Críticas
Santo/amargo

Quase todo mundo conhece a expressão de Marx: “é preciso mudar o mundo e não interpretá-lo”. Helio Oiticica vislumbrou uma outra direção: “é preciso que o mundo seja mundo do homem e não mundo do mundo”. A encenação de O amargo santo da purificação, novo trabalho de rua criado pela Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, segue essa mesma vereda, trazendo à agenda um tema – a transformação do mundo – e uma personagem – Carlos Marighella – bem pouco convencionais.
Sobre cânones e bruxas

A montagem de um texto como Macbeth, que tem não apenas um sem fim de estudos na sua história, mas também carrega consigo uma série de expectativas por parte dos espectadores, acaba por colocar os artistas envolvidos numa situação um tanto particular. Parece que todo o mundo tem uma opinião prévia sobre como se deve (ou como não se deve) fazer Macbeth. A liberdade de criação, a escolha de uma leitura mais radical, ficam às vezes tolhidas pela carga de conhecimento que é exigida de quem vai fazer e que serve de arma – e de escudo – para quem vai assistir. Diferentemente da criação de um espetáculo que desenvolve sua própria dramaturgia e estabelece suas próprias premissas, a realização de uma montagem de um clássico esbarra nessa rede de preconceitos que envolve a todos: espectadores, críticos e artistas.
A sobrevivência do tempo

Questões formais
Na peça Louise Valentina, o diretor Felipe Vidal usa recursos cinematográficos que sugerem uma percepção diferenciada do espaço cênico. Ele acrescenta uma profundidade de campo ao palco ao projetar quatro sequências de curtas-metragem dirigidos por Marcela Lordy. A profundidade de campo foi uma técnica inovadora de filmagem que surgiu no cinema da década de 40; ela permite que o espectador de cinema veja um só plano que põe em relação o plano de fundo com o primeiro plano, passando por todos os três tipos de plano: geral, médio e close. Este procedimento foi desenvolvido por Orson Welles que, ao por a câmera em um ângulo diagonal preciso, conseguia atravessar todos esses níveis e mantê-los em foco. Foi bem explorado por ele no filme Cidadão Kane para acrescentar diferentes níveis de situação e de tempo em uma única imagem.
Tensão entre o insinuado e o sublinhado

Através de uma estrutura oscilante entre a narração dos fatos e a encarnação das personagens, Newton Moreno aborda em Agreste (rebatizado de Agreste Malvarosa, subtítulo do texto, segundo o próprio autor) a sexualidade pela via do afeto e o desconhecimento do corpo, evideciados por meio da história de um casal unido há mais de 20 anos até que a morte de um deles suscita uma revelação que descortina a ignorância furiosa dos moradores de um isolado vilarejo no sertão.
Uma visita atemporal ao repertório da Companhia Dos à Deux
De São Paulo, SP
Samuel Beckett e teatro gestual. Esse encontro nem tão ponderável assim está na origem da Companhia Dos à Deux, no final dos anos 1990, instada a engravidar o verbo de sentidos e silêncios outros, físicos e simbólicos. Daí a surpresa deste espectador ao cruzar com a referida montagem que batiza o grupo somente no início de 2010, cinco anos após assistir a Saudade em terras d’água, sua sexta produção. E, para celebrar de vez, ainda se permitir agora a chance de fruir a gradação de linguagem dos mesmos criadores, Aux pieds de la lettre, o quarto espetáculo, de 2001, síntese arguta do espírito artístico que move o duo brasileiro radicado na França.
Artur Ribeiro e André Curti abriram o Ano-Novo teatral na capital paulista com as duas peças-chaves do repertório. No constrangedor espaço da Caixa Cultural, o térreo do edifício do banco na Praça da Sé, eles contornaram a precariedade acústica e a inexistência de arquitetura cênica. Não diluíram um centímetro do rigor minimalista das atuações. Proporcionaram rara oportunidade de conferir em retrospectiva os passos que os trouxeram até aqui.