% dos participantes deveriam ter algum vínculo com a Escola de Teatro da UNIRIO, por exemplo). Aproximadamente 90% das inscrições recebidas compuseram a programação oficial do evento. Os 10% restantes não vieram a participar do evento por inadequação do projeto, falta de material no ato da inscrição ou desistência. Não abrimos as inscrições para trabalhos realizados fora da UNIRIO. Antes da chuva, dirigido por Rodrigo Portella, compôs a programação como espetáculo convidado.

Já os temas e participantes das mesas e palestras tiveram uma comissão à parte e resultaram das proposições de seus integrantes.

DÂMARIS e MARIANA: O Antes da chuva é dirigido por um ex-aluno da UNIRIO. Vocês falaram que esse foi o único espetáculo de fora que foi convidado para abrir a primeira edição do festival. É importante que a universidade abra as portas para trabalhos de alunos antigos? Qual o valor disso para as novas gerações de estudantes?

EQUIPE FITU: O convite feito a um ex-aluno enfatiza nosso desejo de dar a ver, tanto aos docentes, discentes e funcionários, como ao público em geral, o que temos produzido artisticamente no âmbito de nossa universidade. Nesse sentido, trazer à programação tanto experimentos cênicos realizados por alunos – tenham eles resultado em espetáculos, cenas curtas ou performances – como trabalhos de caráter profissional realizados por formados, só pode enriquecer nosso modo de perceber o teor da formação oferecida, ontem e hoje, pela Escola de Teatro da UNIRIO. Entrar em contato com um espetáculo como Antes da chuva, igualmente, permite aos estudantes, sejam eles graduandos da própria universidade ou adolescentes interessados na carreira, notar alguma perspectiva de mercado na área das artes cênicas.

DÂMARIS e MARIANA: No site vocês afirmam a importância de pessoas de fora, de um público externo ter a possibilidade de assistir às práticas de montagem da UNIRIO para que elas tenham maior visibilidade, alcance. Como se dá isso? Quais os esforços para trazer um público de teatro que nem sempre tem a oportunidade de assistir aos trabalhos dessa universidade? Isso está relacionado ao fato de a mostra prática da UNIRIO não ter um público mais diverso e cativo como a, por exemplo, tem a Mostra de Teatro da UFRJ? Qual a importância desse chamamento do público para os trabalhos que são feitos na escola?

EQUIPE FITU: Por ter sido a primeira edição do FITU, evidentemente, buscamos constituir um espaço de legibilidade e de visibilidade que ainda não temos. Sendo o primeiro, experimentamos toda sorte de dificuldades, acentuada porque, em paralelo aos esforços de formalização do projeto e organização, estávamos aprendendo juntos como se dá o modo de operação de um evento de grande porte. Tivemos dificuldade de circulação das chamadas nos veículos da grande imprensa, e, portanto, de propagar mais amplamente nossa iniciativa. É difícil acreditarem em empreitadas sem a sustentação de grandes empresas ou que tenham já uma “história”. O mais importante, de fato, era promover o encontro entre o público externo e os jovens artistas universitários. O afluxo maior de pessoas e a autonomia de expectação virão à medida que o Festival se consolidar no calendário artístico-cultural da cidade, ainda que seu formato e objetivos sejam bastante singulares.

DÂMARIS e MARIANA: De que forma os alunos de Teoria do Teatro integraram o Festival? Falem um pouco sobre a proposta dos seminários, mesas-redondas e palestras. Como foi a repercussão dentro do FITU? Este público também era constituído de pessoas de fora dos muros?

EQUIPE FITU: Os alunos de Estética e Teoria do Teatro integraram o festival de várias maneiras. Alguns como público, outros como artistas. Mas tivemos também alunos teóricos integrando as comissões de memória e crítica, espetáculos ou mesas e palestras. Entendendo a importância de se pensar o teatro nos âmbitos estéticos e éticos, em como o teatro está inserido nas práticas culturais, políticas e artísticas da universidade e da sociedade, os temas das mesas e palestras foram pensados na tentativa de abarcar segmentos e reflexões que de alguma forma problematizassem e apresentassem experiências vivas sobre o teatro, a universidade e a sociedade. Podemos também ressaltar nosso cuidado em compor essa programação específica com profissionais da escola e de fora dela, providenciando também aí o encontro do interno com o externo. E, claro, devemos reafirmar nossa alegria com o resultado obtido. Alunos de todas as habilitações da graduação, alunos da pós-graduação, interessados que não estudam na escola: todos estiveram presentes. Os encontros ali estabelecidos levantaram debates preciosos e por vezes foram importantes fundando novas parcerias e trocas entre os participantes. Encerramos os trabalhos com um balanço coletivo e apuramos a importância de seguir fomentando esse espaço de reflexão dando ênfase a sua divulgação nas próximas edições, no intuito de formar também um público diverso para a fruição dos debates teóricos.

DÂMARIS e MARIANA: O site fala de uma proposta de exercícios de escrita da crítica, que seria realizado pelos alunos teóricos. Qual foi o resultado dessa prática?

EQUIPE FITU: Recebemos alguns textos interessantes, elaborados durante a oficina de crítica com a Daniele Avila Small, inclusive algumas foram publicadas também na revista Questão de Crítica. Mas ainda sentimos falta dessa integração entre teoria e prática, e percebemos a necessidade de problematizar esse lugar, isto é, fazer com que os estudantes percebam que teorizar é também uma forma de criação, trabalho sobre matéria complexa, e toda criação está sempre imbuída de teoria. O FITU foi importante para repensarmos o próprio lugar da crítica e da teoria dentro da Universidade. Demos abertura para que todos os alunos pudessem enviar suas críticas, resenhas, pensamentos, processos de trabalho, entre outros, como uma forma de estimular a reflexão sobre os trabalhos apresentados e sobre o festival. Acreditamos que esse lugar do registro, da crítica, de pensar processos e resultados por meio do exercício da escrita, não cabe somente aos alunos do curso de Estética e Teoria do Teatro. Para a próxima edição, estamos pensando em formas de estimular mais o debate e a produção crítica durante o festival. Queremos ouvir o que os alunos de diversos cursos pensam sobre o exercício crítico e sobre os trabalhos realizados dentro da universidade.

DÂMARIS e MARIANA: Qual o saldo dessa primeira edição? Os novos rumos, caminhos, acertos e erros para as próximas edições?

EQUIPE FITU: Já começamos a pensar a segunda edição do FITU, em 2014, tendo por objetivo ampliar o alcance do festival e tornar ainda mais frutífero o intercâmbio de práticas, ideias e discursos. Nestes cinco dias, contabilizamos 65 horas de atividades, com 220 pessoas trabalhando diretamente. Ao todo, foram apresentados 18 espetáculos, 14 cenas, 4 performances, 2 filmes-teatro; além de 4 oficinas, 10 exposições, 7 apresentações de pesquisa, 7 mesas-redondas e 2 palestras. Ao que tudo indica, ampliaremos nosso repertório para o próximo ano e estimularemos o campo de experimentação de linguagens, de dramaturgias emergentes e de discussões que congreguem todas as esferas da produção/recepção de espetáculos. A Escola de Teatro continua de portas abertas, reafirmando o aspecto coletivo da arte teatral e a necessidade de criar e manter espaços permanentes de discussão e intervenção no cenário artístico da cidade.

Equipe FITU: http://www.fitu.com.br/p/ficha-tecnica.html

Informações sobre o FITU: http://www.fitu.com.br/

Dâmaris Grün é atriz formada em Teoria do Teatro pela Unirio e faz a coordenação geral do Prêmio Yan Michalski para o Teatro em Formação.

Mariana Barcelos é atriz, estudante de Artes Cênicas – bacharelado com habilitação em Teoria do Teatro pela UNIRIO, e graduanda em Ciências Sociais da UFRJ.

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A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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