Críticas
A festa de Snežana Golubovic

Poderia Snežana Golubović, na performance-instalação I love you, estar recordando o casal Johnny e Judy da traumática festa de aniversário da famosa música It’s my party cantada por Lesley Gore? Podemos dizer que, quando a performer se confronta com sua imagem refletida no espelho, seus olhos brilham e refletem toda uma história vivida. O traje de festa composto por um vestido de paetê azul, meia calça fina, salto alto, penteado elegante, batom vermelho e um microfone antigo (tipo o do Elvis Presley) imbuem, com a idade da performer, um retorno poético visual das grandes divas do Jazz do passado. Tal afirmação se justifica, também, quando são inseridos inúmeros vinis de diversos títulos no espaço de intervenção.
A estratégia final de Abramović ou a imortalidade da arte
Oriundos das próprias vidas dos artistas, sentimentos e reflexões são materiais colhidos e transpostos para uma linguagem universal. Por este motivo Marina Abramović decidiu fazer uma biografia sobre a sua própria vida e, embora tenha optado por usar a sua figura como um material-conteúdo para a elaboração de uma obra, não permitiu que erroneamente trilhasse uma extrema manifestação do seu ego artístico; transcendeu o exclusivismo quando compartilhou conosco a sua consciência e aceitação da morte de uma forma serena em The Life and Death of Marina Abramović, cuja criação é coletiva: de autoria do músico Antony, do encenador Robert Wilson e da própria performer Marina Abramović.
De certa forma, esta é mais uma performance da artista, em que sua imagem funciona como campo simbólico da sua obra de arte, em que se expõe sem estar por detrás de uma personagem. Esta é uma performance mais híbrida, que acopla agora os tradicionais elementos teatrais, embora, sob a encenação de Bob Wilson, nada seja exatamente convencional, inclusive, sua encenação é caracterizada pela ruptura com os moldes cênicos mais clássicos, abrangendo a performance fringe ou o chamado teatro pós-dramático, sendo assim, é uma nova performance, conforme nomeia a teórica deste assunto Roselee Goldberg.
Brecht com clareza exemplar

O festival Porto Alegre em Cena traz, a cada ano, pelo menos um grande nome do teatro mundial. Encenadores como Eimuntas Nekrosius, Peter Brook, Ariane Mnouchkine, Patrice Chereau e Bob Wilson marcaram presença através de seus espetáculos nas últimas edições do evento. Desta vez, a grande atração foi a montagem do Berliner Ensemble para Mãe Coragem e seus filhos, de Bertolt Brecht, assinada por Claus Peymann.
Nuances de um desfazimento

O diretor Bruno Siniscalchi, em sua versão de A gaivota de Anton Tchekhov, faz prevalecer um estranhamento suscitado pela importância das coisas escondidas, daquilo que constrói o avesso do visível nos parâmetros da experiência comum. Mas não se trata de uma imposição do escondido e sim das possibilidades em que este aparece em nuances na vida cotidiana. Essa perspectiva se alia à revolução promovida por Tchekhov em seus dramas fundamentados na economia do realismo, que fazem uma radiografia opaca do espaço interior dos seus personagens. Uma questão relevante no modo de apropriação da vida no final do século XIX, e que se desdobrou na esfera da arte, foi a intervenção do chamado campo da vida na instância da verdade. Assim, os modos em que nos encontramos em relação ao tempo se tornaram cada vez mais presentificados nos trabalhos de arte, criando mesmo suas estruturas e temáticas. Em Tchekhov, esta espécie de querela faz realçar as características dos campos da vida e do conhecimento atrelados às noções tradicionais, sem que ocorram ultrapassamentos e promovendo o aparecimento de abismos e vazios entre os personagens, entre seus contextos e o movimento do mundo.
Todos os homens são um homem só

A luz azul intensa recobrindo o palco não permite ver nada mais, até que aos poucos desvela um homem. José. Síntese de todos os homens em todos os tempos e territórios, o personagem se apresenta ao público em sua materialidade corpórea. Diz algumas palavras de identificação e então narra o próprio silêncio preenchido pelo olhar. Com ele, o público silencia e olha. O efeito de sua presença põe-se em embate com os sentidos plurais que apregoa em sua fala, alusiva a Homero e a mitos fundadores da civilização que desembocaria, milênios adiante, no homem contemporâneo. Entre a presença e o sentido, o ontem e o hoje, o lá e o aqui, é este homem – e o falso paradoxo entre suas andanças e a imobilidade instaurada em cena –, o vértice do solo As Tramoias de José na Cidade Labiríntica, da curitibana Obragem Teatro e Cia.