Críticas
O mundo contemporâneo em desalento

Antes de iniciar, gostaria de deixar duas questões, com suas respectivas respostas, para a reflexão.
1ª questão: Por que o mundo virtual é tão atraente?
Porque é lúdico. É um mundo coerente com a maneira de viver dos jovens, não exige engajamento nem compromisso. Ali qualquer um pode viver uma série de vidas sucessivas sem nenhum compromisso definitivo. As pessoas querem se distanciar da realidade não porque ela seja assustadora ou sem-graça, mas porque ela implica sempre um limite. Além disso, a realidade requer uma identidade, um objetivo mais ou menos claro na vida, ao passo que esses exercícios virtuais não pressupõem nenhuma identidade, nenhuma perspectiva e ainda derrubam todos os limites, incluindo os do pudor e da polidez.
2ª questão: Por que atualmente os casamentos não duram? A vida a dois ficou inviável com o novo arranjo social que igualou os papéis do homem e da mulher?
Pelos padrões vigentes na sociedade atual, nos é recomendado ao longo da vida renovar os objetos dos quais nos servimos. Trocar de carro, de tapetes, de mobília, etc. As relações afetivas acabaram seguindo esse mesmo princípio, dos objetos descartáveis. Elas não resistem a esse apetite de rejuvenescimento e renovação da sociedade contemporânea.
Constructo

Kevin (Márcio Machado), menino de 9 anos que acaba de se mudar com os pais e a irmã para uma casa nova, tem um desejo que expressa o motor da peça Sinfonia Sonho de Diogo Liberano: ele quer virar música. Da mesma forma, cada passo tanto da dramaturgia quanto da atuação indica um desejo de mesma natureza. A direção busca operar uma mudança de valores, por meio de uma revolução das sensações. Ou seja, fazer do corpo dramático um acontecimento teatral alinhado à percepção causada por uma sinfonia. A base desse experimento é guiada por Diogo Liberano de dentro do acontecimento. Sentado em cena com o roteiro em mãos, ele incorpora o narrador e presentifica o diretor, fazendo as vezes de um maestro para apontar o ritmo, a textura e a amplitude dos eventos e dos personagens.
Einstein on the beach: um estudo semiótico em oposição ao textocentrismo
“The most beautiful experience we can have is the mysterious.”
(A mais bela experiência que podemos ter é a do mistério.)
Albert Einstein
O desuso do discurso lógico-verbal nas artes cênicas perdeu sua hegemonia precisamente a partir da segunda metade do século XX, momento em que sobrevém, para o campo da arte, a desconstrução e o questionamento dos moldes artísticos tradicionais sob a intensa busca pela ruptura com um passado que havia perdido sentido e força.
A origem insurge, talvez, a partir do pensamento nietzschiano, que declarou a existência de distintas formas de se experienciar a realidade e, com isso, a arte, desde o início do século passado, começou a adquirir um caráter plural de representação, o qual reverberou a tal ponto durante dezenas de anos que acabou por ecoar ainda para o nosso século atual.
Morrer de urso ou Inovação do momento original

A peça À primeira vista, dirigida por Enrique Diaz e em cartaz no Teatro Poeira, é uma poética ordenada pelo conteúdo contemporâneo do mundo calcado no visual. O que aparece, o que pode ser visto é, mais ainda que o mote, o lugar das origens. Lugar que se desterritorializa por que abre sempre novas linhas de fuga, porque pela sua simples presença já aponta para algum outro lugar de fora. A relação das duas mulheres vividas por Drica Moraes e Mariana Lima é uma reimpressão constante de momentos em que uma vê a outra, desdobramento de um primeiro momento em que se viram em uma loja de material de camping. Ato de ver investido de afeto. A encenação é a segunda experiência de Enrique Diaz com a dramaturgia de Daniel MacIvor. A primeira tratou-se de In On It que estreou em 2009.
O que nos livra do esquecimento

O espetáculo Cowboy, com dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho e dirigido por Henrique Tavares, apresenta um pensamento sobre os estados de loucura e seus limiares colocando em confronto duas perspectivas: uma é a daquele que passa por um estado de sofrimento mental, e outra, é a do que sofre sua repercussão. Neste atrito, mostram-se duas solidões em sofrimento e se dá a ver a inelutável restrição edificada pela afirmação de um único ponto de vista. A questão da loucura não é tratada por tentativa de sublimação ou mesmo de criação de um lugar de valor, o que demonstra uma visão sensível e constrói uma poética transgressora das nossas referências mais comuns.