Críticas

Trompe-l’oeils disjuntivos de Mallory Catlett

31 de março de 2014 Críticas
Foto: Divulgação.

Refleti, em outra ocasião, a respeito das dimensões de presença produzidas por certos espetáculos dos anos 2000, criados a partir de um estreito vínculo entre o teatro e as novas tecnologias. A peça-chave para tal análise (1) foi Não sobre o amor, de Felipe Hirsch e a Sutil Companhia de Teatro; uma peça de câmara cuja coesão cênico-dramatúrgica – que não deve ser lida, sob nenhuma hipótese, como unidade de ação – considerei bastante significante. Vou explicar rapidamente porquê.

Grosso modo, o espaço cênico é uma caixa que recebe, ao longo da peça, projeções exatas de seu tamanho, criando sobreposições espaciais e ambiguidades de presença fabricadas pelo ator e por sua derivada metamorfose, tanto corporal quando visual. O fato de este procedimento, i.e. a produção – ou a intensificação – de variações de presença, não ser encarado como mero artifício pirotécnico se deve, em especial, à sua íntima relação com a dramaturgia. O texto é composto por fragmentos epistolares do escritor russo Victor Schlovski (ou Chklovski) quando em seu exílio em Berlim. Agrupado por temas, o texto enfatiza o isolamento de um sujeito desgarrado de sua terra natal, distante de sua amada. Tão significativo quanto esta situação é o fato de Schlovski ser o precursor, em âmbito literário, de Bertold Brecht no conceito de estranhamento ou “desfamiliarização” – noção mais comumente conhecida, por nós, brasileiros, pelo termo distanciamento.

CONTINUAÇÃO

Investigação do teatral e conhecimento do amor

31 de março de 2014 Críticas
Adriano Garib e Marina Provenzzano. Foto: Divulgação.

Nota: esse texto foi construído com as vozes, por vezes citadas sem aspas, de Emanuel Aragão e Liliane Rovaris a partir de uma conversa realizada durante a temporada da peça no Mezanino do Espaço SESC em Copacabana em fevereiro de 2014.

Os trabalhos em teatro apresentaram formas diversas de lidar com os textos clássicos. Já me detive, em outros momentos, a refletir sobre certas estruturas que ora convocam os textos assim chamados, ora investem em uma operação que almeja uma espécie de atualização da obra. Esta última, na maioria das vezes justamente pelo pensamento predominante de que a vocação mais importante dos trabalhos em arte é a produção de sentido, realiza mais equivalências baseadas em seus contextos atuais e menos um novo modo de olhar para o imaginário produzido pela obra de origem. Talvez uma equivocação sobre a noção de origem. Não é possível desenvolver essa questão no espaço deste texto e nem é minha intenção, mas alguns pontos poderão ser levantados. O que procuro pensar neste texto diz respeito a possíveis percepções que surgem com a elaboração dramatúrgica da peça Eu, o Romeu e a Julieta, tanto nas intenções que pude perceber como projeto de criação autoral do texto falado ou em off, quanto em sua escritura cênica desenvolvida no espaço de apresentação.

CONTINUAÇÃO

O drama da educação brasileira e a experiência kitsch do drama

31 de março de 2014 Críticas
Paulo Verlings, Leonardo Netto, Cesar Augusto, Thierry Tremouroux e Marcelo Olinto. Foto: Dalton Valerio.

O espetáculo Conselho de Classe escrito por Jô Bilac e dirigido por Bel Garcia e Susana Ribeiro constrói uma obra que versa sobre a educação brasileira, seu fracasso e a crise de valores que, infelizmente, se tornou senso-comum dentro da nossa cultura.

Na obra, cinco personagens bem definidas formam a arquitetura da dramaturgia que se apresenta do seguinte modo: após um conflito da antiga diretora da Escola Dias Gomes com os alunos, as professoras se reúnem num conselho de classe que se torna o espaço dramático no qual se assiste o debate ideológico entre as educadoras e o novo diretor, que chega para substituir a diretora afastada.

No centro da disputa estão Edilamar (Leonardo Netto) e Mabel (Thierry Trémouroux). A primeira, professora de Educação Física, representa a vontade disciplinadora e de controle, enquanto a segunda, a professora de Educação Artística, ilustra o desejo libertário de ultrapassar os muros da escola por meio de uma saída criativa (no caso, a “pichação”) – essa entendida como manifestação artística. Bem marcados do ponto de vista dramático, as personagens são como centros de escolhas ideológicas muito bem definidas: Edilamar, conservadora e Mabel, libertária.

CONTINUAÇÃO

Trem para alargamento do horizonte

31 de março de 2014 Críticas
Em São Cristovão. Foto: Renato Mangolin.

“Daqui vê-se o morro”, disse ela. “É lindo”, disse ela. Os ponteiros do relógio tinham sido esquecidos na vida digital onde os tempos confluem, não era certo ser agora ou um pouco depois, embora fosse tarde, calor, verão e suor. O lugar era uma estação de trem: Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. O lugar era feito de gente pegando trens e no meio dessa gente a menina que olhou para mim e disse: “Daqui vê-se a morro, é lindo”. Fiquei sem saber o que dizer. Com o olhar na imensa plataforma de concreto e bem por baixo do meu nariz, havia uma interminável favela, terror de pedra quebrada, lagos de mijo, árvores de lixo, correntes de corpos quase invisíveis. Afinal era uma questão de perspectiva. A menina com os olhos postos no horizonte, um pouquinho acima, ali onde pairava a beleza da cidade, o morro e a distância que torna tudo imponente e eu com o olhar um pouquinho abaixo, abaixo da linha do horizonte, ali onde se perturba a vista com desolação. De repente, uma memória distante das esculturas de Giacometti, pois se o Giacometti aqui estivesse, tinha-se apaixonado pelas pessoas pequeninas de silhuetas em forma de alfinete que vasculham no lixo, aquelas pessoas que carregam o lado avesso do Rio de Janeiro. Respondi: “é lindo”. Tão lindo que dói. Era um lugar cheio de lugares dentro.

(17h30, 22 fevereiro de 2014, estação Manguinhos, depois de assistir In-Trânsito)

CONTINUAÇÃO

A teoria da vanguarda de Pedro Brício

26 de dezembro de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

“Hamm: O fim está no começo. E, no entanto, continua-se.”

Samuel Beckett, Fim de partida

A outra cidade como Bildungsroman

Um verdadeiro Bildungsroman. A estrutura de A outra cidade parece clara. Valentín, 14 anos, precisa crescer, amadurecer, sair da sua pequena cidade-natal (tanto geográfica quanto psíquica) e ir para a cidade grande, isto é, para outro lugar, outra cidade. O problema é que, como nos romances de formação tradicionais, o amadurecimento exige uma série de renúncias pulsionais. É preciso trocar o mundo das fantasias infantis – mundo em que as possibilidades de ser parecem sempre ilimitadas, em que o fim das histórias permanece sempre aberto – por um outro mundo feito de escolhas, concessões às demandas do Outro e, portanto, perdas. Ou ganhos, dependendo do ponto de vista. Em todo caso, a auto-determinação implica necessariamente uma auto-limitação. Só é possível ser alguma coisa quando se abre mão de ser tudo, isto é, de ser qualquer coisa.

CONTINUAÇÃO

Edições Anteriores

Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

Edições Anteriores