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Modos de dizer
A peça Incêndios, de Wajdi Mouawad, esteve em cartaz no Teatro Poeira no segundo semestre de 2013, com direção de Aderbal Freire-Filho. A seguir, Daniele Avila Small e Dinah Cesare conversam com a tradutora da peça, Angela Leite Lopes.
DINAH: Wajdi Mouawad, na apresentação da dramaturgia de Incêndios, nos diz que escreveu seu texto aos poucos, por meio de relações que estabeleceu com dados que surgiam dos atores durante os ensaios. Tal aspecto encontrou alguma ressonância em sua tradução? Os atores da produção brasileira entraram em contato de algum modo com a tradução durante o processo?
ANGELA: Melhor eu contar como foi o processo de tradução da peça… O Felipe de Carolis, idealizador do projeto, me procurou para encomendar a tradução. Ele ainda não tinha nada fechado em termos de criação do espetáculo: direção, elenco etc. Fiz uma primeira versão da tradução e enviei pra ele. Sempre faço assim: termino a primeira versão e organizo uma leitura durante a qual eu acompanho no original. É o momento de conferir se pulei alguma frase, pedaço de frase ou palavra… É o momento de ouvir o texto em português e testar a partitura rítmica. É o momento também em que alguns sentidos se revelam com mais clareza e que se começa a verificar se algumas opções de estilo estão funcionando e de ir limpando os galicismos. É muito importante pra mim nas primeiras versões (porque é necessário fazer várias revisões da tradução) permanecer o mais próximo possível das opções estilísticas do autor, não ir transformando logo tudo no “em português se diz assim ou se usa isso” porque em teatro muitas vezes algumas expressões idiomáticas são na verdade momentos em que o texto se coloca como elemento de jogo mesmo, como um contracenar, e não está ali simplesmente para expressar uma ideia…
Carpintaria – o drama e a cena (apontamentos e dúvidas)
Nota: O texto contém spoilers, ou seja, revelações a respeito do enredo.
A montagem do espetáculo Incêndios de Wajdi Mouawad (traduzido por Angela Leite Lopes) com direção de Aderbal Freire-Filho, em cartaz no Teatro Poeira, traz à tona o debate acerca da carpintaria da dramaturgia contemporânea que se constrói a partir de um eixo dramático nuclear edificador de toda a estrutura da fábula.
Se se entende ainda hoje o drama como um modelo abstrato que une num mesmo ponto o tempo, o espaço e a ação, a peça de Mouawad não deve ser considerada drama. Entretanto, se deixarmos de lado essa premissa radical do que seria o drama absoluto, rastrearemos modelos existentes no qual a unidade da trama da fábula percorre uma lógica causal (atravessando espaços e temporalidades diversos) culminando num núcleo dramático, em que a história acaba se apresentando através da integração de acontecimentos. Assim sendo, Incêndios deverá ser examinado como um drama cuja experiência fragmentária da contemporaneidade se costura em uma coesão dramática.