Críticas
Morte de um mundo afetivo

Muito antes das personagens de O jardim citarem O jardim das cerejeiras é possível perceber a conexão direta entre o texto do diretor Leonardo Moreira e a peça de Anton Tchekhov. Assim como os personagens do autor russo, os da montagem da Cia. Hiato, de São Paulo, evidenciam descompassos na comunicação, como se não se enxergassem, não reagissem à escuta, à presença do outro. Dão a impressão de pertencerem a épocas ou a mundos diferentes.
A verdadeira neve de papel picado

Os náufragos do Louca Esperança (Auroras) é um espetáculo que evidencia os mecanismos de construção a partir da história da realização de um filme, nas primeiras décadas do século XX, empreendimento utópico desenvolvido por um grupo desbravador. Todo o complicado processo de filmagem é descortinado diante do público – a manipulação dos telões pintados, a recriação minuciosa dos ambientes nos quais se desenrola uma narrativa épica, a reprodução das manifestações climáticas.
Crônica de um divórcio entre ator e cenário

“Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cenário, é que é propriamente o sentimento do absurdo. Como já passou pela cabeça de todos os homens sãos o seu próprio suicídio, se poderá reconhecer, sem outras explicações, que há uma ligação direta entre este sentimento e a atração pelo nada.”
Albert Camus, “O mito de Sísifo”
Ao entrarmos no teatro, deparamos com um parque de diversões abandonado, com direito a trem fantasma, carrinho bate-bate, piscina de bolas, a coluna vertical em forma de termômetro que mede a força do martelo do aspirante a super-herói, e uma geringonça de difícil definição, espécie de gaiola, onde a princípio se aboleta o tenente. Além de evocar calorosamente o Tivoli Park, que ficava na frente do mesmo Jockey cujo teatro recebe hoje Ana e o tenente, o cenário chama a atenção pelo cuidado com que foi realizado. Em produção de proporções modestas, sua qualidade desponta como promessa de um espetáculo de qualidade.
O espaço teatral como zona de conflito estético

Julia, título do mais recente trabalho da diretora Christianne Jatahy, expõe o clássico da dramaturgia universal, escrito pelo sueco August Strindberg, Senhorita Julia, às cisões, deslocamentos e produções de sentido via conexão entre as linguagens teatral e cinematográfica. É sobre esse enfoque estilístico que a análise da peça irá se debruçar.
Afirmar somente que Julia é cinema dentro do teatro é meio redundante e explica muito pouco ou quase nada sobre a complexidade que se engendra no espaço de atuação, principalmente no que tange ao olhar, no que se refere à potência com que as imagens se oferecem à visão do espectador, determinando suas escolhas.
Amor e impressões materiais da cena

Histórias de amor parecem não esgotar possibilidades de criação ficcional no cenário teatral carioca nas temporadas que estão ou já saíram de cartaz nesse segundo semestre. As hesitações do indivíduo diante da insegurança e do medo de assumir uma paixão, os relatos subjetivos que denotam a incômoda segurança de uma relação estável, os diálogos que beiram o monológico, em que se manifestam estados de crise de um casal, os momentos nostálgicos do primeiro encontro e a dor da separação tornam-se temas recorrentes em textos constituídos a partir de olhares e perspectivas bastante singulares. Diante desse cenário romântico, as variadas formas de tematizar o amor e os seus desdobramentos oferecem aos espectadores o gosto pela identificação com as situações expostas, permitindo ao público rir ou sofrer junto com o patético, com a mentira, com a falta do que dizer e com a felicidade de um juramento que se propõe eterno.