Críticas
Intimidade e imersão

O grupo O baú da baronesa apresentou no espaço da Companhia dos Atores, no bairro da Lapa, o espetáculo Jumbo – eu visto a tua ausência, uma mostragem de repercussões afetivas em mulheres de detentos. Neste universo, o termo jumbo significa uma espécie de pacote que as mulheres preparam para seus pares e que aglutina coisas heterogêneas, como comidas e objetos de uso e de higiene pessoal. O texto do programa se refere a um “pacote de cuidados” que a dramaturgia e a encenação tratam de materializar por meio de escolhas que expõem intimidades das personagens, momentos particulares com seus entes queridos. Esta mesma intenção se projeta no modo confessionário em que as personagens se apresentam ao público, que fica alocado no lugar daquele que está na prisão, e que é o visitado.
Onirismo e vicissitudes em comédia
5 Garrafas de cana e 1 caju maduro, escrito e dirigido por Leon Góes, estreou no teatro do Parque das Ruínas, onde está em cartaz até este final de semana. O espetáculo é uma comédia musical popular que surpreende por uma dramaturgia que tem a forma dos sonhos e, ao mesmo tempo, expõe um lugar limite adequado ao tempo da realidade – o das conversas de bar regadas a cachaça. O efeito resultante é que o tema não é tratado como uma cópia pronta, mas sim de um jeito como pode ser percebido. A visada é crítica, mas trabalhada com graça pelos modos, figuras alegóricas e vocabulário da vida boêmia do Rio Grande do Norte. Os personagens são construídos por tipificações, o que possibilita que vejamos uma espécie de espelho da sociedade, onde seria a manifestação de uma pequena cidade do interior.
Devaneio metateatral sobre a cultura das aparências

Em 1943, quando o diretor polonês Ziembinski estreou sua versão para a peça Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, quem estava na plateia talvez não pudesse suspeitar que, naquela noite, o teatro brasileiro inaugurava historicamente sua fase moderna. No entanto, era inegável o estranhamento gerado pela opção rodrigueana de concentrar toda a ação cênica na cabeça da protagonista Alaíde. Após ter sido atropelada e chegar à sala de cirurgia entre a vida e a morte, a personagem se tornou marco de nossa dramaturgia ao oscilar entre os planos da memória, da realidade e da alucinação.
É também a estranheza fragmentária e lacunar gerada pela sobreposição de planos um dos pontos de contato mais fortes entre Vestido de noiva e o novo espetáculo do Grupo XIX de Teatro, Nada aconteceu, tudo acontece, tudo está acontecendo, livremente inspirado na obra clássica de Nelson e com dramaturgia criada pelo grupo em parceria com Alexandre Dal Farra. A direção é de Luiz Fernando Marques e Janaina Leite.
O passado eternizado

O projeto de O que você mentir eu acredito está fundado numa operação de Felipe Barenco sobre diversos contos de Caio Fernando Abreu. O autor realiza uma apropriação literária, recortando frases de seus contextos originais e inserindo-as numa nova configuração dramatúrgica. As frases são reunidas numa história única, que, contudo, preserva um caráter fragmentado.
Felipe Barenco expõe um painel de acidentada comunicabilidade familiar entre integrantes de diferentes gerações. Logo no começo da apresentação, os tempos mortos sobressaem através de um silêncio decorrente de um modo de funcionamento em que o principal não é verbalizado. Entretanto, para além desse enredo generalizante, o autor especifica questões. Em cartaz no Teatro Sesi, O que você mentir eu acredito se revela como uma peça sobre o descompasso temporal vivenciado por personagens que permanecem atrelados a uma tragédia ou que se conscientizam tarde demais de terem desperdiçado um período impossível de ser recuperado. Apesar de não possuírem obviamente acesso ao passado, os personagens se mostram estacionados nele.
Teatro documentário

Luis Antonio-Gabriela fez uma breve passagem pelo Rio de Janeiro em maio deste ano, na programação do Palco Giratório, no Espaço Cultural Escola Sesc, que fica dentro da Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. O espetáculo já tinha passado pela cidade no segundo semestre de 2011, com duas apresentações no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, na programação do Tempo Festival. Estas foram ocasiões bem diversas, porque o entorno da apresentação do espetáculo, o contexto em que se deram, foram diferentes – e o contexto pode ser bastante determinante para a recepção.
