Críticas
“As histórias de hoje não têm clima. É só sacanagem.”

Os Catecismos segundo Carlos Zéfiro, em cartaz desde o dia 10 de março, no Teatro 2 do Centro Cultural do Banco do Brasil no centro do Rio de Janeiro, e que cumpre temporada até o próximo dia 10 de abril, é uma produção conjunta entre a ClaMa! Cia de Teatro e a companhia paranaense Vigor Mortis. Com direção e texto a cargo do curitibano Paulo Biscaia Filho, o espetáculo presta reverências e justa homenagem àquele que foi o responsável pela alegria dos onanistas de plantão e por boa parte da iniciação sexual dos jovens rapazes dos anos 50, 60 e 70, o cartunista Carlos Zéfiro. Ele se notabilizou por publicar e ilustrar mais de uma centena de revistinhas com conteúdo pornô-erótico que ficaram conhecidos em todo o país como “catecismos” – pois reza a lenda que estas eram vendidas dissimuladamente em bancas de jornais e entregues aos seus compradores escondidas dentro de publicações religiosas.
Flagrantes de desolação afetiva

Há muito de Tennessee Williams nos textos que escreveu. A fragilidade de Laura, de À margem da vida, refugiada num mundo repleto de delicados bichinhos de cristal, e a crescente renúncia de Blanche Dubois, protagonista de Um bonde chamado desejo, ao mundo externo expressam o desconforto do dramaturgo diante da realidade. Pelo menos, do modo como foi confrontado com a realidade, considerando as agruras familiares com as quais se deparou. Não por acaso, suas peças trazem à tona a necessidade de construção de um universo ilusório, paralelo.
Um jogo de objetos animados

A vertigem do familiar é a mais vertiginosa de todas. Salas de estar podem rapidamente se tornar salas de estranhar.
Venâncio Filho sobre a exposição Salas e abismos de Waltercio Caldas
Desde que Marcel Duchamp colocou a questão acerca do que faz com que alguma coisa seja um objeto de arte, nos encontramos em uma possibilidade de abertura para pensar a relação entre a arte e a vida sob uma perspectiva, no mínimo, mais acurada. Nosso olhar sobre os espaços cotidianos procurou por sua transubstanciação, encontrando neles suas próprias poéticas. A característica da concretude pela qual é constituída a linguagem teatral pode ser um elemento importante para destacar essa relação. Talvez seja por isso que cismo tanto em gostar de teatro, por sua configuração material, pela encarnação dos nossos processos de representação mental. É essa tensão que, a meu ver, formaliza o espetáculo Dois jogos: sete jogadores, dirigido por Celina Sodré – uma construção poética operada em seus pormenores nos objetos e que, assim, promove a incorporação do humano nos seus meandros. Se por um lado, ações e objetos no espetáculo são criados a partir de uma noção de obra de arte, por outro lado, essa criação acaba implicando o mundo na performance artística. Claro que minha percepção também se deve ao fato de acompanhar o trabalho da diretora ao longo dos últimos quinze anos. Celina se dedica a um trabalho impregnado pela noção de colagem e de montagem e pelo princípio de uma construção repleta de referências.
Sensações de Adélia

Em cartaz no Solar de Botafogo até 01 de maio, o espetáculo Adélia, da Cia. de Teatro Íntimo, leva à cena a poesia da autora mineira, que dá título à encenação, Adélia Prado. A companhia celebra cinco anos em ocupação no mesmo teatro, no qual encena ainda outros nomes da literatura (como João Cabral de Melo Neto), o que revela um dos principais temas abordados na linguagem do Teatro Íntimo, o estudo da poesia brasileira.
Ao entrar no Espaço II do Solar nos deparamos com dois ambientes: uma anti-sala de espera, em que uma exposição fotográfica sobre a trajetória da Cia. prepara o público exibindo o universo de imagens criado pelos artistas ao longo dos anos, em cada espetáculo. “Prepara”, pois, a demanda poética da Cia. está impressa nas fotografias do passado, e, tal recorrência funciona como lugar de apresentação deste recurso; é também um lugar de transição, claro, entre o mundo que ficou do lado de fora, e a próxima porta que será aberta.
A babel de Qorpo Santo

Encenar as peças de Qorpo Santo, autor do século XIX, não é tarefa fácil nem comum nos palcos da cidade. Comediógrafo pouco visitado por nossas companhias, diretores e atores, o autor traz uma obra bastante peculiar para uma época em que ainda reinavam os dramas históricos de João Caetano, as comédias de costumes de Martins Pena o realismo do Ginásio Dramático de José de Alencar para traçar um rápido panorama do teatro na segunda metade do século XIX. Com uma escrita fragmentada, satírica e paródica, José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo Santo, retrata cenas prosaicas do cotidiano, colorindo-as com tons de um universo nonsense, onde trafegam personagens alegóricos (como Interpreta, Impertinente, por exemplo, em As relações naturais) sem uma linha lógica de ação tempo e espaço. Há em sua escrita um foco na representação, a cena propriamente dita.