Críticas
Narrar, interiorizar, dialogar, descrever, caracterizar… atuar

Em cartaz até o fim de janeiro no Espaço Cultural Sérgio Porto, Corte seco, peça da Cia Vértice de Teatro dirigida por Christianne Jatahy, coloca em cena algumas questões que, a princípio, parecem pertencer exclusivamente ao universo do teatro: os exercícios, procedimentos e questões da criação de um espetáculo teatral.
Qual seria o interesse, do ponto de vista do espectador, por uma peça que expõe um processo? Qual é a conexão entre a pessoa que não faz nem estuda teatro e um espetáculo que abre fendas na sua espetacularidade e se autoficcionaliza? Se é possível dizer que os trabalhos deste grupo, assim como os de diversos outros grupos que atuam no teatro carioca, se desenvolve a partir do que se convencionou chamar de pesquisa de linguagem, como fica a relação entre a cena e o público?
As muitas vozes que constituem aqueles dois

Aqueles dois é um trabalho construído a partir de uma soma de vozes: Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves, Rômulo Braga e Zé Walter Albinati transportaram para a cena o conto homônimo de Caio Fernando Abreu como atores-criadores (apenas Albinati não está em cena) sem a presença de um diretor orquestrando a criação. Não por acaso, vários registros vocais sobressaem na montagem, sem que um exatamente se sobreponha sobre o outro.
Uma paisagem que afeta

Um dos maiores desafios da cena contemporânea é o de expressar, por meio da fragmentação que quase a define, uma possibilidade de apreensão para o espectador que revele uma perspectiva na própria duração do tempo do espetáculo. Em termos de artes cênicas isso é importante, pois deixa o espectador em um estado de suspensão, em uma espécie de devir, esperando por traços de identificação daquela sensação primeira. E isto acontece no espetáculo Louise Valentina solo de Simone Spoladore, encenado por Felipe Vidal. A imagem inicial da atriz Simone Spoladore parece condensar a dramaturgia – uma mulher que se deixou asfixiar paulatinamente. A performance da atriz nessa cena, com movimentos lentos e delicados em contraste com sua posição e os elementos da cenografia, nos dá a ideia de que o que nos aflige culturalmente nem sempre é possível de ser nomeado. A referida imagem me remeteu à cena inicial do espetáculo Hey girl do diretor Romeo Castellucci, apresentado no Riocenacontemporânea em outubro de 2007. Esta relação enriquece as duas obras que materializam um certo estado imperceptível de soterramento do feminino. Esta primeira conjugação entre forma e conteúdo acompanha a encenação de Louise Valentina, orienta nossa percepção e, conseqüentemente, a minha análise.
O silêncio desdobrado no espaço

O espetáculo Strindbergman tem sua ideia originária e formalização na esfera da referência. Quando explicita a imbricação e relação entre o dramaturgo August Strindberg e o cineasta Ingmar Bergman, parece abrir para o espectador as condições de possibilidades de realizar suas próprias dobras. Portanto, este âmbito de criação quase barroca nos permite encontrar aí seu lugar como obra contemporânea. Permitam-me ver o espetáculo a partir de um olhar de referências, a partir de minhas dobras.
Utilizo para o espetáculo o termo contemporâneo de forma mais livremente do que em relação à noção de “Teatro Pós Dramático” de Hans-Thies Lehmann. No livro do mesmo nome, Lehmann discorre a respeito de uma nova poética que é uma espécie de formalização teatral em resposta às transformações artísticas operadas desde as vanguardas históricas em conjunto com os contextos comunicacionais e com a ampla difusão da tecnologia da informação no século XX.
Todo mundo morre no final
De Wroclaw, Polônia
Na pequena cidade de Worclaw, no interior da Polônia, aconteceu o Festival Internacional de Teatro The World As A Place Of Truth organizado pelo The Grotowski Institute. Durante todo o mês de junho grandes nomes do teatro contemporâneo intercambiaram seus trabalhos para uma plateia quase toda formada pelos próprios atores que se apresentavam no festival. A primeira semana foi dedicada a Eugenio Barba e seu último trabalho: Ur-Hamlet.
A peça foi montada no pátio da antiga arcádia da cidade que guarda a arquitetura de um pequeno forte com enormes portões de madeira e paredes de tijolos. Utilizando diferentes estilos de teatro ritual, Barba monta de fato um ambiente que invoca o clima de uma cerimônia. A peça foge da representatividade e do conceito textocêntrico, falando diretamente ao centro dos sentidos, ao sistema nervoso. Os espectadores participam desse ritual antropológico.