Francisque Sarcey
Tradução de Helena Mello do texto sobre o crítico francês Francisque Sarcey
Os textos de Gustave Larroumet (1852-1903) – professor na Sorbonne, membro do Instituto, diretor das Belas Artes depois Secretário perpétuo da Academia de Belas artes e Jules Lemaître (1853-1914) – escritor, critico, acadêmico que foi uma das grandes vozes do anti-dreyfusismo à frente da Liga da Pátria Francesa, são homenagens póstumas a Francisque Sarcey. Estes artigos, paradoxalmente, parecem justificar todas as críticas formuladas enquanto vivo.
[…] Como todos os escritores originais, Sarcey representou duas coisas : ele mesmo e seu tempo, quer dizer, um caráter original e a vida intelectual de uma geração. Francês de origem, ele trouxe do nascimento um conjunto de qualidades essenciais e atávicas : a necessidade de compreender e de julgar por ele mesmo, que é a razão e o senso do justo e da prática, que é o bom senso, o dom de destacar razão e bom senso pela notação rápida, viva e engraçada, dos relatos e dos contrastes, que é o espírito. […]
De 1860 a 1880, o acordo foi perfeito entre Sarcey e sua geração, entre o crítico, seus autores e seus leitores. O dia no qual ele tomou posse dos folhetins dramáticos, no início “Opinion Nacionale” depois, “Temps”, ele deve ter experimentado uma das alegrias mais intensas que podem acontecer a um homem na profissão para qual ele nasceu e que ele vai exercer nas condições mais adequadas à natureza de suas faculdades. Ele via sobre a cena uma escola dramática da qual os mestres de cerimônias, em diversos níveis, davam vida dramática ao que ele amava: a observação realista traduzida pelos processos clássicos. […]
E, todas as noites, Sarcey era perfeitamente feliz. Ele via as “peças bem feitas” e as “cenas por fazer”. Ele seguia a aventura do personagem simpático e escutava os discursos brilhantes do argumentador, de Desgenais* e de Olivier de Jalin. Nós nos amávamos, nós nos detestávamos, nós nos casávamos, nós nos matávamos dentro das regras. Ele explicava ao público esta arte factícia e verdadeira; ele dizia o forte e o fraco de cada autor; ele tirava uma estética clara desta rica produção. Franco e claro, nulamente sustentado por suas camaradagens, perfeitamente independente, ele dizia sempre seu sentimento, discutia com bom senso e uma lógica assustadora. Ele aconselhava autores, diretores e atores com uma atenção sem lapso, uma rara certeza de julgamento, uma autoridade sem arrogância.
Firmemente convencido de suas próprias idéias e muito afirmativo, ele lutava pelo que ele acreditava ser o bom e o verdadeiro teatro, contra quem quer que lhe parecia se afastar, mesmo que fosse o público, pois ele não tinha medo de ninguém, mesmo do monstro de mil cabeças, e nada era mais injusto do que lhe acusar de ter sempre seguido a opinião da maioria. Ele conduziu muitas campanhas, em nome da verdade, a verdade dele, como sempre, mas quantos poucos críticos continuaram tão fiéis a sua própria opinião? Sarcey nunca foi um homem de uma camarilha ou de um partido. Ele jamais criou vínculos; ele nunca abraçou o interesse de um autor para tirar proveito. Sempre este bom e firme julgamento traduziu uma consciência de homem honesto.
Ele escrevia uma língua límpida e alerta, seguidamente negligente, sempre saborosa. Sem nenhuma pretensão de estilo, ele tinha um estilo original. Ele seguia o francês do século XVIII, claro e lógico, pouco colorido e sem poesia; mas que expressava seu caráter e, por sua franqueza, sua familiaridade, seu bom humor, seu caráter era de uma qualidade rara. Ele conduzia polêmicas extremamente diversas e instrutivas, onde ele se colocava por inteiro […].
Mas, então, desde a guerra de 1870, uma transformação profunda ocorria na sociedade francesa e começava a se fazer sentir sobre o teatro. A tristeza da derrota, o surgimento da democracia, uma filosofia positiva e triste, um egoísmo crescente nos arrogantes, graves problemas de economia social deviam necessariamente se traduzir pela escolha de novos temas e sua condução.
A influência das literaturas estrangeiras se tornou rapidamente muito forte, com o surgimento de Ibsen. Uma jovem escola, ousada e violenta, encontrava em Antoine seu campo de experiência. Ela ostentava em alto estilo a pretensão de romper não somente com Scribe, mas com Augier e Dumas. Ela não via a vida em rosa e os costumes, ela entendia que devia mostrá-los tal como ela os via, amargos e tristes. Ela era pretensiosa e desastrada, em suas aspirações legitimas. Ela entendia substituir a convenção pela verdade, mas ela recusava admitir que existisse em todos os gêneros uma parte necessária do ofício, e que é necessário aprender.
O francês de outrora que era Sarcey, homem de inteligência clara e de humor alegre, foi completamente surpreendido por tudo isso. Ele não colocou nenhum mal humor em seu espanto, pois ele não considerava nada trágico, e, se ele tinha sempre o calor do entusiasmo da convicção, ele não se importava com nada. Mas ele fez lealmente um grande esforço para compreender e admitir a transformação que acontecia sob seus olhos. Para conseguir isso, ele precisou parar de ser ele mesmo, mudar sua natureza, se modificar totalmente, a isso, desde que o homem é homem, ninguém conseguiu. Cada um de nós pensa e sente com o seu tempo, cada um vive da vida comum e sofre suas conseqüências; cada um deve se resignar a sua velhice, quer dizer, a renúncia. Sarcey não podia escapar à lei comum. Ele conservava toda a sua autoridade sobre a massa do público, ele fazia uma grande força de resistência ao poder do teatro novo. Mas a juventude lhe escapava e, por sua vez, a algumas noites de teatro, ele acreditava que tais peças tinham por objetivo principal “debochar” como ele dizia. […]
Gustave Larroumet, feuilletons du Journal Le Temps, in Estudos de críticas dramáticas, 8 avril 1901.
Nota:
*Desgenais é um dos personagens de uma peça de Théodore Barrière (1823-1877) As filhas de mármore. Francisque Sarcey se queixa que não havia mais bons vaudevillistes fora do “círculo estreito que traçam Labiche, Gondinet, Halévy e Barrière”
FONTE: Un siècle de critique dramatique – De Francisque Sarcey à Bertrand Poirot-Delpech. Sob a direção de Chantal Meyer-Plantureux . Edição Complexe, 2003