Críticas
Era vidro e se quebrou ou um comentário sobre a peça

Joaquim Goulart poderia ter escolhido mais um Plínio Marcos para levar à cena. Ele e seu Núcleo Caixa Preta também poderiam ter recapitulado a Medeia de Riaza, anos depois do fechamento do Teatro Augusta*. Ou, numa terceira via, poderiam ter empreendido levar ambas as peças, nalgum lugar entre a Boca do Lixo paulista e a Espanha pós-Revolução de Luis Riaza.
Mas, com a escrita de seu dramaturgo, Vadim Nikitin, O Abajur Lilás ou uma Medeia perdida na Augusta? recorre ao cruzamento dessas obras sobre o asfalto gasto de uma Rua Augusta (Rua Angústia?, como pergunta a certa altura o Ator ao seu Analista), para gerar uma quarta obra. São três as tramas a trafegar pelo fluxo intenso da rua paulistana: as duas obras citadas e cenas de uma sessão psicanalítica, que – segundo o diretor e ator Joaquim Goulart – têm carácter biográfico, e trazem para a cena questões inquietantes, latejantes a esse artista, também ex-proprietário do Teatro Augusta, casa que abrigou realizações teatrais frutos da parceria com sua irmã, a atriz Cácia Goulart. Essas escolhas fazem do espetáculo um exercício de espelhamento entre as duas peças atravessado por cenas da sessão psicanalítica.
Laura quer vida eterna ou A tragédia reside em nós

O Armazém completou 25 anos em 2012. A marca da água, o último espetáculo estreado em agosto, apresentou ao público cativo da Cia. as particularidades da linguagem cênica criada e consolidada ao longo de tantos anos de história. Quem acompanha o trabalho desses artistas, sabe que suas encenações se ocupam de explorar as relações humanas por meio de uma perspectiva singular, na qual o lirismo e a narrativa são abundantes e fluentes como se fossem próprios ao gênero dramático. E as vidas de suas personagens, geralmente, carregam muito passado, e, por isso, muita memória e muito afeto. Não foi diferente desta vez, porém, com 25 anos, a redescoberta de si parece ser o caminho para a renovação, e nas palavras do diretor Paulo de Moraes: “Não podemos ter medo de morrer afogados”.
Brasileiro por excelência
Ao longo do tempo, João Falcão vem conjugando as funções de dramaturgo e diretor, acúmulo perpetuado agora no musical Gonzagão – A lenda, concebido para homenagear Luiz Gonzaga no centenário de seu nascimento. A qualidade das músicas, a adesão do elenco e a vibração da cena credenciam esse espetáculo brasileiro por excelência que sublinha certas opções no que se refere à configuração da cena.
Uma das características mais evidentes na encenação de João Falcão é o palco limpo, que permanece assim durante boa parte da apresentação. Os atores entram trazendo os elementos referentes a cada cena e os levam embora ao final da passagem (cenografia e adereços a cargo de Sergio Marimba). Os músicos (direção musical de Alexandre Elias) emolduram esse espaço “vazio” por onde transitam os atores trajados em figurinos (de Kika Lopes) sempre criativos, que surpreendem sem apelar para o esfuziante. As tonalidades neutras imperam – com exceção de poucos momentos, como o do passional reencontro entre Gonzagão e Gonzaguinha. Contrastando com essa neutralidade, a iluminação (de Renato Machado) preenche a amplidão do palco do Sesc Ginástico com cores fortes (vermelho) – ou conferindo intensidade a tons frios (azul) – sobrepostas a uma cortina rendada ao fundo.
Fantasmagorias da realidade

A cena é simples, na verdade, tudo dá a aparência de um cenário artificial. Uma sala de estar com duas paredes, uma ao fundo e outra na lateral direita. O cenário não tem um acabamento tradicional realista, é feito de compensado pintado, sem pretensões ilusionistas, propositadamente sem nenhum tratamento característico de uma cenografia figurativa. Na parede lateral vê-se um pequeno corredor que sugere um cômodo contíguo. O lado esquerdo é vazado para o escuro do fundo do espaço. Um carpete verde e um sofá marrom de dois lugares. A primeira impressão deste conjunto, juntamente com os atores no espaço, é a de que a narrativa humana se estrutura por enredos incompletos. Tudo sugere um desgaste pelo tempo. O que se observa é um desejo de realismo (de um regime estético mimético) insuflado pelo regime da realidade que se mostra como algo que precisa ser construído. A desejada imaterialidade humana de suas histórias está instalada numa região virtual que não está ali visível para o público, que se insinua pela qualidade de um cenário meio inacabado.
A luz no lugar escuro

O espetáculo teatral O lugar escuro, dirigido por André Paes Leme e escrito por Heloisa Seixas, pretende lançar luz sobre um tema que vem ocupando a população mundial recentemente: o mal de Alzheimer. Com a ampliação da expectativa de vida dos idosos nos grandes centros, surge a demanda de se refletir acerca dos problemas pertencentes a esta fatia da sociedade.
O fato de a doença atingir em grande parte idosos, agindo sob o cérebro dos mesmos, apagando suas memórias e causando um quadro de demência, faz-nos observar uma representação da loucura distinta da esquizofrenia e de outras doenças neuropsicológicas que tocam pessoas mais moças, que, por vezes, já apresentam seus sintomas de insanidade desde o momento do nascimento.