Críticas
Correspondências que ultrapassam os tempos

A narrativa do espetáculo que está em cartaz no Poeirinha, Eu é um outro, dirigido por Isabel Cavalcanti e com dramaturgia assinada por Pedro Brício, constitui-se de fragmentos que recriam, no palco, a vida particular do poeta francês Artur Rimbaud. Intercalam-se a essas imagens, outros dois episódios que se aproximam do nosso tempo presente, instaurando conflitos que se deixam afetar pelo legado literário do poeta.
Como dedicar uma Balada

(Atenção: contém spoilers)
A peça de David Greig The Strange Undoing of Prudencia Hart, dirigida por Wils Wilson e realizada pelo National Theatre of Scotland (NTS), acontece em espaços alternativos, como pubs, bares ou restaurantes. No Festival Cena Brasil Internacional, no Rio de Janeiro, o palco dessa experiência fantástica foi o restaurante Cais do Oriente. Uma banda de Folk já está em plena ação enquanto o público entra no restaurante. Há a opção, amplamente aproveitada pelos espectadores, de acompanhar o espetáculo tomando vinho, cerveja ou alguma outra bebida. Os atores recebem o público em suas mesas e logo os engajam na função de rasgar guardanapos – que servirão como tempestade de neve no universo fictício em que se inicia a jornada da heroína Prudencia Hart.
Irresponsabilidades aos olhos do voyeur

Ser espectador diante de um espetáculo da companhia colombiana La Maldita Vanidad é assumir a posição de voyeur. A encenação hiper-realista oferece-se como um pacto de ilusão, pelo qual se falseia o testemunho de um acontecimento da vida alheia. Eis o paradoxo no qual o grupo envolve o público: quanto mais persegue o real nos menores detalhes de ações, falas e espaços, mais se torna capaz de fazê-lo suspender a descrença, ou seja, de iludi-lo. O efeito de ilusão, contudo, depende da radicalidade no uso dessa linguagem e da complexidade da situação em que é empregada, e está sempre sob o risco de se desfazer. No limite do hiper-realismo, qualquer fissura pode desestabilizar o pacto.
A impossibilidade da representação do trauma

Ao redor de uma mesa de reunião, três mulheres jovens debatem o destino de um terreno. A cena armada com tal simplicidade pelo dramaturgo e diretor chileno Guillermo Calderón vem de encontro à noção da impossibilidade da representação do trauma que sustenta o espetáculo Villa, apresentado no 11º Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte. O terreno em debate é o vestígio de um antigo centro de tortura e extermínio mantido pelo governo chileno do general Pinochet. A Villa Grimaldi foi cenário de atentados contra a vida e de todo tipo de outras atrocidades, até mesmo o estupro de mulheres por cachorros, antes de ser derrubada pelos militares. A questão posta em discussão pelas personagens é como tratar esse passado atroz sem desrespeitá-lo ou diluí-lo. Como falar que mulheres eram estupradas por cachorros sem criar não mais que uma frase de efeito sensacionalista?
Histórias de família e a poética do real
A Cia Amok, através da trilogia da guerra, vem propondo uma reflexão sobre as subjetividades que vivenciam grandes conflitos bélicos e também uma nova forma de fazer um teatro político. Em Dragão, de 2008, o tema era o conflito entre palestinos e israelenses, a partir de depoimentos tirados da realidade, como no teatro documentário. Em Kabul, de 2010, a matéria principal partiu do romance Andorinhas de Kabul e de uma imagem real de uma mulher de burca sendo assassinada no estádio de Kabul para falar da total perda de humanidade. Em Histórias de família, a Amok optou por representar um texto dramático de uma escritora sérvia que vivenciou a guerra da Bósnia.
Para falar do aniquilamento de pessoas que a guerra causou na Bósnia, Biljana Srbjanovic escreveu Histórias de família. O conflito na ex-Iugoslávia testemunha uma limpeza étnica comandada pelas tropas sérvias, marcando a irrupção da barbárie na própria Europa. Neste caso, o real se torna tão imediato e possui uma tal dimensão de barbaridade que foi preciso fazer uma elaboração estética complexa. A autora trata de um drama familiar interpretado por atores que interpretam crianças, que por sua vez brincam de representar os adultos. Ela quis mostrar a falta de coerência do mundo dos adultos e de como eles podem se comportar como crianças de uma maneira irresponsável com as questões do mundo.