Críticas
Avessamentos
A performance passou a ser considerada uma expressão artística independentemente de definições na década de 1970, época em que o conceito se impunha mais do que o produto propriamente dito. Quando pensamos em performance, pode surgir a idéia de que ela tem como um de seus objetivos ou conseqüências provocar o choque. Os artistas elaboravam manifestações em espaços urbanos, avaliando de certa forma o fazer artístico em meio ao cotidiano das pessoas. O choque podia ser compreendido tanto pelo lado de quem fazia, quanto pelo lado da recepção, pois não era possível prever as reações. Uma das idéias de performance está associada mesmo à sua característica de acontecer uma vez e nem sempre deixar registro. O caso feliz da Companhia Excessos de Portugal é que ela realiza uma gravação do seu trabalho e veicula na internet, como no caso da performance O outro beijo no asfalto. O que acontece é que mais pessoas podem se envolver e os sentidos se alastram. Esse texto, portanto, é um exercício crítico mediado pelas imagens capturadas por outro, já nasce de uma operação de olhar conjunto e se constrói mais obviamente por uma alteridade.
Identidade Shakespeare
Sofia Salvatori grávida. Até aí nada. Mulheres engravidam. No entanto, encontrá-la assim atuando no espetáculo A comédia dos erros me fez pensar no que significa, mais uma vez, ser atriz. Afinal, quando o espetáculo estreou em abril de 2008, na comemoração dos 20 anos da Cia Stravaganza, gerar uma nova vida não estava nos seus planos. Assim surgiram reflexões sobre a dinâmica da existência e as relações familiares, o que, aliás, são também assuntos da peça. Vencedora da terceira edição do Prêmio Braskem Em Cena, Comédia dos Erros voltou em cartaz no Porto Verão Alegre em curta temporada.
Escrita por William Shakespeare, foi atualizada pela direção de Adriane Mottola que utilizou a tradução de Bárbara Heliodora e manteve a peça em versos. Considero este um dos pontos fortes da peça. Os atores apropriaram-se de cada palavra, o que faz com que o público não estranhe a poesia dramática de 500 anos atrás. Foi uma escolha arriscada tendo em vista que sua proposta era contemporaneizar o autor, o que a diretora conseguiu sem exageros. O contraste pode parecer equívoco para alguns e tornar ainda mais interessante para outros. Não importa. A atuação do elenco vale a pena.
Espetáculo determinado pela cenografia

A montagem de Dois irmãos investe em algumas tendências bastante frequentes em investigações cênicas recentes, principalmente as realizadas por grupos jovens e/ou por companhias movidas por inquietação artística. A mais evidente diz respeito à busca por uma espacialidade diferenciada do formato tradicional, tanto no que se refere à movimentação dos atores quanto à inserção do espectador; a mais interessante reside no comprometimento dos atores com o instante imediato da cena.
À procura de interlocução
A peça O Assalto, escrita por Zé Vicente no ano de 1969, traz de volta aos nossos palcos, na encenação de Marcelo Drumond,com Fransérgio Araújo e Haroldo Costa Ferrari no Espaço SESC, uma dramaturgia muito emblemática de uma época de grande efervescência artística e ao mesmo tempo uma dramaturgia que me parece pouco conhecida dos palcos cariocas. Falo dos jovens escritores que despontaram na cena teatral carioca e paulista nos anos 60 e 70, no auge da ditadura militar, e que trouxeram em seus textos um registro social e existencial que os caracteriza e os une dentro de um estilo de escrita dramatúrgica. Entre os dramaturgos dessa safra, posso citar: Leilah Assumpção com Fala Baixo senão eu grito, Antonio Bivar e sua Cordélia Brasil( texto que repercutiu enorme sucesso entre critica e público na época de sua estréia), Isabel Câmara com As Moças e enfim, Zé Vicente com O Assalto, Santidade e Hoje é dia de Rock entre outros.
Uma verdade ainda negativa

O estrangeiro, peça em cartaz no Mezanino do Espaço SESC, é uma adaptação de Morten Kirksov para o romance homônimo de Albert Camus, com tradução de Liane Lazoski. Em cena, Guilherme Leme, que assina a direção junto com Vera Holtz, conta a história de seu personagem, Mersault, na primeira pessoa. Mersault é, a princípio, um homem comum. Aos poucos, percebemos que algumas fronteiras entre o comum e o incomum se romperam e que o limite entre o espaço do indivíduo e o espaço da sociedade está sendo apresentado como algo bastante complexo.