Vol. VII, nº 63, dezembro de 2014

“Como relato, o amor é uma história que se cumpre, no sentido sagrado: é um programa que deve ser recorrido. O apaixonamento é um drama, se devolvemos a essa palavra o sentido arcaico que lhe deu Nietzsche: ‘O drama antigo tinha grandes cenas declamatórias, o que excluía a ação (esta se produzia antes ou fora de cena). O rapto amoroso (puro momento hipnótico) se produz antes do discurso y atrás do proscênio da consciência: o “acontecimento” amoroso é de ordem hierático: é minha própria lenda local, minha pequena história sagrada que declamo a mim mesmo, e essa declamação de um feito consumado (coagulado, embalsamado) é o discurso amoroso. A jornada amorosa parece então seguir três etapas (ou três atos): está em primeiro lugar, instantânea, a captura (sou raptado por uma imagem); vem então uma série de encontros (visitas, conversas telefônicas, cartas, pequenas viagens) no curso dos quais ‘exploro’ com embriaguez a perfeição do ser amado, ou seja, a adequação inesperada de um objeto ao meu desejo: é a doçura do começo, o tempo próprio do idílio. Esse tempo feliz toma sua identidade de que se opõe (ao menos na lembrança) à ‘sequela’: a sequela é um grande rastro de sofrimentos, feridas, angústias, desamparos, ressentimentos, desesperos, penúrias e armadilhas de que sou presa”.

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso.

“Estás clavada en mí como un puñal en las carnes”

Jorge Caldara e Mario Soto, Pasional. Tango.