Shocktoberfest: Thrillpeddlers apresentam sangue, luxúria e gargalhadas.

Tradução de Paulo Biscaia Filho para a crítica do espetáculo da Vigor Mortis

17 de novembro de 2010 Traduções

Publicado originalmente em 15 de outubro de 2010 no link: http://blogs.sfweekly.com/shookdown/2010/10/shocktoberfest_delivers_blood.php

Os Thrillpeddlers(1)  fizeram jus a seu nome entregando uma mistura sanguinolenta de luxúria, terror e comédia em três peças de um ato e mais uma quarta peça em colaboração com uma companhia visitante de brasileiros sedentos por sangue.

O evento anual promovido pela companhia de San Francisco chama-se Shocktoberfest 2010: Kiss of Blood. Desta vez ele traz antigos instrumentos de tortura, drag queens vingativas, mutilações, roupas reveladoras, uma canção cômica, um machado, uma furadeira, diversas facas, e sangue… muito sangue.

Kiss of Blood é uma peça que estreou originalmente na década de 20 no Théâtre du Grand Guignol, uma companhia Parisiense cujo principal objetivo era chocar e tirar o fôlego da platéia com uma encenação graficamente violenta. As outras duas peças do programa, Lips of the Damned e The Empress of Colma, são textos originais que homenageiam o conceito. Dois atores do Thrillpeddlers se juntaram aos integrantesda companhia brasileira Vigor Mortis – que também se baseia no Grand Guignol – para a peça The Forsaken Laboratory.

Apesar de alguns momentos arrastados, deslizes em entonações e certos atrapalhos nas falas, o timing e a entrega dos atores do Thrillpeddlers flutuam entre o bom e o impecável.

Em nenhum outro lugar isso esteve mais aparente do que em The Empress of Colma, que conquistou mais gargalhadas entre todas as peças. Três drag queens com bagagens diferentes se ofendem mutuamente durante a preparação de um concurso de beleza na Cidade dos Mortos(2). Uma estudante de odontologia amiga do grupo rouba do depósito de seu curso um vidro de Pentatol Sódico – um barbitúrico conhecido também como soro da verdade – e eleva a ofensa da cena para agressão física e letal.

A atual imperatriz de Colma, Crystal (interpretada pelo diretor e produtor da Shocktoberfest, Russell Blackwood) impõe seu staus sobre (Eric Tyson Wertz) e Sunny (Birdie-Bob Watt). Suas expressões de soberba podem ser exemplificadas no momento em que ela percebe um pouco de enchimento de tecido sair do sutiã de Patty. “Peitinho de lenço é tão segundo lugar!”, late Crystal. A Impetratriz esconde ainda um grande e tenebroso segredo que envolve a morte de sua irmã gêmea. Quando o segredo é revelado, o combate verbal se intensifica, somado a um ataque com um ferro de passar roupa, um braço de manquim, e uma agulha de tricô.

Considerando as prévias cicatrizes das ofensas verbais, o fim não chega como uma surpresa. A plateia parece vibrar com a desgraça alheia.

O mesmo não pode ser dito sobre os personagens que morrem em Kiss of Blood. Apesar de alguns momentos cômicos, a peça é a que mais traz terror e surpresas. O que inclui um momento longo de blecaute, seguido de objetos fosforescentes dançantes no complementar “spook show” (gênero com origem nos cinemas americanos da década de 30).

Wertz está particularmente convincente como Monsieur Joubert, um homem torturado por uma dor sem explicação e pelo segredo terrível de sua origem.

Um segredo é acidentalmente revelado em Lips of the Damned. O rico colecionador Marcel (Flynn DeMarco) se depara com um ménage-a-trois que envolve sua mulher (Kara Emry), Andre (Daniel Bakken) – e uma guilhotina. A introdução sadomasoquista é substituida por armadilhas mentais de Marcel que garantem o fim trágico dos dois amantes. Bakken e Emry encontraram o melhor de suas atuações nesta peça. O ator encontrou ressonância com a platéia sabendo lidar com as particularidades do personagem Andre, que não tinha conhecimento dos fetiches de sua amante. Emry brilha durante a troca física e verbal com Andre, forçando seu amante indefeso a confessar crimes imaginários para que ela possa puní-lo por prazer.

Rafaella Marques da trupe brasileira Vigor Mortis tem uma surpresa sangrenta durante uma operação em The Forsaken Laboratory. Foto: Keith Bowers

Antes de apresentar a Vigor Mortis, Blackwood prometeu a plateia que eles veriam algo completamente diferente das peças apresentadas antes. The Forsaken Laboratory foi exatamente isso. A trupe brasileira fez um filme chamado Morgue Story, e sua produção teatral mostra suas tendências cinematográficas. Laboratory tem o clima de Eraserhead, elementos emprestados de Alien, e uma trilha sonora de 007 contra Goldfinger. O elenco trabalha quase que somente com o movimento e adereços. As poucas falas – ditas em português e latim atingem o alvo na mosca.

Nota complementar:

Somando-se a crítica publicada no Blog de Keith Bowers para o periódico SF Weekly, o mesmo periódico publicou uma nova crítica sobre o trabalho da Vigor Mortis em sua versão impressa para a semana de 31 de outubro. O texto de Nathaniel Eaton diz:

“… Talvez seja por isso que eles (os Thrillpeddlers) tenham convidado a brilhante companhia Brasileira de Guignol (sic) Vigor Mortis para apresentar com eles um um programa adicional em sessões selecionadas (28-31/out). A peça de um ato O Laboratório Maldito é imperdível. Trata-se de uma pantomima de horror incrivelmente bem resolvida que envolve um padre, uma freira, e um homem dando à luz um demônio. Isso parece sim mostrar o verdadeiro potencial do Grand Guignol.”

Notas de tradução:

(1) A tradução literal para o nome da companhia Thrillpeddlers é “Mascates de Emoção”

(2) A cidade de Colma na California tem a maior parte de sua área dedicada a cemitérios que recebem cadáveres de regiões próximas. Existe uma paridade de aproximadamente 1.000 túmulos para cada morador de Colma.

Publicado originalmente em 15 de outubro de 2010 no link: http://blogs.sfweekly.com/shookdown/2010/10/shocktoberfest_delivers_blood.php

Outras informações no site do grupo: http://www.vigormortis.com.br/home/Home/Home.html

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