Críticas
O lúdico no teatro

Ao entrar no Espaço Arena do Sesc Copacabana, a primeira sensação captada pelos sentidos é a de um universo lúdico que seria ali instalado pelo jogo da encenação. O cenário é uma caixa de vidro (onde os personagens atuam) que contém três cadeiras simples e antigas, retratos envelhecidos, chão de taco de madeira amarelado pelo tempo, uma parede forrada por um tecido de pelúcia ocre intenso e peculiar, uma luz baixa e também amarelada. A primeira sensação é de uma peça onde o que se contaria seria uma história de gente simples, que habita o interior, o vilarejo, a zona rural. A cor que ressalta aos olhos durante a encenação toda é de uma espécie de sépia, aquele matiz que remete às fotos de antepassados, às lembranças distantes, à memória. A ambiência é revestida por uma luz baixa, macia, aconchegante.
O exasperante som do sofrimento

“Depressão é ódio”. Esta conclusão, uma das externadas pela personagem de Psicose 4h48 (última peça da falecida dramaturga Sarah Kane), parece ter, em alguma medida, norteado o trabalho do diretor Marcos Damaceno, no que se refere ao registro de atuação ambicionado para Rosana Stavis. Damaceno procurou fazer com que a atriz buscasse modos de dizer o texto que evidenciassem, em especial, a raiva diante de um sofrimento exasperante em sua constância infinita. Como um ruído que não desaparece, uma interferência que não cessa. Ainda que fique a impressão de que determinados trechos ganhariam com um pouco mais de contenção, a opção é bastante defensável.
Juventude – o novo em recorte dramático
A noção de leitura e sua relação com nossos processos de recepção é um forte elemento para a construção das obras contemporâneas que o espetáculo Os inocentes, encenado pelo Brecha Coletivo, formaliza. Criado a partir do livro The holy innocents de Gilbert Adair e tendo como referência o filme Os sonhadores realizado por Bernardo Bertolucci em 2003, o espetáculo é constituído por meio de uma escolha dramatúrgica que privilegiou um elemento caro ao drama que é a relação inter subjetiva dos personagens e como essa relação é propulsora da ação. Essa escolha é um acerto do texto de Julia Spadaccini e Rodrigo Nogueira diante do desafio de realizar uma obra teatral que tem como ponto de partida outras duas obras, uma literária e uma cinematográfica, ambas possibilitando leituras diversas na medida em que são produtos de linguagens distintas. Na literatura, o leitor realiza a construção de imagens particulares que a materialidade das palavras suscita, no filme, a imagem – visualidade – é sua materialidade. Do modo como eu percebo, a dramaturgia de Os inocentes se configura como uma terceira obra, uma espécie de outro original, menos no sentido de uma essência ou de um panorama com qualquer significação vertical ou horizontal das duas obras anteriores e mais no sentido de uma obra que se estende como uma multiplicação.
Narrativa e cena
Guy de Maupassant, monólogo em cartaz no pequeno espaço do Teatro Solar de Botafogo, traduz para a linguagem cênica quatro histórias curtas do autor francês que viveu e influenciou a sociedade parisiense com uma intensa criação literária na segunda metade do século XIX. A atriz Joana Ferry divide-se entre as funções de narradora e personagem, apresentando para a plateia os contos No campo, Senhorita Perle, A morta e O horla.
Com o pretexto de homenagear o aniversário de 160 anos de nascimento do escritor, comemorados neste mês de agosto, me parece crer que a encenação de Evandro Meirelles Santos foi estruturada a partir do eixo combinatório que privilegiou a produção do autor francês em sequência cronológica por ano de publicação e conteúdo temático, elegendo para as duas primeiras narrativas apresentadas, escrituras com características predominantemente realistas tanto nas descrições de tipos quanto nas situações identificáveis vividas pelos mesmos, e nas duas últimas, opta por selecionar passagens onde o autor instaura o rompimento lógico e causal das coisas vivenciadas pelos protagonistas, evocando atmosferas que lembram relatos de pesadelo e loucura.
É preciso pedir licença

Nos primeiros minutos do espetáculo Só cheira borracha, da Companhia de Teatro Kudumba, de Moçambique, em cartaz nessa 3ª edição do Festlip 2010, ouve-se uma voz feminina narrando em off, antes do desenrolar da ação, que, em sua terra natal, é habito dos moradores pedir licença para entrar em determinada tribo e outros espaços privados. Ao dar início à reflexão desta montagem, que fez duas apresentações no Teatro Nelson Rodrigues, inauguramos com esse texto uma escrita em diálogo, perseguindo a possibilidade de lidar com diferentes modos de recepção de uma obra teatral. Uma das mais provocativas questões para a crítica é a de conversar com a recepção do público, percebida durante a apresentação do espetáculo. Os estudos sobre estética da recepção se encontram mais desenvolvidos no gênero literário e, se podemos compreender contemporaneamente a recepção de uma platéia com a noção de leitura, é possível realizarmos associações com a teoria. Portanto, trata-se aqui de uma experiência de formalização da investigação do entrecruzamento de diferentes perspectivas.