Críticas
Herança da palavra
Em cena, estão dois atores que realizam uma briga de casal. No inicio do espetáculo, os atores estão em pé e olham para direções distintas. Ela (Naed Branco) tem a cabeça enfaixada, um curativo no rosto e a roupa sugerindo peças desgastadas. Ele (Hélio Taveira), camisa branca, calça preta e porte atlético. Um pano branco, no qual algumas linhas côncavas e convexas estão pintadas nas cores vermelho e verde, reveste o fundo e as laterais do palco. Alguns baldes pendurados do teto, algumas bacias emborcadas no chão (posições côncavas e convexas), quatro mesas de madeira e muitas velas sobre latas de cerveja. A iluminação é fraca, está quase tão somente a cargo das velas. O diálogo do casal revela que simbolizam o país e seu povo. Angola agoniza pelos anos de colonização e pela guerra civil. O povo sofre e tenta compreender sua situação, concluindo que precisa agregar na consciência suas derrotas e suas conquistas. Ao final, o casal se reconcilia na esperança de dias melhores a partir da ação conjunta. A ação do ator que apaga todas as velas e desfaz o cenário nos remete à uma idéia de reconstrução a partir dos despojos dos vencidos. Indica ainda que existe uma esperança na agricultura, no trabalho com as riquezas naturais.
Que a terra lhe seja leve
A montagem paranaense Capitu – Memória Editada, com direção de Edson Bueno, é mais do que uma adaptação da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Trata-se aqui de uma transcriação do romance para a cena. Vale recorrer a Linei Hirsch, que sugere o termo transcriação e cita procedimentos que observa serem usualmente aplicados a uma obra narrativa literária para sua utilização no teatro: a eliminação de certos elementos estruturais; a condensação da estrutura narrativa; a ampliação de aspectos específicos dentro do universo dramático; a fragmentação e re-associação de episódios e trechos da obra. “Procuramos uma dinâmica de interatividade, com os atores convidando a platéia a discutir cenas do livro ao mesmo tempo em que a história original é contada”, afirma Edson Bueno, diretor do espetáculo. “Quem conhece a obra vai conversar, aproveitar mais o espetáculo”, acrescenta o diretor.
Oralidade e fragilidade estética
O grupo Etu-Lene, de Angola, participou do FESTLIP, com o espetáculo Atiraram o velho Katy-Ngotè para sua última morada. O cenário do espetáculo consiste em um pano branco estendido ao fundo da sala Multiuso (do Sesc Rio) e funciona como uma coxia de onde os atores entram e saem de cena. A encenação frontal parece estruturada conforme os antigos programas de comédia televisivos, cujos atores, sempre tendo em vista essa perspectivação, desfilavam seus personagens caricatos, se dirigiam diretamente à platéia, sempre mediados por uma figura mais sensata, inteligente, que estava lá geralmente lendo o seu jornal. Esse tipo de figura funcionava como um intermediador que sinalizava, com certa consciência e discernimento, a ambigüidade dos personagens e favorecia a reflexão da assistência. Neste espetáculo não existe a tal figura sensata. Todos os quatro personagens são, de certo modo, tipificados: o filho em idade de casar, o pai, velho e intransigente, a amada do rapaz, a noiva escolhida e o amante dela. A inexistência de contrapontos favorece certos tons moralizantes e dificulta o surgimento de outros sentidos, que não os do senso comum.
Elogio à alteridade

O texto de Adriano Shaplin utiliza uma fórmula de ação comum ao gosto da cultura norte-americana acostumada com as tramas Hollywoodianas, porém é contra a formação destas que ele constrói sua denúncia. É transparente na peça a raiva que o inspirou a escrever sobre o casamento da mídia Americana com a política militar de intervenção externa do governo Regan-Bush, criando imagens que pudessem ser mobilizadas para produzir a aprovação das guerras deste governo. Segundo o autor, a peça também pode ser vista como uma comédia, já que ele usa a caricatura para ressaltar os valores que considera corrompidos. Furiosamente inspirado na guerra do Iraque, iniciada em 2003, Shaplin recorre à realidade dos mariners para contar sua estória.
Mosaico de atuações

Na peça O Jardim das Cerejeiras de Anton Tchekhov, dirigida por Moacir Chaves, uma primeira imagem se coloca para o espectador: um mosaico de tapetes entremeados de pequenos retângulos de grama artificial está estendido sobre o chão e pode ser visto desde o momento em que o público entra no teatro. Ao longo da peça, o mosaico permanece sempre em cena e às vezes ganha um tratamento especial da iluminação. É possível fazer associações entre os recortes de tapete e de grama que coexistem naquela imagem e as diferentes formas de ver o mundo que convivem na peça. O cenário e a iluminação apresentariam, dessa forma, uma metáfora para a fábula.