Críticas
Cowboys das ruínas

Três homens maltrapilhos vagam com pedaços de madeira abaixo do peito, simulando estarem frente a um balcão do bar. Pedem whisky, no melhor sotaque norte-americano. Eles pensam, trocam olhares, fazem proposições, enquanto circulam pelo palco. Um primeiro sugere uma história, logo rechaçada pelos outros dois. Depois, um deles tem uma ideia aparentemente mirabolante, logo abandonada. Por fim, eis que se chega a algum lugar: um objeto é retirado do lixo e uma história começa.
O mar e o espaço de uma utopia melancólica

Um documento do desejo construtivo e de morte de uma peça em que seus integrantes são aventureiros que se deslocam por territórios que reúnem em si a fisicalidade dos espaços percorridos e seus imaginários. O trabalho é uma parceria-mistura da companhia Foguetes maravilha do Brasil, e da Mundo perfeito de Portugal, e nada mais apropriado do que o princípio do argumento em que as duas companhias se encontram num veleiro no Oceano Atlântico para realizar a peça: espaço de plasma, de deriva, de tempestade, onde a morte é uma possibilidade latente. Então o maravilhoso do mundo só pode mesmo existir pelo confronto cínico com a morte.
Uma mulher decidida
Quando me deparo com montagens teatrais dentro do âmbito universitário, sempre destaco a importância, e o prazer, de ver produções em que o estudante de teatro se permite mais correr riscos do que se deixar seduzir pela ansiedade de fazer uma montagem como um produto acabado, bem feito e sem arestas. Considero de extrema valia trabalhos em que os jovens artistas se permitem expor a dúvida, as perguntas que se fazem durante o processo de produção de uma obra. Esta é uma premissa vital para a discussão do teatro que se faz na atualidade, pois a relação de experimentação e risco que algumas experiências acadêmicas proporcionam abre espaço para um teatro que nos impulsiona à reflexão, a outros modos de fruição como espectador. Por esse viés, volto meus olhos para os recentes trabalhos da XII Mostra de Teatro da UFRJ em que me deparo com uma gama muito diversificada de propostas cênicas, que vão desde trabalhos solos à encenação de um musical do porte de Os miseráveis, por exemplo.
Imagens do horror
As marcas da crise política impressas em quatro jovens que se encontram em um lugar indeterminado, vestindo tshirts com capuzes e orelhinhas de bicho. Seus corpos mostram uma movimentação nervosa e exaustiva, que é o resultado do horror que aparece quando o que nos forma (o pensamento intelectual, a política, a economia, as relações sociais) se revela como motor de nossa própria decomposição. A este homem moldado pelas injunções sócio-político-econômicas restam também alguns momentos de petrificação, como último recurso de resistência ou, talvez, como um breve estágio que antecede sua morte. É com este imaginário que o Colectivo 84/Penetrarte de Portugal, companhia dirigida por Mickael de Oliveira e John Romão, coloca em cena as repercussões e os possíveis enfrentamentos diante do atual estado das coisas. Suas insinuações à escatologia e ao sexo mecanizado, seu humor debochado de si e dos outros e o retorno a um estado quase animalesco parecem ter a intenção de figurar uma maneira de lidar com o mal-estar gerado pela violência, pela condição de expropriação e de alienação do homem. A sociedade de consumo tem nádegas na cabeça que eliminam coca-cola: insumo e produto do pensamento intelectual.
Teatro de grupo em primeiro plano

FESTIVAL DE CURITIBA
A programação do Festival de Curitiba vem passando por uma bem-vinda transição que ficou mais evidente nessa edição devido, principalmente, à consistente seleção de espetáculos para a Mostra Oficial, que privilegiou o teatro de grupo. Celso Curi, Lúcia Camargo e Tania Brandão, responsáveis pela curadoria, selecionaram trabalhos das companhias Armazém (A marca da água), Atores de Laura (Absurdo), Teatro da Queda (Breve), Brasileira (Esta criança), Hiato (Ficção), Club Noir (Haikai), Clowns de Shakespeare (Hamlet), Opovoempé (O espelho), Esplendor (O homem travesseiro), Espanca! (O líquido tátil), Lume (Os bem-intencionados), Parlapatões (Parlapatões revisitam Angeli), Luna Lunera (Prazer) e Balagan (Recusa).