Críticas
Atos físicos da memória, re-inscrições na História
“Quando eu tinha sete anos, vestia a roupa da minha mãe e caminhava pela casa pisando no vestido, como se fosse uma rainha em miniatura. Vinte anos depois acho uma calça jeans anos setenta da minha mãe que é exatamente do meu tamanho. Visto a calça e começo a caminhar em direção ao passado.”
Fala de Liza Casullo em Mi vida después
A peça Mi vida después, que tem dramaturgia e encenação de Lola Arias, estreou em março de 2009 no contexto do Projeto Biodrama, ciclo desenvolvido pela diretora Vivi Telas na Sala Sarmiento do Complejo Teatral de Buenos Aires, que tem a proposta de partir de narrativas da vida real para a criação teatral. Mais de um ano depois de sua estreia e após ter feito apresentações em diferentes cidades, o espetáculo fez duas apresentações no Rio, integrando a programação do ArtCENA.festival.em.criação.
Para além da pureza de sentido do pensamento
O festival artCENA está configurando um continente de atravessamentos entre processos artísticos disciplinares que provocam desestabilizações em nossos modos mais tradicionais de classificação. A noção de perspectiva se dá a ver como um fenômeno em que o espectador passa a operar como construtor por meio da extensão do olhar e do estabelecimento de um jogo de trocas entre aquele que vê e do que é observado. O lugar de realizador da montagem mental que o espectador passou a frequentar na modernidade vai dando espaço para uma participação material que cria fluxos inesperados. A materialidade em experiência conta, de maneira cada vez mais evidente, com a corporeidade dos espectadores. A noção tradicional de drama fechado ganha complexidades outras por meio da criação da ação em ato. No teatro, repercute o fato da dança ter passado a investigar, já há algum tempo, a ideia de dramaturgia como um tecido de tensões que permeiam suas performances. Podemos ver influências dessa linguagem na sublevação da noção de personagem e na transformação temporal da ação dramática. A dramaturgia passou a se configurar como um tecido mais frágil. Uma das implicações que as artes plásticas trouxeram foi em relação às possibilidades de remissão não imediata que os objetos operam em favor de uma inscrição de mediação com os referenciais. Outra poderia ser a flexibilização do tempo de fruição. Ainda podemos falar do lugar das substâncias e das formas.
Número zero – O cansaço em performance
O festival ArtCENA, com a curadoria de Fábio Ferreira e dos curadores convidados André Lepecki e Eleonora Fabião, trouxe à cidade o projeto Heterotopias realizado pela ONG Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Produção, que é um desdobramento da comemoração de dez anos de atividades desse grupo de Fortaleza. O projeto empreendeu uma série de ações integradas no sentido da promoção da discussão e apresentação de parte da produção de arte contemporânea realizada nos últimos dez anos em seu Estado. O formato idealizado para o Artcena é uma Habitação dos artistas Alexandre Veras (vídeo) e Andréa Bardawil (dança) em uma casa na Ladeira do Selaron no bairro da Lapa. No texto do projeto a palavra alpendre aparece como “um território plástico que na lisura pode ser transformado, convertido e reconvertido (…) lugar de flerte com a alteridade (…) espaço de trocas e de fluxos”. A forma do alpendre carioca, na casa situada no alto da escadaria realiza uma conformação forjada na performance do não-específico da Lapa. Habitação de um “entre” interior e exterior, de um estar que aponta para um além dele mesmo.
O Apocalipse como revelação do momento presente

Um futuro que poderia ter acontecido – uma tensão temporal que formaliza as possibilidades de um desejo que já nasce morto. Essa é a composição da dramaturgia dos personagens Beatriz e Roberto que se expressam pela ironia e incerteza do futuro do pretérito em O primeiro dia depois de tudo, escrito e dirigido por Leo Lama, em cartaz na sala Vitrine do Teatro Imprensa em São Paulo. A atualidade do combate entre os efeitos causados pela presença e pelo sentido formaliza a dramaturgia e a encenação como escritas de um único fôlego que evidenciam uma espécie de necessidade de salvação da transitoriedade.
Resgate de um olhar apurado

Décadas atrás engenheiros estudavam o que seria a projeção arquitetônica de nosso tão distante século XXI. Naves espaciais nos levariam à lua com a regularidade de um avião, robôs, carros voadores, casas de vidro com comandos de voz, muitas construções de ferro, tubulares e aparelhos eletrodomésticos inimagináveis. Um dos bons exemplos disso, no campo das ideias artísticas, foi a série de desenho animado da Hanna-Barbera: “Os Jetsons” (The Jetsons no original), que povoou o nosso imaginário popular coletivo na década de 60. Entretanto nenhum deles, em suas projeções mais otimistas, conseguiu vislumbrar este mundo futurista, pós-contemporâneo, com mares, oceanos, árvores, matas ou estrelas. As cores verde e azul eram ignoradas com frequência da paleta de cor destes “arquitetos do futuro”, devido à total ausência de função em nosso planeta High Tech do “amanhã”.