Foto: Marcella Garbo.

O diretor Bruno Siniscalchi, em sua versão de A gaivota de Anton Tchekhov, faz prevalecer um estranhamento suscitado pela importância das coisas escondidas, daquilo que constrói o avesso do visível nos parâmetros da experiência comum. Mas não se trata de uma imposição do escondido e sim das possibilidades em que este aparece em nuances na vida cotidiana. Essa perspectiva se alia à revolução promovida por Tchekhov em seus dramas fundamentados na economia do realismo, que fazem uma radiografia opaca do espaço interior dos seus personagens. Uma questão relevante no modo de apropriação da vida no final do século XIX, e que se desdobrou na esfera da arte, foi a intervenção do chamado campo da vida na instância da verdade. Assim, os modos em que nos encontramos em relação ao tempo se tornaram cada vez mais presentificados nos trabalhos de arte, criando mesmo suas estruturas e temáticas. Em Tchekhov, esta espécie de querela faz realçar as características dos campos da vida e do conhecimento atrelados às noções tradicionais, sem que ocorram ultrapassamentos e promovendo o aparecimento de abismos e vazios entre os personagens, entre seus contextos e o movimento do mundo.